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Duas realizações de Arne Sucksdorff

A exibição proporcionada por iniciativa do G. E. C. (1), permitiu uma tomada de contato com um dos elementos da primeira linha na atual cinematografia sueca.
Arne Sucksdorff, através de duas películas, denominadas documentários (2), revela-se um realizador dotado de extraordinária capacidade no manejo da linguagem de cinema, com um invulgar domínio sôbre os valores plásticos do prêto-e-branco.

RITMOS DE UMA CIDADE

Um filme de cêrca de 20 minutos de projeção, com título original de "Manniskor I Stad".
Aqui, de acôrdo com uma natural liberdade conferida pelos fatôres que dão ensejo a uma ambivalência de concepções, pode-se denotar tôdas as características que qualificam o temperamento de esteta puro do "metteur en scène". O entrecho não condiciona uma lógica de relações "a priori". A cidade, em, paralelo, conotando mediante os diversos aspectos de sua trepidação; a própria vida.
Vários trechos de ocorrências, incidentes ou aspectos de atividades comuns são justapostos, numa inventiva utilização dos métodos de montagem. O "close-up" ou o detalhe surgem com a máxima carga de significação, importando sempre num refôrço à vivacidade do ritmo. O conjunto dos pequenos fatôres/temas fornecem efeitos contrapontuais recíprocos; e isto se consiste num constante abastecer para o pulsar do núcleo total.
Embora a produção seja de 1946, já se divisava uma indiscutível maturidade de Arne Sucksdorff. Não somente o esfusiante virtuosismo sem medida, o grau coloratura das variantes/achados – dirigidos pelo mero desejo de brilhar de quem possui talento. Ao contrário: rigorosa noção de estrutura, intensidade visual; sobriedade mesmo, se levarmos em consideração a multiplicidade de processos que evidenciou saber manobrar. Nada de malabarismos. A complexidade dos recursos a serviço de um dinamismo funcional.
Uma fita estruturada à base dos processos incisivos de montagem, criando efeitos diretos. Uma sinfonia de cortes, intensidade policromática de sensações. Seria entretanto inexato comparar Sucksdorff com Bergman - isso apenas poderia caber no que se relaciona com o tratamento do detalhe, com os jogos de composição pertinentes ao grande primeiro plano. O critério de organização de ambos é diferente. Se, com referência ao primeiro, o impacto vital está aflorando por um método imediato de concatenação com o desdobrar das imagens, em Bergman a reiterada elisão da linearidade do ritmo, através de processos mais metafóricos, condiciona o sentido das eclosões, do conflito, em planos não de início correlatos à mimesis.
Destarte, voltamos a repetir, não existe uma similitude instrumental entre os dois cineastas, como poderia-se julgar apressadamente. Tal se prenderia ao fato de êsses homens de cinema permanecerem tão avançados ao que ainda se faz globalmente nos grandes centros produtores, inventores, refinados artesãos, que o natural destaque criaria a ilusão.
"Ritmos de uma cidade" denunciou probabilidades de ser um filme ainda possível de mais se alongar. O diretor preferiu contudo deixar sugerido o clima de quietude da noite como um coroar de silêncio ao movimento de superfície que se evola com a escuridão.

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A GRANDE AVENTURA

Tendo se encarregado da produção, direção, "script" e fotografia, dessa obra de grande envergadura, Sucksdorff permite que paire num terreno inobjetável a sua autêntica capacidade.
"A Grande Aventura" (Der Stora Aventuret) se constitui na contrapartida sueca ao famoso filme de Walt Disney "O Drama do Deserto". Curioso ressaltar que ambas as fitas foram apresentadas no Festival de Cannes de 1954; e também premiadas. É importante chamar a atenção para êsse fato, já que seria passível de suposição que o celulóide de Sucksdorff fôsse inspirado no americano, pois oferecem vários aspectos semelhantes. A de Disney, em côres e filmada "in loco" no deserto, "A Grande Aventura" - prêto-e-branco na região rural da Suécia. A mesma intenção de criar um paralelismo dos processos encadeados de rapinagem que pautam a atividade dos homens e dos animais, porém, enquanto o "Drama do Deserto" se detém no caráter patético dêsse universo de faina constante, Sucksdorff interpõe algumas variações líricas, cuja maior incidência está consubstanciada na atuacão dos dois meninos. Existe mesmo um teor mais ameno, um sublinhamento de ternura a marcar o contato entre homem e outros animais, de parte do realizador nórdico.
Como "camera-man", o diretor consegue obter efeitos imprevisíveis ao focalizar os diversos episódios nos múltiplos cenários que oferece a natureza. As sequências em que acompanha a vida das rapôsas, os assaltos ao galinheiro, são admiráveis. E, antológica, é aquela em que a câmera toma o lugar de uma delas, perseguida a tiros pelo camponês; a corrida pela estrada, o vai-e-vem para dentro e para fora da mata, um rodopio, um giro e o céu e o tôpo das árvores.
Noutro instante de alta voltagem cinematográfica, enquanto os homens estão na igreja, entoando um canto religioso, lá fora a armadilha preparada por um dêles liquida com uma lontra. Esse trecho vem calcado pelo processo de ação paralela, interseção precisa e eficaz dos rostos dos fiéis e do casal de lontras que passeia, alegre, pelo gêlo.
Sucksdorff proporciona um tratamento especial ao jôgo de "close-up" com os meninos, dotados de fisionomias realmente expressivas. Da metade para o fim da película é que o papel de ambos ganha uma feição de preponderância, a retratar um congraçamento entre dois mundos diferentes. A lontra que salvam de uma armadilha colocada por um vizinho e que passa a ser a razão dos seus cuidados. Nessa parte, o filme às vêzes cai num ritmo mais monótono, embora plasticamente continui em nível elevado. Se algumas passagens fôssem suprimidas, e o nexo de sequências refeito, nada se perderia da vivacidade que impera durante todo o transcorrer das imagens.
De qualquer forma, "A Grande Aventura" é uma fita rara. Poucas são as ocasiões em que podemos deparar com uma realização na qual o aproveitamento visual da natureza seja tão poderoso. Mesmo os detalhes mais repisados anteriormente, como o da extremidade gelada de uma fôlha que se transforma em gôta dágua a representar o fim do inverno, revestem-se de uma dose de expressividade completamente inusitada. Qualquer momento em que a cadência básica do ritmo é quebrada, se caracteriza por uma réussite. Outro exemplo se constitui na magnífica cena da corrida noturna do cachorro, que se libertara da corrente, atrás da rapôsa, interrompida com o súbito aparecimento do gato selvagem.
Arne Sucksdorff - cinema; como poucas vêzes se encontra vazado em tanta maturidade. Na vanguarda, juntamente com Bergman, Mattson, Sjöberg; a linha de frente da moderna cinematografia sueca - no que concerne a grau qualitativo de produções, à inventiva, ao experimento fértil no campo estético, inobjetavelmente a melhor que existe no momento.
1 - G. E. C. = Grupo de Estudos Cinematográficos da União Metropolitana de Estudantes que, pela sua atuação ininterrupta, vem se caracterizando como um dos nossos melhores centros de cultura cinematográfica.
2 - Torna-se difícil determinar até que ponto uma película pode ser, a rigor, considerada como documentário. "A Grande Aventura", de início, foge mais da classificação, por envolver uma linha concisa de ficção. Todavia, se "Ritmos de uma Cidade" é inteiramente desprovido do caráter discursivo do seu "faz de conta", não deixa de se configurar numa visualização concebida e construída através de um prisma inteiramente pessoal. Estocolmo existe e é o que vemos. Porém as facetas de sua vida a que assistimos foram escolhidas pelo realizador, de acôrdo com o seu interêsse de criar um determinado ritmo. Isto também poderia ser obtido de um décor artificial.

Jornal do Brasil
10/08/1957

 
Uma Odisséia de Kubrick
Revista Leitura 30/11/-1

As férias de M. Hulot
Jornal do Brasil 17/02/1957

Irgmar Bergman II
Jornal do Brasil 24/02/1957

Ingmar Bergman
Jornal do Brasil 03/03/1957

O tempo e o espaço do cinema
Jornal do Brasil 03/03/1957

Ingmar Bergman - IV
Jornal do Brasil 17/03/1957

Robson-Hitchcock
Jornal do Brasil 24/03/1957

Ingmar Bergman - V
Jornal do Brasil 24/03/1957

Ingmar Bergman - VI (conclusão)
Jornal do Brasil 31/03/1957

Cinema japonês - Os sete samurais
Jornal do Brasil 07/04/1957

Julien Duvivier
Jornal do Brasil 21/04/1957

Rua da esperança
Jornal do Brasil 05/05/1957

A trajetória de Aldrich
Jornal do Brasil 12/05/1957

Um ianque na Escócia / Rasputin / Trapézio / Alessandro Blasetti
Jornal do Brasil 16/06/1957

Ingmar Berman na comédia
Jornal do Brasil 30/06/1957

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