A louca missão do Dr. Schaefer
Em matéria de quantidade, o filme de espionagem, hoje em dia, já superou o western, sendo inúmeras as séries vertentes & variantes. Capa & espada na era eletrônica. The President's Analyst, de início, oferecia um elemento incomum na espinha do entrecho: a história de um homem com a missão de psicanalizar o presidente dos Estados Unidos (idéia esta, também de início, já satírica). O diretor Theodore J. Flicker, além da responsabilidade pelo roteiro, também era o autor dêsse argumento. Daí nasceu um divertissement descompromissado com maiores problemas estéticos, políticos ou filosóficos, mas que apresenta algumas passagens interessantes, além de - ao lado, por exemplo, de outra fita de espionagem, como a recém-exibida O Cérebro de Um Bilhão de Dólares - implicar em refôrço àquela política ocidental de identificação estratégica com a União Soviética. Pois tirante o psicoprotagonista (vivido por James Coburn), a figura mais simpática, humana e inteligente, dentro da trama, se consiste exatamente no espião russo (que tinha ódio edipiano do seu pai & chefe). Basta ver o desfecho: o psicanalista - aquêle "abominável" egg-headed freudiano (segundo a concepção da "linha dura" ianque) - sua pequena, o espião negro americano e o russo celebram em plena intimidade a noite de Natal. Se tôdas as organizações de espionagem (russa, maoísta, cubana, britânica) são satirizadas, aquelas que sofrem as estocadas mais agudas são a CIA e o FBI, cujos agentes trazem, mesmo, a pôse e as intenções do vilão convencional. Prova-se mais uma vez que o cinema americano é aquêle que, no mundo inteiro, detém a mais ampla capacidade de autocrítica. Democracia. Vê-se, contudo, que o filme, tal como Billion Dollar Brain, foi realizado antes da invasão da Tcheco-Eslováquia, que pôs muita coisa a perder em matéria de namôro ianque-soviético. Tal como está, The President's Analyst é um filme desigual, que, em muitas sequências, pode divertir, açular o sense of humour ou até instigar a percepção puramente cinematográfica, tal como tôdas as cenas onde aparecem os hippies. E talvez o melhor de todos os momentos seja aquêle em que quando James é conduzido para o leito da relva, pela jovem hippie, as roupas desta sobem pelo espaço, levadas por um balão. No meio da farsa e da gozação, paira o ritmo do acompanhamento musical de Lalo Schiffrin - o mesmo responsável por uma gravação interessante de jazz clássico, com um título parodiando e parafraseando a perseguição e assassinato de Marat na representação do Marquês de Sade, segundo a notável peça de Peter Weiss.
Correio da Manhã
28/11/1968