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Crise de valores

O problema da assim denominada "crise de valores" da época atual não pode ser enfocado sob o simples ângulo moral. Um dado nôvo, acarretado a partir da primeira revolução industrial e acelerado intensamente pela segunda (a era da automação), sacudiu tôda uma estrutura e um sistema de apreciação dos fenômenos, até então aceitos e empregados pacificamente: a ascensão da máquina, que mudou a maneira de estar no mundo, o comportamento do homem. Com isto, não apenas o escalonamento de valôres foi desmontado - o próprio conceito de valor passou a sofrer um remanejamento inevitável. O homem inventou a máquina e isto seria fatal desde que inventou o seu primeiro instrumento primitivo. Agora, a criatura ameaça o criador, num processo aparentemente irreversível. Dois exemplos máximos e dicotômicos, consoante a fusão dos dois pólos opostos, de destruição e de construção: de um lado, as bombas e outros armamentos nucleares capazes de fazer explodir o planeta mediante um prosaico apertar de botões; de outro o cérebro eletrônico, que, pouco a pouco, através do aprimoramento de suas performances, vai substituindo o homem em tôdas as suas atividades de contrôle elaboração e percepção e que pode inclusive comandar o mesmo homem.
Não foi à toa que Norbert Wiener, o pai da cibernética, disse ser a máquina um organismo – entidades artificiais cujo comportamento interno, que desfecha o funcionamento (e o que funciona já está se comportando), é análogo ao das entidades biológicas. Daí também, diante de todos êsses fenômenos descerrados pela máquina (além de armas, cerebros eletrônicos, TV, outros meios de comunicação de massas etc.), é que um ensaísta, como Jean Ladrière em sua
Filosofia da Cibernética, aponta a ruptura com um sistema vertical-hierárquico de valôres e propugna a "apreensão horizontal do real". Isto corresponde à relatividade geral dos métodos de conceituar e denuncia a atitude dogmática diante dos fatos como um sintoma alienante.
Aliás, está aí a Lei de relatividade, que alterou a idéia de espaço e de tempo. Antes de Einstein, ainda era possível à filosofia especular com as categorias puras, a partir daquela idéia bipolar, como um dado certo e provado (embora as antenas precursoras de alguns filósofos já estivessem abrindo o caminho da fenomenologia). Hoje, ela reexamina tais categorias, a partir da própria compreensão do que é sentir e pensar dentro do espaço-tempo. Devido à ruptura da relação formal de sujeito-objeto, Heidegger investiga o significado de pensamento. A antropologia traz dados novos a respeito de sistemas de parentesco. Malinowski, por exemplo, descobriu que os nativos da ilha Tropbriand desconhecem simplesmente a paternidade. Isto permitiu a Merleau-Ponty (Fenomenologia da Percepção) concluir que os sentimentos (não, os sentidos) inexistem, são institucionalizados.
Voltando, assim, à moral. Julgamento a partir de que ou de quem? O desafio lançado à filosofia ou à epistemologia é a proeza de nos obter uma nova e estável compreensão da ética.

Correio da Manhã
18/08/1970

 
Wiener ou Cibernética
Correio da Manhã 12/04/1964

OP X POP uma opção duvidosa
Correio da Manhã 02/10/1965

Mitos políticos
Correio da Manhã 31/10/1965

Cristãos & Ocidentais
Correio da Manhã 22/12/1965

Moral & Salvação
Correio da Manhã 13/01/1966

Semântica & Nacionalismo
Correio da Manhã 25/02/1966

Ruínas de Conímbriga
Correio da Manhã 19/10/1966

Coimbra: canção e tradição
Correio da Manhã 09/11/1966

Beatnicks: protesto solitário
Correio da Manhã 10/05/1967

Os filhos que devem nascer
Guanabara em Revista nrº7 01/07/1967

Despir os Tabus
Correio da Manhã 12/01/1968

Ninguém ri por último nas fábulas do povo
Revista do Diner\'s 01/04/1968

Muro e Turismo
Correio da Manhã 02/08/1969

Dogma & dialética
Correio da Manhã 10/09/1969

Forma e fonte
Correio da Manhã 16/09/1969

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