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Política e literatura - Pound e Maiakóvski

As indagações e os debates se repetem continuamente: saber até que ponto ou saber se existe determinada injunção de ordem ética que exija do escritor uma vivência e uma criação de caráter “participante”- palavra, aliás, hoje em dia, fortemente desgastada para definir bôcas ou obras perfeitamente inúteis, seja por incompetência, seja por oportunismo. A verdade é que boa parte dos críticos literários gasta um certo tempo a desvendar – de palmatória em punho – se determinado escritor é ou não é “participante”. Afinal, o mal se espraia. Não é preciso nem mencionar o primitivismo ortodoxo do realismo socialista soviético. Existem também, por exemplo, os males da chamada crítica sociológica, que, amiúde, analisa tudo de marginal ou secundário em tôrno de uma obra, sem jamais penetrar na essência de um texto literário, ou vislumbrar sua medula. Ou os arbítrios propiciados pelo realismo crítico luckazsiano, que, inclusive, sob idêntico mirante, pretende por exemplo, provar a superioridade de um Tolstoi sôbre um Zola. Burros n’água.
A questão é pantanosa e – dificilmente – poderá gerar um método. O próprio Sartre – quem proporcionou modernamente tôda uma filosofia em volta disso, do engagement – no tocante à poesia, em
Situations II, já teria pretendido libertar o poeta de penetrar na contingência de participar, ao dizer que o mundo dos signos era a prosa e que a poesia permanecia ao lado de pintura, música e escultura. Mesmo, contudo, no terreno da prosa, as contradições são imensas, sejam no correr do tempo de um escritor, onde êle pode mudar de visão inúmeras vêzes, seja no seu espaço, quando as diferenças entre vida e arte são flagrantes.
Voltando ao terreno da poesia, exemplificando as contradições, vamos examinar o caso daqueles dois que talvez sejam os maiores poetas do século: Ezra Pound e Vladimir Maiakovski. Ambos foram intensamente participantes – cantaram a sua época, tentaram inserir a sua poesia num contexto histórico, não foram jamais poetas da gabinete. E são, dentro de uma visada político-ideológica, colocados convencionalmente, o primeiro à direita, o segundo à esquerda. Cada qual numa extremidade; e no entanto, como são parecidos em sua atitude poética e vital. Se, para a esquerda, os Estados Unidos traduzem a sede do capitalismo, está de pé a contradição de Pound haver sempre sido um renegado em sua pátria – os mesmo Estados Unidos. Chamam-no de fascista porque aderiu frontalmente a Mussolini. Em verdade, as suas ingênuas teorias econômicas, aliadas à busca de um paraíso estético perdido, ajudaram-no a cair no fascismo. Mas há também tôda uma biografia de lutas, de intransigências, que explicam o desespêro. Ainda quando jovem professor universitário, espanando o academismo e o môfo cultural, foi quase que escorraçado dos Estados Unidos. Já apátrida, foi para Londres, prestigiou, auxiliou e empresariou grandes nomes da literatura, como Eliot, Joyce ou Hemingway. Mas, em Londres, era tido como inconveniente, era olhado como marginal. Então, foi para a Itália e, em Rapallo, encontrou sua pequena Weimar. Era na realidade, um inimigo do capitalismo, cantou virulentamente contra a usura em seus Cantares – para êle, o dinheiro cheirava mal. A sua aventura mussoliniana foi alienante porque era de certo modo um utopista. Mas um utopista a quem a literatura deve não só a beleza dos seus versos, mas a redescoberta de autores, traduções altamente criativas e a melhor crítica pragmática de que se tem notícia.
Já Maiakóvski é o poeta de esquerda, o poeta da revolução de outubro. Mas também foi perseguido e humilhado em seu País. Fêz a revolução, lutou como homem, como poeta. Mas o futurismo deixara-lhe a marca de vanguarda, de verdadeiro poeta que sabe, como dizia Mallarmé, que a “poesia não é feita com idéias e, sim, com palavras”. Compreendeu Maiakóvski o sentido estrutural da criação, e pronunciou a frase radical, a frase-slogan para qualquer avantgarde séria no mundo: “não há arte revolucionária sem forma revolucionária”. Resultado imediato: a mediocridade apressada tachou-o de formalista. Embora cantasse Lenine, o operário, outubro, o plano qüinqüenal, embora fôsse um dos líricos mais arrebatados em seus poemas de amor, era o “formalista”. O Proletkult (a associação dos escritores proletários na União Soviética), que já continha em si o germe do realismo socialista, não lhe deu tréguas. Foi sendo marginalizado e terminou no suicídio.
Incompreensível para as massas. Maiakóvski reconhecia isto, porque encarava o artista como um produtor, um gerador de novas imagens ou relações sonoras de palavras, que, cedo ou tarde ou indiretamente, acabaria por acender as lâmpadas das casas dos homens do povo. Nesse ponto, é notar como a sua teoria se aproxima daquela de Ezra Pound, com relação aos inventores, isto é, os escritores cuja obra nos confere um nôvo processo. E a invenção é o ponto de maior importância dialética dentro da criação - pra que a estética não seja sinônimo de estática e para que tudo não caia nos “médios modos cômodos” do academismo ou do sucesso promocional. E – incrível como pareça – outra contradição denunciadora do quadradismo crítico, que analisa tudo através do confôrto mental propiciado por jargões ou abstrações: embora Mallarmé fôsse, quase que por excelência, o poeta de gabinete, Maiakóvski, recitando em público, vivendo os acontecimentos, talvez seja também um dos maiores poetas de estirpe mallarmaica.
Lorca fuzilado, com raros versos de guerra. Oswald aqui esquecido, quando foi um dos nossos maiores participantes. Souzândrade soterrado meio século quando viu O Inferno de Wall Street antes do mundo ter conhecimento do Capital, de Marx. Enquanto isso, o esquerdismo poético chinfrim, dentro do sistema capitalista, vai vendendo livros às pauladas. Contradições.
Tudo isso deve levar à conclusão de que, mesmo com Pound ou Maiakóvski, todo escritor (e também todo artista), encarado dentro de seu ofício, antes de ser um político, é sempre primordialmente um humanista. O ludismo encarnado na gratuidade contingente de todo ato criativo, a gratuidade típica daquilo que Susanne Langer define como objeto virtual, em contraposição ao objeto comum, utilitário, materialmente consumível, confuz a uma contribuição basicamente formativa e – daí – humanista. Não foi por menos, aliás, que Jean-Pierre Bedouin, ao examinar a ligação do surrealismo com o partido comunista, endivou fazer ver que o problema básico não era sòmente pôr em xeque uma estrutura econômica, mas, sim, sacudir a própria civilização – a civilização cristã.
Hoje, êsse fenômeno está evidente com a revolução empreendida pela juventude em quase todos os países ocidentis, E se o escritor fôsse exponencialmente um político (ou tivesse encargos éticos obrigatórios atinentes à política) já teria perdido o compasso com o seu espaço-tempo. Para não ficar “out of key with his time” (Pound) é necessário liberdade e – depois – lucidez, para que a liberdade seja essencial. A falta de liberdade matou Maiakóvski e alienou Pound. Mas só as vidas ficaram perdidas. Ficou a arte – “arte longa, vida breve”.

Correio da Manhã
25/09/1966

 
G. S. Fraser "The modern writer and his world" - Criterion Books
Jornal do Brasil 18/08/1957

Sophokles – “Women of trachis”
Jornal do Brasil 03/11/1957

Piet Mondrian
Jornal do Brasil 01/12/1957

The Letters Of James Joyce
Jornal do Brasil 12/01/1958

O poema em foco – V / Ezra Pound: Lamento do Guarda da Fronteira
Correio da Manhã 05/10/1958

Erza Pound, crítico
Correio da Manhã 11/04/1959

Uma nova estrutura
Correio da Manhã 31/10/1959

"Revista do Livro", nº 16, Ano IV, dezembro de 1959
Tribuna da Imprensa 13/02/1960

E. E. Cwnmings em Português
Tribuna da Imprensa 04/06/1960

O último livro de Cabral: “Quaderna”
Tribuna da Imprensa 06/08/1960

Cinema e Literatura
Correio da Manhã 07/10/1961

Um poeta esquecido
Correio da Manhã 24/03/1962

A Grande Tradição Metafísica
Correio da Manhã 05/05/1962

Reta, direto e concreto
Correio da Manhã 06/06/1962

A Questão Participante
Correio da Manhã 18/08/1962

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