Rubem Biáfora é um nome que merece ser considerado na cultura cinematográfica entre nós. Foi um dos que, por volta do pós-guerra, mediante a sua atividade de crítico, especialmente em O Estado de São Paulo, já abria olhos e caminhos originais para a compreensão do cinema. Numa época em que a visão do filme, como arte, era insensível e contraditóriamente literária, foi também um dos que souberam desvendar a importância de fatôres relegados ao desinterêsse dos ensaístas bem comportados: dai veio a sua contribuição para a valorização da fita musical e da obra de diretores de produção B, que talvez sem isso, ficassem esquecidos. Ao mesmo tempo, o requinte construtivo da cata de minúcias e de relações quase imperceptíveis entre determinados elementos de décor, fotografia, direção e interpretação. Tempos depois, Biáfora resolveu passar da máquina de escrever para a de filmar e, então, nasceu Ravina, um instigante exercício de estilo, homenagem do autor a várias vertentes de sua formação como crítico. E, para a época do cinema nacional, era uma contribuição de pêso. Agora, Biáfora reaparece com O Quarto (aliás, também podado pela Censura ativíssima) e decepciona. Usando a expressão de Ezra Pound no Mauberley, tem-se a impressão de ser um filme out of key with his time, ou seja, um filme datado para trás. Não estamos, aqui, diante de Biáfora em seu habitat, isto é, o Biáfora dos requintes, refinamentos, rebuscamentos. Parece um filme do período do realismo francês do decênio de 1930, no espírito um pouco à la Pierre Chenal, evidentemente com a maior ousadia das cenas de quarto e cama, permitidas pelo cinema de hoje.
Um burocrata da baixa classe média de uma emprêsa vive solitáno no quarto e tem os seus fervores eróticos. Frequenta shows baratos de strip-tease e, quando o dinheiro dá, colhe as meretrizes na calçada. Exatamente a sequência mais ousada do filme é aquela entre êle e a prostituta no quarto, quando o diretor, envidando maior realismo possível, e querendo levar a satisfação sexual sem glória quase ao pináculo do grotesco, demora-se, lentamente, com a câmara esmiuçando todos os gestos. Ai entra a censura e prejudica aquela que é a cena mais válida, o morceau de bravure de Biáfora. Posteriormente, o protagonista consegue cair nas graças quase ninfomaníacas de uma mulher ricaça e classuda, coberta de jóias, dólares, com mansão de piscina. Deixa o emprêgo e penetra desajeitado no grand monde. Afinal, é chutado e, solitário, desempregado, retorna ao quarto.
O ritmo forçadamente lento no delinear do antiespetáculo da solidão não encontrou o compasso sensível nem a instigação visual adequada. O problema existe e continua na ordem-do-dia, mas o seu tratamento nos parece aquêle de um cinema de outras calendas. E, na meia-hora final, a fita cai bastante, ou seja, a partir do momento em que se intenciona contrastar a falta de classe do rotagonista para participar do vazio da dolce vita, ou aquilo que o otimismo de alguns cronistas chama de "nossa sociedade", Quanto a Sérgio Hingst, presênte praticamente em tôdas as cenas, consegue o diretor dêle um rendimento bastante razoável. O papel era difícil e o filme ingrato.
Correio da Manhã
22/03/1969