jlg
cinema

  rj  
Cine-resenha

findo o primeiro semestre do corrente ano, apresentamos uma resenha resumida das realizações de maior interêsse, lançadas nos cinemas desta capital. na relação abaixo disposta, a ordem em que colocamos as películas consideradas merecedoras de destaque não é qualitativa, e sim, cronológica. quando terminar 1957, então procuraremos organizar uma relação, de acôrdo com um critério de classificacão em ordem mais ou menos decrescente, conforme os méritos artísticos dos filmes a serem, para tal, discriminados. deve-se ressaltar que, apenas com a contribuição parcial dêsses seis primeiros meses, o presente ano já oferece perspectivas bem superiores a 1956. enquanto neste último, não assistimos nenhuma fita que julgássemos se revestir de valor excepcional, já, em 1957, pelo menos até agora, "la strada", de federico fellini, e "les vacances de m. hulot", de jacques tati, preenchem condições suficientes, a nosso ver, para que se lhes confira. um cunho antológico. isso, sem falar também no admirável "uma lição de amor", de ingmar bergman, exibido em sessão especial no teoatro da maison de france, e que, segundo consta, estreará antes do mês de outubro. também a excelente produção japonêsa, "a bela e os ladrões", de keigo kimura, apresentada num festival-fantasma (porque sem a mínima publicidade) da tabajara filme, no cinema "eskye", da tijuca, oçupará posição de evidente realce, caso venha a público normalmente até o fim de dezembro.

rastros de ódio (the searchers) - john ford, de volta ao seu grande habitat, o western, gênero por excelência do cinema americano, constrói a sua melhor realização nesses últimos anos. na realidade, posteriormente a "the quiet man", nem "a paixão de uma vida", nem "o sol brilha na imensidade", nem "mister roberts" - embora produções de certo nível - conseguiram acrescentar, no sentido artístico, alguma coisa a mais na extensa e invejável filmografia do mais importante edificador da mitologia do filme de "far west". agora, com "the searchers", provando ser dono ainda, apesar da idade avançada, de certa energia e bastante maturidade, leva a efeito uma película de elevada categoria, fator denotável desde a primeira cena, com o admirável enquadramento da tomada, por detrás da porta da casa, da chegada de john wayne, habitual protagonista de seus filmes. Louvável e funcional a fotografia de winston hoch e, cenas como a da chacina da indefesa família pelos índios - sugerida por elipse, a partir do grandioso close-up do cacique, ou do aparecimento do extravagante don emílio gabriel fernandez y figueroa e seu bando demonstram a perfeita assimilação do diretor de uma série de novos recursos, tanto no que se refere à parte técnica, como no tratamento de determinadas passagens, onde a dissonância propiciada pelo toque irônico-bizarro constitui atualmente um método de revitalização da "partitura" para o ritmo interior nas películas de ação.

o quinteto da morte (the lady killers) – alexander mackendrick reafirma, com essa comédia, a indiscutível hegemonia da "ealing tradiction" no gênero. "lady killers" coloca-se na mesma altura de "o mistério da tôrre", de charles crichton, "as oito vítimas", de robert hamer, ou de "o homem do terno branco", também do próprio mackendrick – no momento, talvez, o mais empenhado entre os realizadores dos estúdios de sir michael balcon. alec guiness, protagonista dos outros filmes acima mencionados, proporciona, mais uma vez, uma performance de grande classe; mas, quem rouba o espetáculo é a velhinha katie johnson, em fabulosa interpretação, no “supporting-cast” figuram atores do porte de cecil parker e herbert lom, e o diretor soube imprimir um ritmo precisamente lento a fim de esmiuçar todas as possibilidades de um argumento que, por si só, já se constitui em valioso achado.

as férias de m. hulot (les vacances de m. de hulot) - jacques tati lança a comédia mais importante dos últimos anos- ''les vacances de m. hulot" - após a lnteressante experiência com "jour de fête". revelando-se como mais um dos autênticos inventorores do cinema atual, ao lado de um bergman, de um aldrich, apresenta um filme com imagens dosadas de extraordinário dinamismo interior. prescinde quase que completamente do diálogo, e, quando este surge, jamais assume o primeiro plano no que se desenrola em cena. cria, por outro lado, um singular ritmo burlesco e utillza-se dos ruídos de modo inusatado, revolucionário, mesmo, em alguns instantes, aproveitando o máximo de suas possibilidades físicas como agente imediato de efeito sensorial sobre a platéia. sequências como a de homérica viagem de hulot, em seu bizarro veículo, as passagens que se desenvolvem na praia, ou a do entêrro são, além de originais, antológicas. jacques tati, como intérprete, compõe um tipo inesquecível, malgrado não seja rico em nuances de expressão fisionômica.

rififi (du rififi chez les hommes) - jules dassin, o diretor de "cidade nua" e "mercado de ladrões", leva para a frança o filme de gangsters com êxito. filia-se a película a um ciclo que possui, até o momento, como centro de convergência, o imortal "the asphalt jungle", de john huston. dassin houve-se com mestria na direção, principalmente na longa sequência, com mais de meia-hora de duração, do assalto à joalheria. agiganta-se a fita nos trechos finais e, em especial, na derradeira cena, quando um automóvel à tôda velocidade leva consigo o gangster gravemente ferido e o menino fantasiado para "brincar de mocinho", a agitar constantemente o seu revólver de brinquedo.

na estrada da vida (la strada) - federico fellini cria uma verdadeira obra-prima com "la strada", uma fita que, dentro do terreno ocupado pelo moderno cinema italiano, apenas suporta um paralelo com "ladrões de bicicleta", de sica-zavattlni. giulieta masina, sua espôsa, estréia com estupenda interpretação. sua gelsomina vai para a galeria dos tipos imortais na história da sétima-arte. "na estrada da vida" focaliza a luta entrê o bem e o mal puros, porque brotam diretamente da singeleza ou da estupidez. dentro dêsse esquema, gelsomimi e zampanô são dois personagens depurados de qualquer implicação metafísica, agem de acôrdo com o instinto que a natureza a cada um proporcionou. vivem juntos em virtude de a coexistência entre os dois polos opostos ser praticamente fatal – um processo de mútua alimentação. a cena final em que zampanô consegue chorar pela primeira vez é das mais pungentes já apresentadas. anthony quinn também cria um grande tipo e richard basehart, como o louco, está excepcional. bom o acompanhamento musical de nino rota e, otello martelli, na fotografia, volta a brilhar intensamente, como já o fizera antes, principalmente em "roma às 11 horas".

o grande golpe (the killing) - stanley kubrick é a grande revelação do cinema americano que tivemos este ano. mediante uma modesta produção b, realiza uma película que o coloca logo no primeiro plano entre os cineastas que despertam maior interêsse na atualidade. The "killing" é cinema como nicholas ray ainda não o fêz superior ao dassin, de "riflfi", nas pegadas do melhor huston, de "the asphalt jungle”, kubrick denota parentesco inclusive com ingmar bergman, através da utilização de caráter orgânico que faz do "flash-back" - elemento vital na estruturação rítmica do filme, assim como pelo insólito que marca certas sequências, como, por exemplo, a espôsa alvejada pelo marido, de pé ao lado da gaiola do papagaio, o trecho, em que sterling hayden assalta a caixa-forte do hipódromo ou o encontro da esposa com o amante. Colaboram para o sucesso total da produção, a extraordinária fotografia de lucien ballard e o original e preciso acompanhamento musical de gerald fried.

folhas mortas (autumn leaves) - aldrich em espetacular "tour de force" consegue promover um argumento fadado ao insucesso. Até joan crawford, que atravessava período de, aparentemente irréparável, decadência, brinda-nos com uma performanoe de mérito. “autumn leaves", embora não seja das melhores realizações que dirigiu, serve para evidenciar a capacidade daquele que, por ora, é o cineasta de hollywood do qual mais se pode esperar. o "flash-back" inicial, quando a protagonista rememora durante o concêrto a sua mocidade desperdiçada ao lado de um pai enfêrmo, se processa de modo admirável, tanto no que diz respeito à fusão, como no uso de detalhe.

o homem que sabia demais (the man who knew too much) - hitchcock leva a cabo uma pequena obra-mestra do divertissment. uma história plena em quiproquóos, clima de expectativa, mistério - enfim, os ingredientes habituais para fertilizarem o campo de ação a fim de que eclodam as sensações do thriller e se crie a desejada atmosfera de suspense. cenas como a do assassinato de daniel gélin, a luta e perseguição na sala dos bichos empalhados ou a da batida dos pratos que precederá imediatamente a tentativa de crime no teatro, confirmam a impressão de que hitchcock se encontra em perfeita forma. robert burks valoriza a película com a sua fotografia, dando um caráter às vezes, diretamente simbólico ou insólito ao uso da côr. o filme somente cai um pouco no final, no trecho da recepção em casa do embaixador, em que james stewart procura o filho, enquanto doris day canta o intolerável "que será".

a trágica farsa (the harder they fali) – mark robson, realizador muito irregular, acerta em cheio com esta película que, por outro lado, já se reveste de um caráter histórico, em virtude de ser a derradeira aparição de humphrey bogart, o grande ator recentemente falecido. a narrativa se reporta à descrição do processo de rapinagem que pauta as atividades dos empresários e de todos que procuram negociar com êsse verdadeiro eldorado do esporte que é o boxe. o diretor mantém sempre um clima de elevada tensão e a fita apresenta como lacuna contundente apenas o método de fabulação do tema - muito simplório, diríamos - demasiado direto em sua intenção, isto é, acusando mais do que sugerindo. o diretor fornece autêntico show de eficiência no manejo da montagem nas sequências de luta, conferindo às mesmas violências inaudita. A fotografia do grande burnet guffy visivelmente prejudicada pela cinegráfica são luiz e pelos exibidores que espicharam as imagens até
uma dimensão de 18 cruzeiros.

o caso maurizius (l'affaire maurizius) – julien duvivier continua brilhando em grande estilo e confere ao famoso romance de jakob wasserman uma eficiente adaptação para o écran. o filme se vaza através de perfeita unidade de seu ritmo dramático. cenas dotadas de vigor mantêm aceso todo o incisivo libelo de ordem social que o livro criou. a sequência final, com o suicídio de maurizius e logo após o trem entrando no túnel para sair a palavra fim, se constitui num feliz achado. all star cast compõe o elenco: daniel gélin, madeleine robinson, eleonora rossi drago, charles vanel, anton wallbrook - este último, naturalmente, sobreissaindo.

o balão vermelho (le ballon rouge) – albert lamourisse é o realizador dêste curta-metragem premiado em festival. tocante singeleza, a inocência ridiculariza e teme o mundo cruel dos adultos. o vermelho vivo do balão, um constante contraste ao décor de cunho tonal formado somente por côres mortas. a cena em que o menino, no fim, sobe com os balões seria fruto de lugar comum, caso o metteur en scène não imprimisse excepcional fôrça às imagens; é, por exemplo, o close-up do pequeno protagonista, antes de ser levado para cima, cuja alegria estampada na face, se configura numa perfeita irradiação do que denominaríamos pureza.

morte sem glória (attack) - aldrich, outra vez, com a sua produção mais ambiciosa, com exceção de "the big knife". tratamento rigorosamente cinematográfico às imagens, isoladamente, graças também à contribuição do camera-man joseph biroc. falta, entretanto, maior amplitude à película, isto é, o impacto descarregado se evola com a solução final - nítida oposição a "um passo da eternidade", de fred zinneman que, pelo contrário, desperta muito mais o nosso poder catártico. inferior a "a grande chantagem" e "kiss me deadly", ligeiramente acima de "vera cruz", todas do mesmo realizador, "attack", no entanto, oferece bons momentos de cinema, embora não seja a fita corajosa que supunhamos: se um capitão covarde comanda uma companhia, logo surgirá um coronel venla, que é seu cumplice e lhe mantém nessa posição por interesses políticos. está salvaguardado o exército como instituição e a guerra não é absurda, pois a companhia quer lutar, apenas o capitão não deixa fazê-lo direito. alguns trechos lembram muito o milestone de "sem novidade no front" e "um passeio ao sol", do qual, aliás, aldrich já foi assistente.

grilhões do passado (confidential report) - orson welles retorna, como sempre munido de grandes intenções. malgrado se denote um caráter algo desconjuntado ao imenso aparato de seu esteticismo, leva a efeito uma realização fascinante sob diversos aspectos. a passagem inicial do assassinato nas docas é antológico é o baile em que se revive, através do barroco e do expressionismo, o goya das máscaras. o ritmo exterior, entretanto, começa a entrar em desconexão com o ritmo psicológico desenvolvido para o espectador e, em consequência, algumas cenas tornam-se sôltas do contexto incluso numa área essencial de aceitação intuitiva. welles nos obriga então a sair da fita para raciocinar como êle, isto é, a fim de procurarmos a justificação disto ou aquilo e, nessa altura, é o que se perde. a história, simples. sem invocar problemática de alcance, não encontrou a valoriilação formal mais adequada que conferisse ao filme a amplitude desejada. de qualquer forma, porém, é um espetáeulo, como já o dissemos, fascinante.

blefando a morte (the man from del rio) - harry horner realiza o seu melhor filme, na sua primeira incursão ao western. uma obra de intenções moderadas e que se resolve inteiramente em si mesma, quer dizer, os objetivos se cumprem com frieza e sobriedade. Anthony quinn compõe um outro tipo muito-bem marcado: david robles, o ingênuo e tímido matador, que se torna xerife da pequena cidade, nesse ponto, surge o inevitável parentesco com "high noon", embora a narrativa ofereça solução das mais originais. todavia, o dono do espetáculo é stanley cortez que, mesmo sem a oportunidade propiciada em "the night of the hunter" (mensageiro do diabo), fornece ao aspecto essencialmente visual da fita um caráter marcante.

o último ato (die letste akt) - g. w. pabst, já consagrado como realizador clássico do cinema, lança um filme de grandes proporções mediante a narração dos últimos dias de hitler. um impacto dramático de alta significação histórica - um libelo contra a guerra, não sendo, aliás, o primeiro de pabst. o ambiente sufocante que consegue criar domina todo o desenrolar da fita, cujo patético lembra, outrossim, o da tragédia grega. Extrema unidade, um crescendo admirável no quarto final - cenas impressionantes, qual a da completa folia e desespêro no refeitório, a enchente ou a da visita do fuherer aos feridos. albin skoda está excelente na figura de hitler, e oskar werner repete a eficiente performance, em papel também semelhante, que teve no extraordinário "decision before dawn" (decisão antes do amanhecer), de anatole litvak.

***

outras realizações menos importantes, porém de interesse, em virtude de determinados aspectos positivos que ofereceram: "o planeta proibido", de fred m. wilcox - "a última carroça", de delmer daves - "o homem do braço de ouro", de otto preminger - "a rua da esperança", de carol reed" - "sêde de viver", de vincente minelli - "entre o céu e o inferno", de richard fleisher - "um ianque na escócia", de alexander mackendriek - "a loteria do amor", de charles crichton - "suplício de uma alma", de fritz lang - "quem foi jesse james?” de nicholas ray.

Jornal do Brasil
07/07/1957

 
Uma Odisséia de Kubrick
Revista Leitura 30/11/-1

As férias de M. Hulot
Jornal do Brasil 17/02/1957

Irgmar Bergman II
Jornal do Brasil 24/02/1957

Ingmar Bergman
Jornal do Brasil 03/03/1957

O tempo e o espaço do cinema
Jornal do Brasil 03/03/1957

Ingmar Bergman - IV
Jornal do Brasil 17/03/1957

Robson-Hitchcock
Jornal do Brasil 24/03/1957

Ingmar Bergman - V
Jornal do Brasil 24/03/1957

Ingmar Bergman - VI (conclusão)
Jornal do Brasil 31/03/1957

Cinema japonês - Os sete samurais
Jornal do Brasil 07/04/1957

Julien Duvivier
Jornal do Brasil 21/04/1957

Rua da esperança
Jornal do Brasil 05/05/1957

A trajetória de Aldrich
Jornal do Brasil 12/05/1957

Um ianque na Escócia / Rasputin / Trapézio / Alessandro Blasetti
Jornal do Brasil 16/06/1957

Ingmar Berman na comédia
Jornal do Brasil 30/06/1957

562 registros
 
|< <<   1  2  3   >> >|