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Treze cadeiras - cinema nacional e problemas

"Treze Cadeiras" apresenta três (infelizmente, não treze também) virtudes: a ) não é pornográfico; b) é tecnicamente satisfatório, principalmente no que se refere ao serviço de dublagem; c) apenas metade do elenco é formada por péssimos atores – o resto vai do fraco ao razoável.
Quanto ao mais confirma novamente a incipiência de nosso cinema. Nunca se viu Oscarito tão mal aproveitado - o nosso melhor cômico não faz rir um instante sequer. O argumento seria aproveitável, caso obedecesse a um outro roteiro a que fôsse conferido maior cunho de originalidade e que, ao mesmo tempo, criasse situações mais interessantes. E o epílogo vem vasado em intolerável pieguice, num estilo do qual somente um ChapIin conseguiria extrair alguma coisa.
Infelizmente o panorama do cinema brasileiro continua a ser o mesmo. As nossas películas em grande parte destinam-se ou àqueles que não dispõem de duzentos cruzeiros para assistir de primeira fila um espetáculo de revista da Praça Tiradentes, ou a funcionar de veículo experimental para novelistas radiofônicos fracassados ou então, em menor parte, está entregue a um inconsequente amadorismo. Aliás, um eficiente "exhibit" para confirmar o que, no presente momento, comentamos, são os pequenos "shorts" que a Atlântida vem apresentando, como complemento, em nossas salas de espetáculo, constituídos de trechos musicais de vários filmes e que, paralelamente, correspondem a um perfeito ideograma da situação de nosso cinema.
Não cremos sinceramente que medidas oficiais para maior proteção a uma indústria que ainda não existe possam, para a hora em que estamos, solucionar o problema. O petróleo existe, a monazita existe, e é nossa obrigação zelar pelos nossos interêsses no que se refere a isso. Porém, o cinema nacional não existe; ou melhor: houve, nesses últimos vinte anos, "O Cangaceiro" ou, como se prefira, o Sr. Lima Barreto. Foi a única fita que, sob o ponto de vista estético, não nos envergonha num plano internacional (Sinha Moça - dois ou três bons momentos de cinema - uma fita + para o comercial, espécie de "Marca do Zorro" guarani). Houve a Vera Cruz, que lançou alguns filmes comerciais enxutos, uma ou outra tentativa mais séria frustrada e que, por fim, faliu. Houve alguns metros de "Amei um Bicheiro", "Presença de Anita" e "Na Senda do Crime". Houve a côrte de Alex Vianny na cena da navalhada para o piston, em "Rua Sem Sol". Houve a vinda de Cavalcanti que aqui chegou, fracassou, discutiu e foi embora - mas que ao menos serviu para lembrar que existe um brasileiro que sabe fazer cinema.
O que se presencia, em regra geral, é uma total irresponsabilidade ético-estética, uma vontade firme de fazer dinheiro rápido. Destarte, assistimos ao fato de qualquer incongruência saída de nossos estúdios, desde que possua cartazes do rádio no elenco, provocar verdadeiras enchentes. Como é que se pode esperar que os fazedores de abacaxi, vendo o sucesso financeiro, pretendam realizar cinema sério? Ao contrário, 4x1 indica que teremos carnaval quatro vêzes ao ano, teatro de revista filmado umas dez, um dramalhão radiofônico de vez em quando, a fim de quebrar a monotonia, ou então um daquêles terríveis documentários, dos quais não se enxerga nada e onde somente pelo título, é que o espectador vem a saber que se encontra na selva amazônica ou sob a cachoeira de Paula Afonso. Trata-se daquelas fitas guardadas em reserva para que não se deixe de cumprir religiosamente o 8x1 e assim não se diga que não há nada em estoque.
Antes de se pensar em proteger a incapacidade ou a má-fé de boa parte dos nossos realizadores e produtores, é preciso primeiro criar no público um clima de consciência mais generalizada para com o que seja cinema e das imensas possibilidades que apresenta um tal campo de atividades, tanto no que diz respeito ao setor artístico, como ao educativo ou ao de entretenimento. Primeiro seria necessário que se criassem filmotecas, que se facilitasse a expansão dos clubes e publicações de cinema, que se formassem técnicos, que se trouxesse para cá gente que, na realidade, entendesse do riscado, tivesse sólidas garantias para levar algo a cabo e não turistas, cujo poder de engambelar os nossos pseudotalentos fôsse a única preocupação.
Entretanto, se fôr dificultada ao máximo a importação de filmes estrangeiros, a sétima arte no Brasil, como foco de cultura, será um compartimento estanque. O pouco que os exibidores e distribuidores tiverem em mão, do que vem de fora, será dedicado ao cinemascope, a Rock Hudson, a Gina Lollobrigida, a Libertad Lamarque e quase nada a Aldrich, Kubrick, Fellini, Castellani, Huston, sem falar nos cinemas sueco e japonês. Evidentemente que, se não tivermos ocasião de ver o que de melhor se realiza na atualidade, em determinado terreno artístico, permaneceremos atrasados em relação ao desenvolvimento de todo um complexo técnico - estético nesse mesmo campo. E tudo isso, pelo menos por ora, para nada. O que importou certa vez a Atlântida, de que nos recordamos? Maria Antonieta Pons, cujas avantajadas sinuosidades viriam animar o clima de insensatez que impera em nossas produções carnavalescas. Se um país como a França providencia medidas de teor mais coibitivo para com as produções que vêm de fora, as contigências de caráter econômico, por si só, justificam tal providência, pois lá existe uma série de pessoas que fazem cinema de verdade (Bresson, Tati, Clair, Renoir, Duvivier, Carné, Dellanoy, Clouzot, etc.), existe uma tradição, filmoteca pública, consciência bem maior para com os problemas estéticos. Aqui, para um Lima Barreto, existem cem habibes prontos a mordiscarem o volumoso cacho de vantagens que se lhes quer oferecer.
As razões de dificuldades financeiras e de exibição que impedem o florescer da "genialidade" contida em nossos talentos embutidos não pesa tanto. Sem falarmos em Kubrick, para ficarmos apenas aqui mesmo, basta lembrar "Rio Quarenta Graus", de Nelson Pereira dos Santos. Realizado dentro de condições bem modestas, foi a melhor película brasileira nesses últimos anos, desde "O Cangaceiro". Embora possua aIguns aspectos ainda primários que envolvem o seu tratamento cinematográfico, conseguiu atingir um grau de produção aceitável, melhor que pelo menos metade das fitas italianas que aqui surgem sob o rótulo-chamariz neo-realista/sensual.
Outro aspecto de proteção à nossa indústria (?) que merece ser discutido é a questão da lei que obriga as realizações estrangeiras a serem copiadas aqui no Brasil. Se os nossos serviços de copiagem funcionassem bem estariam perfeitamente certo e seria praticamente obrigação geral da crítica aplaudir tal medida. Tal, porém, não ocorre. Se a cinegráfica acerta uma vez ou outra e não prejudica muito o filme, surgem, no entanto, resultados lastimáveis como o que aconteceu com a fita de Robson, "A Trágica Farsa" (The Harder they Fall) em que a fotografia do grande Burnet Guffy ficou praticamente inutilizada.
O cinema é uma arte. Um filme, desde que sua confecção obedeça a certos padrões estéticos pertinentes à esfera em que atua, é, por conseguinte, uma obra de arte, um objeto - uma coisa, como o são os quadros de Klee ou Leonardo, os romances de Faulkner ou Henry James, a música de Bach ou de Schönberg. "The Harder they Fall" não chega a ser uma obra-prima; possui defeitos, como os têm alguns quadros de Picasso, por exemplo. Todavia, localiza-se facilmente numa área que se denominaria das realizações artísticas. Querer, portanto, obrigar a que uma fita preenchendo tais requisitos tenha, para efeito de exibição, que se submeter a serviços de copiagem deficientes é o mesmo que se obrigasse também a que o transporte de um Rodin ou de um Goya fôsse feito por um "pau-de-arara"; que tivéssemos de ler Hopkins traduzido por J. G. de Araújo Jorge ou um canto de Pound por Olegario Mariano.
Não se pode esqueçer que, se o cinema em grande parte se tem caracterizado como uma indústria do entretenimento sem maiores consequências, por outro lado, também em boa parte, se constituí num veículo de ambições mais sérias - num fato cultural. E quando um dispositivo legal vem ferir esta última parte, somente poderia ser configurado como um delito oficializa-do de lesa-cultura.

Jornal do Brasil
04/08/1957

 
Uma Odisséia de Kubrick
Revista Leitura 30/11/-1

As férias de M. Hulot
Jornal do Brasil 17/02/1957

Irgmar Bergman II
Jornal do Brasil 24/02/1957

Ingmar Bergman
Jornal do Brasil 03/03/1957

O tempo e o espaço do cinema
Jornal do Brasil 03/03/1957

Ingmar Bergman - IV
Jornal do Brasil 17/03/1957

Robson-Hitchcock
Jornal do Brasil 24/03/1957

Ingmar Bergman - V
Jornal do Brasil 24/03/1957

Ingmar Bergman - VI (conclusão)
Jornal do Brasil 31/03/1957

Cinema japonês - Os sete samurais
Jornal do Brasil 07/04/1957

Julien Duvivier
Jornal do Brasil 21/04/1957

Rua da esperança
Jornal do Brasil 05/05/1957

A trajetória de Aldrich
Jornal do Brasil 12/05/1957

Um ianque na Escócia / Rasputin / Trapézio / Alessandro Blasetti
Jornal do Brasil 16/06/1957

Ingmar Berman na comédia
Jornal do Brasil 30/06/1957

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