Hoje em dia, parece evidenciado em definitivo que, pelo menos para a apreciação ocidental, o filme de samurai corresponde até certo ponto ao western norteamericano (quase nunca, ao italiano). Kaneto Shindo, o diretor, é o mesmo de Onibaba, A Mulher-Diabo, um filme que tem coisas fascinantes e permanece, até agora, proibido pela censura. Agora, através de Kuroneko, dá-nos um espetáculo admirável em muitas sequências, devido à elaboração plástica. Trata-se de uma fita assim como Rosemary's Baby, voltada para o sobrenatural (ou fenômenos paranormais) com a vantagem de impor melhor unidade de estilo e um pathos mais instigante.
São magistrais alguns planos onde impera o clima cromático do esfumaçado ou os travellings pelos bambus. As soluções de natureza puramente técnica são precisas, com sobreimpressões sempre bem sacadas. O mito do samurai (que se aproxima daquele do gunfighter no western) volta a ser abordado, mas agora a trama não será decidida por duelos individuais e, sim, na luta dos mesmos samurais contra os fantasmas. Outro elemento curioso, integrando o entrecho, é a vampirologia praticada pelas mulheres que, em seu estilo nipónico, oferecem um modo mais selvagem e mais histérico do que a sofisticação do Conde Drácula. Em lugar daqueles dois proverbiais furinhos no pescoço, com os quais, de início, Drácula construía a felicidade de muitas mulheres, temos uma dentada frontal que dilacera os pescoços masculinos.
Todos os atôres - Nobuko Otawa, Kiwako Taishi, Kichiemon Nakamura, Kei Sato - compõem bem seus personagens. O filme, de ponta a ponta, mantém aceso o interêsse do público. E ainda aquêles magníficos planos do gato prêto, o verdadeiro instigador das vampiras, quando, no dia do massacre, sugou as feridas dos pescoços queimados. Kuroneko também aflora lateralmente os conflitos sociais da época (século XI) e, ai está outro aspecto inédito: as vampiras vingam as classes oprimidas pelo prazer dos nobres e pela violência dos samurais.

Correio da Manhã
22/03/1969