Luxe, calme et volupté - aquilo que o precursor Baudelaire realizava, como dandismó satânico (e o seu grande precursor já fôra Lord Byron, gentlemanvampire na imagem de Corbière), fazendo a escalada vivencial sob o estímulo de ópio, haxixe, erigindo o altar do vício diante do sebo e môfo da contenção cristã (“piedade matou minhas ninfas"- Ezra Pound), agora é uma propriedade pop, bem gritante, muito juvenil. A aventura, a aposta, o viver perigosamente (e, mesmo sem a intenção, já "viver é negócio muito perigoso", como diz Guimarães Rosa, em Grande Sertão: Veredas), hoje, tornaram-se lugar comum no comportamento de parte de uma nova geração, que não vê o norte nem a sorte, que se marginaliza do sistema, do establishment, da ética convencional, seja sob o signo de passividade da flor hippie, até a contestação mais radical e violenta.
Contradição de fim de milênio, quando a humanidade retorna exatamente à era da viagem. Viagem exterior, física, e também viagem interir, psíquica. O homem chega à Lua e inicia a sua etapa de conhecimento extraterreno. A vida histórica, no momento atual, como notou com grande acuidade Athur C. Clarke, corre mais rápida do que a vida individual: num período normal de vida, o ser humano pode testemunhar uma quantidade bem maior de acontecimentos e transformações que mexem, de imediato, com a estrutura do universo e, em decorrência, das formas de conhecimento, de detectar o que se chama de realidade.
Mas, enquanto partimos em direção física ao infinito, começa a se intensificar a viagem interior . A sistemática disso começou com Freud, através do pathos da persuasão ou autopersuasão. Porém, agora, muito mais concreta, a droga, embora marginal, vai se transformando em outro sistema de autoconhecimento: LSD, marijuana, cocaína etc. etc. etc.
É verdade que, como instrumento de psicofarmacologia, o LSD, ministrado profissionalmente, é um respeitável instrumento de cura à neurose ou à inquietação que motivam a procura perigosa através da viagem. A sua aplicação, no entanto, no âmbito da psicanálise ou psiquiatria, ainda atravessa a fase de insegurança e pioneirismo. Aliás, talvez seja esta outra contradição: os viajantes não querem cura, querem procura, principalmente os artistas ao sentirem não apenas a crise da humanidade à sombra da bomba, mas também a crise dos próprios instrumentos convencionais de criação: em poucos dias, duas vítimas famosas do inconformismo vivencial: Jimi Hendrix e Janis Joplin.
Para viajar além-Terra, é preciso que o astronauta seja rijo de nervos, ultra-equilibrado e conformado ao establishment que constrói foguetes. Mas, por seu turno, os astronautas da droga só encontram o estímulo através daquilo que a psicologia quer curar: stress, fossa, tédio, depressão e até loucura. Voragem – miragem - até uma outra margem ou nova mensagem. O meio é a viagem.
Correio da Manhã
07/10/1970