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Zola e o método

A obra de Emile Zola, depois da época em que foi publicada pela autor, com tôda a celeuma e as reações desfechadas, enfim, depois do período da intervenção decisiva do criador do naturalismo no affaire Dreyfuss, sofreu uma espécie de, não diríamos desvalorização, mas desinterêsse na análise do processo literário. Os críticos estruturalistas, além evidentemente de Joyce, Proust e outros, preocuparam-se com um outro contemporâneo, Flaubert - o escritor do mot juste, cujo Madame Bovary, um dos primeiros sintomas do romance orquestrado, gerou inclusive um ismo, cujo Bouvard et Pécuchet, foi registrado por Ezra Pound, em seu cronograma da invenção. Mas, quanto a Zola, não faltou mesmo quem, como Lukács, a propósito da comparação de, Nana com Ana Karenina, de Tolstoi, procurasse atribuir-lhe menores méritos no enfoque da realidade ou na sua inserção no tempo do processo social. Injustiça do desenfoque engajado política e filosoficamente e até porque Nana, apesar da maior fama literária (talvez porque o personagem principal seja a prostituta, no século passado ainda um protagonista de choque), é das obras talvez menos expressivas, entre os vinte volumes que compõem a série dos Rougon-Macquart.

Todavia, com relação ao problema da prosa, mormente sob o mirante histórico, o trabalho de Zola assume uma feição importantíssima. É um dos primeiros escritores alistados em um projeto de obra, preconcebido em têrmos estruturais e, ao contrário, do sistema do realismo meramente fabulista (aqui o meramente sem implicar o pejorativo) de Balzac, calcado no método de observação direta. – posição-contradição sine qua non do naturalismo. Em suma, a impessoalidade total do autor; que não comenta e não procura colocar na bôca de personagens-chave a sua visão e entendimento das coisas e eventos do mundo. Essa impostação rigorosa em Zola e também em Maupassant, a acarretar também um máximo de realismo ao nível de linguagem e não apenas da história narrada, descerra uma atitude de vanguarda diante da prosa que, neste século, influenciou fortemente o estilo e as técnicas de um sem-número de escritores. Além disso, marcava-se em Zola o rigor de uma vivência, de uma experiência natural ou intencional, anterior ao livro a ser consumado - tudo dentro de sua especulação estrutural que, na faixa importante, a vintena dos Rougon-Macquart, seguia o fatalismo genético de Claude Bernard na formação dos personagens, suas taras, inclinações, fixações. Em Une Page D'Amour (o seu romance mais "suave”), êle chegou a publicar a árvore genealógica dos Rougon-Macquart. Mathew Josephson, por seu turno, em Zola e seu Tempo, principalmente no caso de L'Assomoir (A Taberna - uma das maiores criações do romance no século passado), demonstrou, reproduzindo inclusive as notas de observação in loco do autor, nos locais e ambiência onde se desenrolaria o livro, o esmero e a perquirição da verdade de todos os detalhes, em função da meta naturalista. Há, portanto, três grandes características em Zola, com referência ao trato com a linguagem. Em primeiro lugar, o impessoalismo, quando o autor, diretamente, não conduz nem forja o "espírito" da obra. Em segundo lugar, o despojamento da língua, não no tocante a efeitos de grandiloqüência imagética ou generosidade em adjetivos (do qual O Crime do Padre Mouret constitui o ápice como exemplo - e tão diferente de O Crime do Padre Amaro, quando o pobre Eça de Queiroz foi injustamente acusado de haver plagiado o escritor francês, já que a única semelhança detectável entre os dois romances é o título e o leit-motiv), porém com relação à funcionalidade do texto adaptado às situações descritas. Em terceiro lugar, não só a mesma linguagem, mas as cenas de choque propiciadas por êle, seja, por exemplo, em L' Assomoir, quando Gervaise trai o marido pela primeira vez, em que êste se afoga nos vômitos da bebedeira e, ela, ao lado, se entrega ao amante, seja na virulência das cenas de prazer sexual ou nas cenas debochadas da personagem denominada de Jesus Cristo, em La Terre,(outra de suas obras máximas), nada tendo a dever, na espécie, à virulência de um Henry Miller ou de um Nelson Rodrigues), seja, enfim, na passagem da imolação daquele comerciante que explorava os mineiros, em Germinal, quando é castrado e o seu órgão genital espetado numa vara e conduzido em holocausto pelas mulheres dos operários (outra das principais peças da tentativa de livro aberto de uma sociedade, como o foi Os Rougon-Macquart).

Seria mais interessante, contudo, a fim de melhor esclarecer o método Zola, invocar o exemplo de outro romance seu, A Conquista de Plassans. O entrecho é simples: a vida modesta, mas sadia e profícua do homem do campo e sua família, que passa a entrar em degenerescência total quando êles vêm a hospedar um padre. Zola quer mostrar a alienação do contato religioso, o aspecto negativo da contaminação mística. Mas, ao contrário dos mots d'esprit de um Anatole France ou da sátira feroz de Eça, não comenta nada, não descreve criticamente as passagens do romance, em suma, não "toma posição" diretamente - quase que documenta uma ficção. Assim, o crescendo do desvario místico da mulher (a decadência que conduz à destruição) vem do livro para o leitor, sem se notar nenhuma interferência adjetiva do escritor a uma realidade que êle desejou focalizar, vamos dizer com lentes neutras.

Talvez ninguém também melhor do que êle, até hoje, soube presentificar a euforia do superconsumo feminino, a alucinação irracional na relação mulher-compras, em Au Bonheur des Dames (O Paraíso das Damas) nome da imensa loja onde sé desenrola a trama. Ou também a euforia no sistema da dinheirocracia, em L'Argent, cujo pano de fundo é a Bôlsa de Valôres, com a épica delirante de Aristides Rougon. Já, em A Obra, a amizade pessoal, a compreensão (também com a carga da experiência pessoal) a respeito da incompreensão do meio, face a um artista que inova, fêz com que o seu Claude traduzisse a tentativa de retratar com a melhor fidelidade possível a luta de Cézanne em seu tempo. E ficou a passagem inesquecível das risadas do homem gordo diante do quadro

Quando Zola chegou a Lourdes, na época dos milagres, a fim de, segundo o seu sistema, observar o fenômeno in loco, alguns representantes do clero já o esperavam a fim de indagar-lhe o que ia dizer em seu livro futuro. Êle respondeu que, simplesmente, iria escrever a respeito do que visse ali. Uma das vertentes radiais da prosa: a imaginação a serviço da realidade, em contraposição à experiência com a realidade a serviço da imaginação. Isso marca tôda uma técnica inaugurada, em têrmos racionalizados e estruturais naquela época e cujo esgotamento, com as variações reiterantes dos escritores de uma geração posterior, seria a outra água do início das crises sucessivas do romance neste século.

Talvez mesmo porque Zola houvesse coberto de tal forma uma área que os seus continuadores se vissem obrigados a inverter os postulados, ou alterá-los, já sob a influência básica de Freud. Mas é a isto que queríamos chegar: êle foi o último dos grandes moicanos a escrever sem ter detomar em conta a revolução de Freud.

Correio da Manhã
07/05/1967

 
G. S. Fraser "The modern writer and his world" - Criterion Books
Jornal do Brasil 18/08/1957

Sophokles – “Women of trachis”
Jornal do Brasil 03/11/1957

Piet Mondrian
Jornal do Brasil 01/12/1957

The Letters Of James Joyce
Jornal do Brasil 12/01/1958

O poema em foco – V / Ezra Pound: Lamento do Guarda da Fronteira
Correio da Manhã 05/10/1958

Erza Pound, crítico
Correio da Manhã 11/04/1959

Uma nova estrutura
Correio da Manhã 31/10/1959

"Revista do Livro", nº 16, Ano IV, dezembro de 1959
Tribuna da Imprensa 13/02/1960

E. E. Cwnmings em Português
Tribuna da Imprensa 04/06/1960

O último livro de Cabral: “Quaderna”
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Correio da Manhã 05/05/1962

Reta, direto e concreto
Correio da Manhã 06/06/1962

A Questão Participante
Correio da Manhã 18/08/1962

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