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Marcado pela sarjeta

O “script”: Ernest Lehman baseou-se no relato autobiográfico do lutador Rocky Graziano. Boas situações essencialmente cinematográficas nele contidas foram aproveitadas para formar o encadeamento de seqüências, malgrado se denote uma ênfase excessiva ao teor dramático de algumas passagens, cujas possibilidades do núcleo-matiz da intensidade emocional foram às vezes distorcidas exageradamente em sentido psicologicamente desfocados – tendência para as grandes eclosões dos elementos tensionais de choque. Esse parece ser o defeito mais sensível no que tange à estruturação da obra, embora Robert Wise seja um “expert” na execução e no “achievement” de películas vazadas em tal processo. Um dos cineastas possuidores de linguagem e métodos de tratamento calcados na mais alta voltagem cinematográfica – e jamais retórico.
A fotografia: Joseph Ruttenberg, excelente técnico em muitas ocasiões, qual o presente caso de “Marcado pela Sarjeta” (Somebody Up There Likes Me), compreendendo com acuidade o mood do “metteur en scène”, o que vai nas entrelinhas da solicitações diretas. Admirável o enquadramento, o jogo tonal com o preto e o branco. Concepção precisa do rigorosamente funcional em cena, isto é, elementos atuantes no desencadear do dinamismo tanto extrínseco quanto intrínseco da mesma. O “shot” obedecendo muitas vezes a um critério geométrico de composição – a cidade com suas ruas, seus grandes arranha-céus, suas escadas, seus parapeitos. O caráter imponencial plasmado na focalização do homem em seus grandes momentos; de vitória ou derrota, de jubilo ou de desalento. É, sem dúvida, uma das melhores do ano a fotografia de “Somebody Up There Likes Me”.
O acompanhamento musical: Bronislau Kaper, de estilo muito parecido com Hugh Friedhoffer, assim como Wise e Robson em fitas do gênero idêntico; comparar “Marcado pela Sarjeta” com “A Trágica Farsa” (The Harder They Fall).
Surge a música ressublinhando o aspecto imponencial. Existe o vício de alguns grandes efeitos, pomposos e estereotipados, o som dominando, abafando a imagem e, geralmente, quando a intenção imediata não é tal, isto não é bom cinema, mas apenas o anti-funcional entrelaçar de competências. Sob esse prisma em muito se assemelham – Kaper e Friedhoffer – outro tanto, ambas as realizações: “A Trágica Farsa” e “Marcado pela Sarjeta”.
A interpretação: Paul Newman, como protagonista, cumpre, equilibrando os altos e baixos, uma atuação satisfatória. Também egresso do “actor’s studio”, apresenta marcações e gesticulações típicas da escola. Imitação exagerada de alguns tiques de Marlon Brando; imaturo – um futuro promissor caso se liberte de certo maneirismos.
Pier Angeli discreta. Bem dirigida, não compromete.
Everet Sloane – Um dos grandes tipos cinematográficos, sempre um ótimo coadjuvante.
Não tem fôlego para os grandes papéis e aí deve estar a causa para nunca figurar na cabeça de um elenco. Nesse filme, embora não esteja a cargo de um tipo bem característico e, por conseguinte, seja menor a sua oportunidade, não deixa de chamar a atenção.
Sal Minneo: um dos artistas novos mais prometedores da nóvel safra juventude transviada de Hollywood. Uma quase ponta muito bem desempenhada.
A direção: Saído dos estúdios de Val Lewton, onde teve ocasião de fazer alguma coisa interessante, Robert Wise viria a se impor pouco tempo depois com o clássico “Punhos de Campeão” (The Set Up) – um filme versando também o ambiente do box, num estudo impressionante do sadismo humano. “The Set Up” é praticamente a realização matriz de uma série de efeitos e/ou recursos técnicos que regem a consumação de diversas seqüências, especialmente as da violência física ou psicológica, nas mãos de vários diretores ianques. Curioso assinalar que todas as outras películas de Wise pairam num nível bem baixo de sua obra-prima. Destarde, apesar dela, não pode ser colocado no plano mais elevado dos diretores americanos. Ultimamente tem sido versátil – além do drama e do “thriller”, já enveredou pelo “science-fiction” e pela epopéia em cinemascope com “Helena de Tróia”. As vezes um fracasso, geralmente um sucesso relativo, salvo as seqüências isoladas. Com respeito a estar última realização de caráter épico, convém lembrar que se deu muito bem com a utilização do movimento de massas no cinemascope. Mas é “Um Homem e Dez Destinos” (Executive Suite) a sua melhor criação depois de “The Set Up” – uma fita de bom nível que, embora esteja vinculada ao ingrato tema da glorificação do “businessman”, é tratada com grande dignidade.
Agora, com “Marcado pela Sarjeta”, Wise volta a exibir algumas de suas melhores qualidades e alguns de seus desacertos constantes. A clareza e a eficiência dos recursos estritamente técnicos são impecáveis. Como de costume, o trabalho de edição é extremamente caprichado, tanto no que se refere aos objetivos de maior vulto – manter permanentemente vivo o ritmo da narrativa –, como ao rigor funcional para o emprego dos cortes.
Novamente o ponto alto do espetáculo, vêm a ser as cenas de luta de box: violência, extraída ao máximo possível, por um lado através dos efeitos puramente visuais, por outro mediante os de características sonoras; ecos ou meras reincidências no que tange ao explorar a reação da assistência; o uso admirável do “close-up” e do grande primeiro plano.
No lado negativo, proliferam as redundâncias em conferir ênfase ao lugar comum de certas reações convencionais, exageradamente repisadas, em especial nas passagens de conflito ou choque entre o protagonista e seus pais. É necessário uma extraordinária capacidade de controle ou então uma audácia invulgar para que um cineasta se saia bem de tais momentos, quando, é claro, os deseje enfrentar. E o viável insucesso produz as situações psicologicamente falsas. Tal ocorre com freqüência em “Somebody Up The Likes Me”.
De qualquer forma, se constitui numa película de bom nível, realização enxuta, linguagem cinematográfica escorreita, fluente. Perde na comparação (perfeitamente plausível colocar e, ação o paralelo, já que ambos os temas se aproximam e os dois diretores apresentam várias características semelhantes em seus respectivos estilos, principalmente por motivo de existir idêntica ascendência na formação de cada um) para “A Trágica Farda”, malgrado Wise seja um diretor de maior eficácia, um esteta mais refinado do que Robson. Este, também conhece a fundo o manejo de todos os artifícios técnicos da sétima arte, suas películas estão sempre muito bem cortadas, extrai bons efeitos do primeiro plano. No entanto, por outro lado, se atém quase habitualmente ao aspecto comercial das produções e, como renovador, desbravador no terreno formal, é muito menos positivo.

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