Anselmo Duarte, estreando como diretor, estabelece mais um marco positivo em favor do cinema nacional com “Absolutamente Certo”, talvez a melhor película já levada a efeito dentro do seu gênero. Na realidade, essa fita se constitui num resultado que a Atlântida há muito tempo, desde “Carnaval no Fogo”, está longe de atingir.
Partindo de um roteiro de sua própria autoria, o diretor organiza o complexo de seqüências dentro de um ritmo essencialmente dinâmico, mantendo todo o desenrolar do espetáculo na faixa de um vivo compasso. O argumento em alguns de seus aspectos, não foge, de início, da ambiência conteudística da maioria de nossas realizações. Entretanto, no que se refere ao tratamento formal, surge uma série de elementos valiosos colocados em ação e que justamente tornam “Absolutamente Certo” uma produção de bom nível tanto artístico quanto comercial.
Pode denotar-se a absorção eficaz de duas escolas diferente no estilo e na concepção por ora revelados em Anselmo Duarte. De um lado o neo-realismo: verificado principalmente na maneira em que são talhados alguns ambientes do bairro pobre e pelas situações que se desenrolam na casa de Derci Gonçalves: o humor leve ou grotesco do cotidiano e o extraordinário vigor da atriz a serviço de um papel difícil.
De outro lado, no que concerne ao ritmo, nervoso e rápido, ao método de conduzir as ações, aos cortes breves, ao enquadramento, estamos sob a influência do moderno cinema americano. Assim, já a partir do começo, em que a apresentação de um estúdio de televisão com a aparelhagem pronta para entrar em função realizará um contra-ponto com a cena final em movimento oposto, passando pelas cenas de luta, com um bom emprego da violência, até o suspense criado na hora em que o protagonista está no palco para responder às perguntas do programa, tem-se a possibilidade de apreciar com visível prazer a um conjunto de passagens concretizadas numa linguagem cinematográfica escorreita e que, quando não está nos limites mais desejáveis da eficiência, não escapa, todavia, dos princípios mais saudáveis de uma sintaxe limpa e objetiva.
Sem dúvida, mais um fator preponderante para o êxito da película foi o reaparecimento de Chick Fowle, o antigo “cameraman” da Vera Cruz. A parte fotográfica em suas mãos ganha sempre novos matizes, maior riqueza nos efeitos de luminosidade e nos jogos com as escalas tonais do preto-e-branco. As seqüências estão sempre obedecendo a uma nitidez exemplar, a uma precisa uniformidade dos elementos postos em cena.
Entre os intérpretes, Derci Gonçalvez, à vontade, mercê a sua facilidade em compor tipos como o que lhe coube. Todavia, a sua atuação é passível de certas restrições no tocante ao exagero com que pautou as reações do seu personagem em determinados momentos, (uma espécie de versão feminina de Carlo Campanini) para vencer um rôle bem difícil.
Anselmo Duarte, como protagonista, está bem, sóbrio. Aurélio Teixeira e Odete Lara se apresentam corretos, bem dirigidos, na composição de dois temperamentos algo estereotipados e os coadjuvantes de um modo geral portam-se com eficiência. Aliás, é outra ressalva merecedora de destaque entre nós o fato de “Absolutamente Certo” oferecer um panorama bastante homogêneo no campo interpretativo, sem que apareçam aqueles elementos incrivelmente destoantes, aqueles extras que não sabem nem permanecer de pé em frente à câmera e com Maria Dilnah encarnando a ingênua mais autêntica do cinema brasileiro, um papel, é claro, sem grandes solicitações, mas que tem sido continuamente um verdadeiro fosso no qual se afogam as nossas estrelas ou pseudo-estrelas do rádio ou do écran.
Os número musicais estão muito bem apresentados e entrosados com o desenvolver das seqüências e isso se constitui noutra coisa que aqui raramente acontece. Apenas, o “show” de “ballet”, embora não seja tão grande o mau-gosto, seria perfeitamente dispensável. E, entre os sambas, figuram alguns dos autênticos clássicos da nossa música popular, como “Jura”, de J. B. da Silva (Sinhô) e “Agora é Cinza”, da dupla Bide e Marçal.
Jornal do Brasil
09/02/1958