A ecologia surgiu há pouco, mas já é uma das palavras mais citadas em reportagens, editoriais de jornais, livros e outras publicações. Defini-Ia, de modo simplório, corresponde a dizer que se trata das relações dos organismos com seus meios-ambientes.
Não seria nada curioso notar que, ao contrário das outras ciências, fundadas no logos, a ecologia nasceu muito menos da tradicional necessidade especulativa, do que da necessidade de sobrevivência. Prever a sobrevivência ambiental, num momento em que a espécie humana, dia a dia, gera o seu suicídio lento e coletivo.
É a poluição de chaminés, lixeiras e canos de descarga. É a destruição sistemática da espécie vegetal. É a fabricação em massa, pelo homem, do bicho urbano que mais o assola: o automóvel. Não se trata apenas da poluição, inclusive sonora, do automóvel, mas da sua competição com os sêres humanos pela ocupação de espaço e de tempo. Ou seja, o asfalto, cada vez mais, ocupa, o lugar do verde, embora o nosso organismo não tenha atravessado nenhum critério prévio de adaptação a fim de trocar a exigência do oxigênio pela do gás carbônico. Enfim, o crescimento da neurose, já constatado por tantos especialistas, pela ilogicidade de se estar dentro de veículos rápidos em trânsitos engarrafados.
O advento da ecologia colocou em cheque o conceito mais simplista de desenvolvimento, baseado tão-somente em dados materiais e estatísticos mais imediatos. É o tal administrador que dizia que governar é abrir estradas. É o outro que vai aterrando tudo rios, baías, lagoas, para o automóvel correr. Enfim, aquêle que mostra o crescimento contínuo da indústria auto-mobilística, sem falar na de peças e acessórios (pneus, etc.). Para quê? A quantidade, aí, não pode ser ilimitada, mas funcional à convivênela humana.
A concepção de processo, no mero sentido linear-evolutivo de resultados materiais, de conquistas da ciência, já foi, há muito, rebatida, por pensadores inclusive do porte de um Levy-Strauss, em Raça e Cultura. Diz êle: "O desenvolvimento dos estudos pré-históricos e arqueológicos tende a desdobrar no espaço as formas de civilização que éramos levados a imaginar como encadeadas no tempo… A humanidade em progresso não se assemelha, de modo algum ao personagem subindo uma escada com esfôrço, a aduzir, através de cada um de seus movimentos, uma etapa, nova em relação a tôdas aquelas que já conquistou; a humamdade em progresso melhor evoca o jogador, cuja chance está repartida entre vários dados e que, cada vez que os lança, os vê se espalharem pelo pano verde, trazendo tantos resultados diferentes. O que se ganha num é passível de ser perdido noutro: apenas de vez em quando a história é cumulativa, isto é, os resultados se somam a fim de formar uma combinacão favorável”. Lévy-Strauss, em decorrência, também demonstra que inexiste qualidade ou valor, na diferenciação entre as várias culturas.
Se o desenvolvimento tem, como meta, o homem, está obrigado a marchar em formação de cultura e, não apenas, com o descerrar de placas e o cortar de fitas. Se cultura, de maneira genérica, pode ser definida como tudo que o homem faz, como produto do meio-ambiente, a contracultura estará muito menos na alienação consentida de hippies e similares, do que, por exemplo, naqueles que criaram a bruma japonêsa, a névoa do progresso - ou os minhocões, tombados ou não.
Se desenvolvimento continuar a ser isto, qualquer dia o "soleil noir de la melancolie", de Nerval, deixará de ser metáfora e, sim, mera realidade. E já terá tido tempo a astronáutica de nos fazer emigrar, em busca da cultura de outros sóis?
Correio da Manhã
18/12/1971