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Uma nova revelação

"A Feiticeira" (La Sorciére) se constitui numa prova de autenticidade para algumas elogiosas referências que nos chegavam a respeito de um novo valor do cinema francês: André Michel.
Tendo iniciado sua carreira em 1944, dedicou-se exclusivamente aos curta-metragens até 1951, quando realizou "Trois Femmes” (também depositário de alguns louvores da crítica). Logo após veio "La Sorcière" e finalmente o quase terminado " Les Joues en Feu". Deve-se ressaltar, por outro lado, que já foi assistente de figuras como Pabst, Curtis Bernhardt e Gregori Rappoport.
Filmado "in loco" nas regiões nórdicas, as imensas possibilidades oferecidas pela deslumbrante natureza foram muito bem aproveitadas pelo "cameraman". A grande parte do cenário que se desenrola em exteriores faculta um enriquecimento constante do fundo visual nos diversos lugares onde decorre a ação.
Outro fator de refôrço proporcionado pela natureza, agora no que concerne ao renio animal, e a beleza extraordinária de Marina Vlady. Poucas vêzes tivemos ocasião de assistir ao surgimento de uma personagem tão formosa nas telas. Excelentemente fotografada, seus olhos e cabelos parecem, inclusive, focos de luminosidade. E o indefectível banho no lago (apanágio de todos os personagens selvagens femininos do écran europeu) se reveste de uma sóbria majestosidade.
Nesse ponto é que se torna forçoso reportar o fato de que André Michel não se revela somente como um pequeno inventor, capaz de usar alguns recursos eminentemente cinematográficos de modo diferente e com sucesso. Necessário também chamar a atenção para a classe com que se houve no tratamento de um enrêdo demasiado ingrato para se coroar de um relativo êxito. Tôdas as características do teor novelístico geralmente atraído por tais narrativas se encontravam presentes: maldições, bruxarias, superstições de um pequeno e ignorante povoado, ciúmes, mistério, etc.
O "metteur-en-scêne" aceitou o desafio e entrou de rijo no assunto. Nada de interpolações freudianas, de recorrências excessivamente intelectualizantes, a fim de se desviar da linha central do argumento. Pelo contrário, dela fêz foco direto de propulsão das ações e, contornando todos os excessos do lugar comum, conseguiu chegar ao fim com um resultado sobremaneira brilhante, principalmente se tomarmos em consideração os obstáculos desdobrados.
"A Feiticeira " não é uma fita de grande envergadura, mas apresenta qualidades que a credenciam como um espetáculo muito bom: uma admirável unidade de ritmo, sem tombar jamias na monotonia; um tratamento visual que, como já foi comentado antes, é da melhor estirpe; algumas sequências vazadas mediante soluções originais; a razoável atuação dos intérpretes.
Essas duas derradeiras partes estão de imediato vinculadas ao trabalho eficiente do diretor. A utilização do "close-up" está sempre de acôrdo com o instante exato de alguma reação fisionômica de sabor mais expressivo. Tal se verifica desde o começo, no diálogo entre o engenheiro que vai embora e o novato que chega - justamente o protagonista masculino da película, Maurice Ronet. As nuanças de temperamento pertencentes aos dois tipos ficam logo bem marcadas.
Nicole Courcel, com o papel mais difícil por ser a figuração de um personagem por demais vulgarizado em suas múltiplas facetas melodramáticas, permanece num nível satisfatório, sóbrio. A sua conversão final, quando chicoteia a malta de beatas que pisava a jovem rival é, no entanto, um pouco forçada e sobretudo desnecessária. A cena não deixa, contudo, de oferecer um aspecto impressionante.
André Michel conduziu o filme com equilíbrio, quase sempre com precisão. Passagens como a da perseguição da jovem feiticeira pelo protagonista através dos vários atalhos e ladeiras da flor esta servem para denotar a sua capacidade. Aqui, êle se utilizou demoradamente do "travelling" rápido, correndo velozmente em paralelo aos atores, e cria um efeito de tontura adequado para o estado em que ficou o rapaz, finda a frustrada perseguição, perdido em plena mata. Noutra cena, na hora em que Nicole Courcel já principia a dar atenção aos galanteios de Maurice Ronet, propicia bons efeitos de amhos a sustentar palestras com os convidados sem prestarem atenção a êstes, entreolhando-se permanentemente; tudo isso, em virtude de um jôgo inteligente de angulação da câmera.
As sequências de idílio na praia possuem apreciável beleza pictórica e, também em primeiro plano, a formosura de Marlua Vlady.
A solução final deixa o espectador algo perplexo. Quando se julgava que a jovem iria falecer ou, pelo menos, assistir a tal desfêcho, o moço alcança-a e ao sustentá-la nos braços a fita acaba. O caráter incisivo para qualquer sugestão permaneceu em suspenso. Não sabemos como as coisas estavam previstas no roteiro. Talvez fôsse o último artifício do "regisseur", a fim de elidir mais uma vez o lugar comum que nos seria brindado: com mais uma morte de heroína mediante pedrada na têmpora ou através de um "happy-ending" exageradamente forçado.
Assim como foi, veio a pairar uma sensação de surprêsa, uma dúvida perene que, se não leva a nenhum arremate positivo, fica a meio caminho de uma fixação dramalhonesca que a todo instante fornecia a impressão de que haveria de se inserir no entrecho. Da maneira que findou a opção parece ter permanecido dedicada ao público.

Jornal do Brasil
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