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Huston – estilo e personalidade

No período qne compreende o após-guerra e o momento atual, John Huston talvez seria o diretor de Hollywood que apresente o mais ponderável corpo de obra. Uma admirável coesão de principias processos pauta as suas atividades e só foi ferida em parte, pelo recente "O Céu é Testemunha" (Heaven Knows Mr. Allyson) - o que no entanto, e por ora, se constitui em fator insuficiente para a elaboração dos prognósticos de uma próxima e possível decadência.
Em conjunto, os seus filmes descrevem uma impressionante parábola de uma epopéia da ambição humana, do arrôjo do homem na perene busca de um objetivo, tendo quase sempre como fôrça motora a impulsionar a ação de seus personagens um racionalismo frio e uma determinação inabalável, condicionados pela permanente esfera de marginalidade em que pairam: os fora da lei, em "O Segrêdo das jóias" (The Asphalt Jungle), "Paixões em Júria" (Key Largo) ou em "Relíquia Macabra" (The Maltes e Falcon); os revolucionários de "Resgate de sangue" (We were Strangers), os expedicionários do ouro, em "O Tesouro da Sierra Madre" (The Treasure of Sierra Madre), o histrião Toulouse Lautrec em "Moulin Rouge", o punhado de vigaristas, em "O Diabo riu por último'' (Beat the Devil) etc. Essa marginalidade, no fundo, configura uma situação de revolta do indivíduo que não se conforma ou sente-se inadaptável a uma ordem das coisas que não foi feita para ele e joga então completamente fora das regras. Fora também dos limites onde atua o ramo das convergentes perquirições próprias ao problema da liberdade essencial, isto é, do lado dito existencial, não existe o grande trágico porque o ponto de partida é necessária e paradoxalmente o bêco sem saída Huston vai permanentemente buscar o homem em diversas situações que o mantem deslocado do meio e maneja com o esquema, não em função a uma possível utilização social, mas, e de acordo com um ponto de vista unilateral, em razão da imanente necessidade de afirmação por parte do indivíduo, de sua capacidade de triunfar. Daí, excetuando aquelas peliculas onde o humor é um dos fatores imperantes, brinda-nos o cineasta constantemente com um complexo de ações, cuja tessitura propala uma inusitada sensação de vigor. Ritmo visual em compasso forte, imagens sólidas, densidade de ambientes, agudeza nos diálogos, intensa concentração dos elementos dinâmicos na elaboração de um contexto dramático, alta voltagem cinematográfica na formulação das passagens de caráter feérico ou alegórico; as fabulosas seqüências iniciais, colocando em foco o décor, os personagens e o can-can no cabaré, em "Moulin-Rouge''; o inesquecível epílogo de o "Tesouro da Sierra Madre", com Walter Huston e as notas que se perdem; a prisão final de Doe (Sam Jaffe), enquanto paga para a pequena dançar, em "O Segrêdo das Jóias"; os trechos de caça ou perseguição à baleia em "Moby-Dick"; os derradeiros lances da batalha em "A Glória de um Covarde", quando Audie Murphy torna-se herói devido ao estado de semialucinação provocado pelo seu dilema de consciência.
Falar em Huston seria mesmo, e de um certo modo, falar numa antologia de cinema. Não se trata apenas de uma grande personalidade que se extravasa mediante o celulóide. Mais, é um dos realizadores que domina como poucos todos os segredos de lidar com a imensa parafernalia própria a construir uma linguagem de cinema eficaz. Nêle, a maturidade inata impede que alguma vez os elementos formais venham a servir às redundâncias de uma dispensável retórica ou então aos fulgurantes exercícios pirotécnicos que se bastam a si e não ao filme e prejudicam ao conjunto - entre os maiores diretores, vício encontrável num Orson Welles (confirma a recente "Grilhões do Passado").
Sabe também como poucos talhar um personagem em função do sentido que êste mesmo adquire no desenrolar da narrativa. A saga hustoniana já legou uma considerável galeria de mártires, heróis ou então de pequenos ou grandes cínicos e aventureiros. E, se o grande objetivo jamais surge alcançado, e, como de hábito, sobrevém o fracasso - o acaso aparecendo como inimigo no amplo lance da sorte, talvez seja facultado encontrar nas entrelinhas uma significação de vitória pelo simples fato de existir a ousadia de ter tentado.
"Beat the Devil" (O Diabo Riu por último) termina com uma gostosa gargalhada de Humphrey Bogart, em compasso eufórico, em tom sardônico, prazer demoníaco, uma gargalhada do próprio Huston blagueur, montendo inclusive em que o ator se aproximava em muito do mood, do temperamento do pai do diretor - Walter Huston. Essa sequencia caracteriza um instante-chave significativo no que tange ao esfôrço em desvendar o parti-pris hustoniano. Alguém (Edward Underdown) levou a melhor e logrou a todos; e é com alegria que o fato foi reconhecido. Uma vitória cara ao realizador: a da inteligência auxiliada pela audácia. O anseio sempre presente de que o individuo se sobreponha através da cabeça e não do coração. Por isso, a origem da inesperada bravura do protagonista de ''A Glória de um Covarde" sofre os golpes semivelados da ironia, malgrado uma narrativa imbecil tenha-se empenhado em deturpar êsse aspecto da fita.

***

Na filmografia de Huston pode-se apontar quatro obras-mestras, de cunho inobjetavelmente antológico: "O Tuouro da Sierra Madre", "O Segrêdo da Jóias", "A Glória de Um Covarde" e "Moby-Dick".
A primeira é a que melhor delineia o lado puro da grande aventura. Os três homens sós com a sua ambição em região inóspita e como aves de rapina a se entreolhar em puro clima de faina.
Na segunda, existe uma radonalidade maior na busca do alvo. Os tipos, por outro lado, são, além de mais refinados por talvez estarem mais próximos do que se denomina civilização, variados no que relaciona à configuração das diversas personalidades em jôgo. Este filme aliás, se não nos falha a memória, foi um dos primeiros ou o primeiro de Hollywood a atacar o problema do polícia subornado - audácia de Huston contra autêntico tabu do código de produção. Os ladrões são respeitados como tipos humanos - alguns bons, outros maus, e um extremamente inteligente.
Em "The Red Badge ot Courage", o herói triunfa pelo absurdo. Entre dois fogos, a linha de frente e deserção, opta em autêntico lance de alucinação pelo primeiro. A sua marginalidade é desconhecida pelos outros. Ninguém sabe que, durante a refrega inicial, tinha fugido. Aqui, Huston já começa a se desviar de um determinado paralelismo temático que vinha mantendo e penetra num terreno de matar ambigüidade. A começar por Audie Murphy, herói real da guerra, convocado para o papel de um covarde.
"Moby-Dick", que se enquadrava com facilidade num mapa de constantes e afluências depreendidas do conteúdo da obra do metteur en scéne, foi o seu grande sucesso artístico mais recente, após uma fase menos brilhante embora não menos importante. A adaptação excelente do romance de Melville condenso com precisão os dados mais básicos para uma transposição para a linguagem cinematográfica, onde vemos Huston, corpo e alma, entregue à confecção do que viria a ser um espetáculo quase inigualável - a nota mais alta, a amplifição máxima de sua constante temática. Entre "O Tesouro da Sierra Madre" e "Moby-Dick", a totalidade dos filmes dêsse extraordinário criador possui uma unidade qualitativa que poucos ou mesmo talvez nenhum realizador no campo da sétima-arte tenha conseguido atingir. O mais fraco, "Uma Aventura na Africa", é ainda uma realização de elevado nível. O mais desigual, "Moulin Rouge", oferece quinze minutos iniciais de cinema como raras vêzes é dado a assistir.
Depois da versão de Melville para a tela, veio-nos "O Céu é Testemunha". Um espetáculo razoável, contudo fugindo totalmente da órbita de valores da filmografia de Huston. É justo, por ora, que seja apenas considerado como um hiato desconcertante a histórica de Mischum e da freira perdidos numa ilha deserta.

Correio da Manhã
24/05/1958

 
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