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Erotismo & Libertação

A libertação dos costumes nos tempos atuais, pelo menos no mundo ocidental, pode gerar êste aforismo, de lógica impecável, embora aparentemente paradoxal: quanto mais se pecar, menos pecado haverá. E, aí, o ser humano livra-se dos fantasmas morais ou de convenções inadequadas ao ritmo dos acontecimentos no mundo.
Essa idéia de libertação, evidentemente, é muito mais ampla do que qualquer outra vinculada a contingências setoriais, ou seja, políticas, religiosas, escolares, profissionais. Infere, logo de saída, o estar humano em sua plenitude. Em qualquer sociedade civilizada, a liberdade constitui o paradigma radial. Defini-la é simples: o direito de se fazer o que quiser, desde que não se prejudique o direito concreto de terceiro, já firmado e adquirido. Usamos a expressão direito concreto a fim de caracterizar algo fora inteiramente de ilações subjetivas, ou seja, preconceitos pessoais, susceptibilidades, idiossincrasias, etc.
Na vanguarda do atual neopaganismo, já reconhecido inclusive pelo Papa Paulo VI, estão coisas ou fenômenos ou descobertas, como os Beatles, o LSD, o acesso crescente da mulher ao mercado de trabalho, a moda masculina e feminina, a publicidade, revistas tão sadias e educativas, como Playboy, Evergreen ou Avant-Gartle (no Brasil, infelizmente, inexistem revistas desse nível), ou até o tropicalismo, uma linha que, em nosso meio, liga Oswald de Andrade e Caetano Veloso. O vício é a virtude (conferindo-se, aqui, à palavra vício aquela conotação unilateralmente pejorativa do moralismo cristão). É o paraíso século XX de Baudelaire, Byron, Oscar Wilde, Nietzsche. É de nôvo, a vez de Dionisius.
E também do cinema. Nada melhor do que o cinema - o meio de expressão mais poderoso desta época, na faixa da gratuidade essencial que caracteriza a obra de arte - para conferir a Dionisius o seu status no tempo que conquistou. Libertando-se gradativamente das amarras de convenções moralistas, totalitárias e econômicas, o filme torna-se o grande veículo do erotismo. E não só êste último, com o seu arsenal de requintes simbológicos. Traz a vitória do nu, ao cru. As grandes estrêlas do cinema começam a entregar-se, na tela, às variações de Eros. Mormente no cinema americano que, após as retrações impostas durante longos anos pelos códigos de produção, assume a vanguarda.
A última conquista do erotismo é uma atriz que, até então, cunhara uma personalidade mais ingênua ou "espiritual": Jean Seberg. Em sua última fita,
Birds of Peru, não estamos mais diante da Joana D' Arc, de Oto Preminger, da jovem, em Bonjour Tristesse, ou mesmo, da dégueulasse, parceira de Jean-Paul Belmondo, no já clássico A Bout de Souffle, de Jean-Luc Godard,
O filme, que em sua maior parte, foi rodado no Sul da Espanha ou na Mauritânia, na Afrlca do Norte, tem o argumento e a direção do conhecido romancista Romain Gary, que, no momento, aos cinquenta anos de idade, é o atual marido da estrêla. Ele já teve outros textos de sua autoria entregues a diretores respeitáveis, como John Huston ou Jules Dassin. Agora resolveu criar direto para o filme, através de um entrecho onde pretende abordar um caso psicológico em têrmos poéticos e mitológicos.
O caso, em linhas gerais, já é também uma vereda clássica na área da psicologia: a frigidez feminina que leva à ninfomania. O filme encontrou, de início, problemas com a censura, logo debelados pelo bom senso do Govêrno francês. O seu contraponto simbólico figura-se no cenário de uma estreita faixa de praia, ao Norte de Lima (capital do Peru) onde milhares de pássaros habitualmente se acercam a fim de se atirarem contra a areia morna e, depois, morrer. Mistério - tão misterioso como aquêles pássaros de Hitchcock, egressos de um romance de Daphne de Maurier, que passaram a influenciar escritores e cineastas modernos. E, lá, no comêço, entre êles, Jean tentará o suicídio e será impedida por um homem, que penetra, assim, em sua vida.
Romain Gary disse que muitas pessoas o advertiram ser uma loucura tentar dirigir a sua mulher, logo na primeira fita, o mencionado Birds in Peru (Desejo Insaciável). Mas respondia que todos os artistas têm de cometer loucuras, porque a sua carreira não se adapta facilmente ao funcionamento de uma mentalidade prática e normal. Disseram-lhe também que arriscar a carreira de sua mulher, ao dirigi-la, como cineasta estreante, se consistia num risco capaz até de destruir o casamento. Também respondeu que, se um casamento pode fracassar pelo fato de que o marido e mulher procuram criar algo, juntos, não sabia assim qual o significado da união matrimonial.
O fracasso ou o êxito de Birds in Peru ainda são discutidos e discutíveis. Mas é uma contribuição no tratamento de assuntos até então considerados ousados.

Correio da Manhã
14/03/1969

 
Uma Odisséia de Kubrick
Revista Leitura 30/11/-1

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Jornal do Brasil 17/02/1957

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Ingmar Bergman
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O tempo e o espaço do cinema
Jornal do Brasil 03/03/1957

Ingmar Bergman - IV
Jornal do Brasil 17/03/1957

Robson-Hitchcock
Jornal do Brasil 24/03/1957

Ingmar Bergman - V
Jornal do Brasil 24/03/1957

Ingmar Bergman - VI (conclusão)
Jornal do Brasil 31/03/1957

Cinema japonês - Os sete samurais
Jornal do Brasil 07/04/1957

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