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Asas de Águia

"Asas de Águia" é provavelmente a pior realização na
extensa filmografia de John Ford, um lastimável fracasso, um filme que, abordando assunto dos mais ingratos e repisados, não apresenta um momento sequer de maior interêsse.
Não que Ford continuasse até hoje a primar pela elevada qualidade. Pelo contrário, de uma dúzia de anos para cá, sua carreira está pontilhada de algumas produções discretas ou apenas aceitáveis: "She wore a Yellow Ribbon", "Rio Bravo", "O Sol Brilha na Imensidade", "Paixão de Uma Vida" etc. E tal irregularidade é bastante natural em um cineasta militante há longo espaço de tempo, com lugar certo na história da sétima arte - quem estabeleceu as bases mais sólidas para o desenvolvimento de tôda a mitologia do "western". Hoje em dia é suficiente que êle uma vez ou outra nos brinde com obras ainda de grande envergadura como "The Quiet Man" ou êsse admiravel "Rastms de ódio", exibido também no presente ano. Já, as suas pequenas epopéias biográficas, como "Paixão de Uma Vida" ou êste último e lamentável "Asas de Águia", ou o saudosismo afogado do espírito de uma época passada qual o desigual "O Sol Brilha na Imensidade", estão longe de oferecer qualquer aspecto esteticamente mais sedutor - situam-se, com o seu mood mal temperado com o róseo anelo de uma pieguice bizarra pelo que não volta mais, fora de nossa atual realidade. A derradeira reussite que obteve nesse terreno, segundo seu velho estilo, foi "The Quiet Man", uma feroz e divertida bucólica, quando, todavia, contou com todos os elementos necessários nos mínimos detalhes para o êxito, desde a extraordinária fotografia até a conduta dos intérpretes. Aliás os dois protagonistas dessa realização são os mesmos de "Asas de Aguia", somente que agora despojados de qualquer vestígio de autenticidade, menos por culpa dêles do que da convencionalidade dos papéis que tiveram que desempenhar. Tanto John Wayne como Maureen O'Hara são obrigados a repetir os mais surrados chavões fordianos em mais uma tentativa de glorificação estereotipada e pueril que Hollywood leva a efeito do espírito militarista, dotado de sadia moral para com os compromissos bélicos, de que é possuidor o Tio Sam. Assim, reaparecem sempre dentro do mesmo padrão as saudáveis bededeiras e pancadarias entre o Exército e a Marinha, esta geralmente levando a melhor pois de seu quadro de oficiais é que faz parte John Wayne, legítimo Obdulio Varella no empreendimento das palhaçadas. "Spig", a quem êle retrata e que inclusive já foi teatrólogo e scriptwriter, surge como um farrista maroto, um marido irresponsável, já que está continuamente ausente do lar a fim de forjar as suas brincadeiras. Não faz mal, ensina a moral do filme; o que interessa é que esteja sempre pronto e desejoso de uma guerrinha para não decepcionar os fabricantes de armas e de munições. Aqui, outra vez são os japonêses que, atacando Pearl Harbour, vão novamente modificar como de hábito todos os planos dos heróis e galãs MGM. Dêsse modo, no momento exato em que êle, agora já bem velho e de muletas, decide-se enfim retornar ao lar, surge a notícia pelo rádio e pronto: lá o temos fardado no convés de um navio de guerra em ação em pleno Pacífico. Não estamos colocando em dúvida a veracidade dos fatos - apenas discordando da maneira e da ênfase com que foram postos em foco.
Destarte, quando a presença de John Ford se faz sentir é para sublinhar, com as tintas de um humor tendente ao caricato, trechos e personagens cuja validez psicológica tomada a sério já é por si uma caricatura. Talvez somente a si próprio êle tenha sido fiel; o diretor de cinema vivido por Ward Bond. Se, por outro lado, Maureen O'Hara também não compromete, Dan Dailey compõe um tipo demasiado trivial e exagerado nas menores nuances de interpretação.
Nem mesmo nas cenas de briga ou nas de batalha naval, consegue-se perceber, através de qualquer detalhe, que é um expert no manêjo da câmera o responsável pelo espetáculo. Onde uma riqueza de efeitos poderia ser extraída com maior facilidade pelo dinamismo intrínseco da sequência, isto é, passagens providas de tal característica pelo movimento em cena - ação pura inerente ao que está sendo focalizado – tudo decorre num clima de indiferença artesanal no que concerne a uma busca de apuro, num ritmo apático, linear.
Por seu lado, a fotografia de Paul Vogel em nada auxilia, com raros instantes denotando intenção de procurar alguma
angulação mais significativa, ou então esmerar o critério de utilização da côr.
Nesse ponto, pode.-se citar, em exceção, o breve "flashback" em que Wayne rememora o seu passeio de automóvel na época de namôro com a espôsa e certas tomadas do seu vôo de estréia, quando pôs em polvorosa todo mundo que se encontrava nos arredores.
Constatando-se a incisiva mediocridade de "Asas de Águia", não se pretende provar que Ford esteja acabado ou em irrecuperável decadência. "Rastros de ódio" demonstra evidentemente o contrário. A decadência que se verifica até um determinado ponto é, no seu caso, e provavelmente, contingência inevitável do fator tempo. Apenas torna-se lícito ressaltar que êle, através do que tem realizado nesse último decênio, já não mais figura atualmente na primeira linha dos diretores importantes do cinema contemporâneo,
isto é, e para ficarmos só em Hollywood, a média qualitativa no terreno estético de suas derradeiras fitas está nitidamente abaixo do que foi alcançado por um Aldrich, um George Stevens, um Elia Kazan, um Zinneman, das duas películas de Kubrick, de Huston, de Wyler, Mankiewicz e alguns outros.
De qualquer forma, pode-se aguardar com justiça que venha ainda a nos fornecer outras obras de grande categoria, levando-se em conta uma certa versatilidade de que é possuidor, ao fazer que fique alternadamente em constante oscilacão dentro de suas tendências, tanto para o dramático quanto para o cômico. Nesta esfera, "Mister Roberts" embora não seja totalmente seu, se constituiu num interessante "tour de force".

Jornal do Brasil
13/10/1957

 
Uma Odisséia de Kubrick
Revista Leitura 30/11/-1

As férias de M. Hulot
Jornal do Brasil 17/02/1957

Irgmar Bergman II
Jornal do Brasil 24/02/1957

Ingmar Bergman
Jornal do Brasil 03/03/1957

O tempo e o espaço do cinema
Jornal do Brasil 03/03/1957

Ingmar Bergman - IV
Jornal do Brasil 17/03/1957

Robson-Hitchcock
Jornal do Brasil 24/03/1957

Ingmar Bergman - V
Jornal do Brasil 24/03/1957

Ingmar Bergman - VI (conclusão)
Jornal do Brasil 31/03/1957

Cinema japonês - Os sete samurais
Jornal do Brasil 07/04/1957

Julien Duvivier
Jornal do Brasil 21/04/1957

Rua da esperança
Jornal do Brasil 05/05/1957

A trajetória de Aldrich
Jornal do Brasil 12/05/1957

Um ianque na Escócia / Rasputin / Trapézio / Alessandro Blasetti
Jornal do Brasil 16/06/1957

Ingmar Berman na comédia
Jornal do Brasil 30/06/1957

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