Num Festival de Filmes Inéditos, que vem sendo apresentado pela Fox, figura o documentário Les Longues Années, traduzido aqui por Anos de Tormenta, e que consiste em montagem de news-reels da II Guerra Mundial. Lá estão cenas históricas, como Stalingrado, a ocupação de Paris, a invasão pelos aliados, o bombardeio de Londres - num reviver de cenas registradas friamente pela câmara. Assim como ocorre em Les Années Folles (Os Anos Loucos), ainda em exibição no Paissandu, aí está o cinema como máquina do tempo e instrumento, cada dia mais importante, de narrar a história. Esta tarefa, devido à segunda revolução industrial, deixou de ficar entregue à subjetividade dos relatos individuais e isolados e ganha a objetividade que só a máquina pode conferir. É claro que sempre haverá a subjetividade da escolha do ângulo de filmagem e, principalmente, aquela da· montagem, que pode omitir certas coisas ou dar ênfase a outras. Porém cada vez mais o passado será uma coisa viva no presente e no futuro. E cada vez mais aumenta também o problema da conservação de fllmes, não mais apenas museu, porém retrospecto da história e dos costumes.
O Estranho Mundo de Zé do Caixão - a última façanha de horror de José Mojica Marins, diretor discutidíssimo, idolatrado por uns, desprezado por outros - foi de tal forma cortado pela censura, que dificilmente dará uma idéia de a que ponto foi em suas audácias, inclusive formais. Mojica Marins se supera e deixa longe os seus próprios filmes anteriores, em matéria de ferocidade fescenina e de "invenções", nessas três histórias, onde heresia, profanação e aberrações sexuais são lugar comum. A primeira história, cujo leitmotiv é a curra dada por quatro rapazes nas quatro filhas de um fabricante de bonecas, apresenta cenas de leito que nem o cinema japonês ousou – pelo menos o cinema que é comercial e, não, de underground. A segunda história, com a profanação do cadáver da noiva e a posse sexual dentro do caixão, operada pelo corcunda, vendedor de balões, é extremamente ousada, com o mau gôsto entremeando-se a dois ou três planos absolutamente antológicos. A terceira deve ter levado o puritanismo da censura à loucura: Zé do Caixão, depois de haver submetido o casal de convidados ao sadismo das mais variadas experiências, devora-os no final, num opíparo banquete íntimo, ao som da Aleluia. Caso estreado êste ano, e exibindo em sua integridade, competiria com As Amorosas e Antes O Verão entre os melhores filmes brasileiros lançados em 1968.
Rod Steiger atravessa a sua fase de prestigio máximo. Depois de O Homem do Prego e do prêmio por interpretar No Calor da Noite, juntamente com Sidney Poitier, protagonizou o já muito falado Na Solidão do Desejo (The Sargeant), cuja estréia mundial deu-se exatamente na inauguração do 12° Festival Internacional de Cinema de San Francisco. Trata-se de uma fita rodada na França, dirigida por Robert (The Set-Up) Wise, numa produção Warners-Seven Arts e que expõe a desintegração psicológica de um sargento do exército norte-americano.
Sob o título bem sacado de Sidéral Sidérant, o crítico do Nouvel Observateur, Jean Louis Bory, publicou no número de 13 de outubro, um excelente artigo sôbre Uma Odisséia no Espaço, considerando-o como um western espacial que se amplia até as dimensões de um conto metafísico. É assim que Bory inicia o seu artigo: "Como errou Pascal em se assustar! O silêncio eterno dos espaços infinitos não existe. Existe a música das esferas. E, essa música, nós a conhecemos doravante, graças a Stanley Kubrick: trata-se de uma valsa vienense''.

Correio da Manhã
22/11/1968