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Importância & Processo Estético

O processo estético, examinado através da faixa cronológica, se caracteriza pela transformismo, isto é, estruturas em mutações no campo virtual, ao contrário do processo científico, cuja cronologia de efeitos da criação implica na evolução no terreno material. Não se pode dizer, por exemplo – dados os séculos de distanciamento – que Eliot seja maior poeta do que Petrarca, ou vice-versa, como se pode, sob o crivo do utilitarismo dos bens de consumo, legados pela descoberta científica, dizer que o avião a jato é melhor do que o teco-teco. Mas se inexiste evolução no processo estético, quanto aos seus efeitos catárticos, de estesia ou de instigação ao pensamento, pode-se afirmar que Petrarca, face ao seu tempo, foi mais importante do que Eliot, assim como Santos Dumont é pelo menos tão importante como a equipe que, pela primeira vez, adaptou as turbinas de jato aos aviões.
Ai está um ponto em que se debate dialeticamente a aceitação da obra de arte ou literária em si mesma e a compreensão da sua genealogia formativa dentro do tempo. A aferição da “importância” implica num corte diacrônico através do processo. Ela independe da sensibilidade, tendências emotivas, ideológicas, filosóficas de quem consome estesia. Aqui não se trata dos critérios de valoração subjetivos de primeira instância perceptiva, mas de atestas os inventores (têrmo lançado por Ezra Pound), aquêles que inauguram o uso de novos elementos para o fazer ou, mesmo, reestruturam todo um fazer (seja música, teatro, cinema, poesia, prosa, pintura, arquitetura, dança & etc.).
Tomemos um exemplo, dentro das artes plásticas, no século atual, e vamos cortejar o que representa a obra dos dois maiores pintores: Klee e Mondrian (outros, para o caso, podem preferir Picasso e Klee – é uma opção). (Klee é mais pintor do que Mondrian, no sentido lato de aferição de sua obra, enquanto êste último foi indubitavelmente mais importante pelo que passou a representar o seu despojamento estrutural, não só para a arquitetura, a escultura ou as artes gráficas, paginação, publicidade, etc. A pintura de Klee é até uma pintura de invenção, no detalhe, na riqueza de elementos novos, na libertação da linha em favor de um anedótico muito peculiar, onde, inclusive, a maior originalidade talvez seja aquela de o título ou nome do quadro não traduzir mera etiquêta ou sinal da obra, mas na realidade, um signo que se incorpora ao sistema de signos da informação visual. Em suma, o título de um quadro seu, geralmente, possui a ambivalência, material, de ser sinal, index da obra e virtual, por ser elemento que se integra, embora literariamente, à sua estrutura. Quem aceita Klee, penetra com empatia em seu mundo, encontra a estesia pura, o encantatório ou sumo para o espírito.
Mondrian não nos proporciona nada disso - pelo menos o Mondrian da fase básica, onde o seu nome se firmou. O vangoghismo inicial de Mondrian é outra coisa. A pintura dêle pode ser chamada uma pintura de tese, pois ela encerra uma meditação sôbre a própria razão de ser daquela arte. A rarefação estrutural das côres básicas, do tema básico da pintura, que é o cruzamento da linha horizontal com a linha vertical (“isto significa a vida”) recondicinou todo o o comportamento criativo na vertente racional das artes plásticas. É uma obra de decomposição via reconstrução. Abriu o caminho para muitas coisas ou começou a denunciar, iclusive, o fim da pintura, tomado o quadro como objeto único, de cunho hedonístico. Mondrian talvez fizesse mais falta às artes plásticas do que Paul Klee, porém isto jamais levará a inferir - consumado um corte sincrônico no processo – que é melhor.
Na poesia, dá-se o mesmo. Tomemos o exemplo de Sousândrade, o maior poeta brasileiro do século passado, e João Cabral de Melo Neto, maior poeta brasileiro do século atual. Em matéria de importância, o Sousândrade, do
Inferno de Wall Street, estava pelo menos meio século adiante dos seus contemporâneos, embora – faça-se a ressalva – essa imprtância não foi concreta ao nível do impulso no processo, porque só foi descoberta há alguns anos, por Oliveira Bastos e Augusto e Haroldo de Campos. Aqui, o trabalho de Augusto e Haroldo de Campos, ao reeditarem e analisarem exaustivamente a sua obra, serviu para corrigir, para operar uma espécie de retro-alimentação do processo ideal.
No século atual, João Cabral é o melhor poeta (novamente, uma opção pessoal: alguns poderão preferir Drummond, outros ainda podem ser mais surpreendentes, preferindo Bandeira, ou mesmo Jorge de Lima, como era o caso de Mário Faustino). Mas não se dirá que foi o mais importante, embora a carga de invenção dos seus poemas na técnica no novêlo que se desenrola rigorosamente. Oswald de Andrade, no lance de “despoetizar” o poema, foi mais radical, foi também mais radical em alguns achados sintéticos – embora esteja longe de João Cabral, como capaz de comunicar aquêle algo mais que a poesia (e, não, a Shell) os dá.
Essas distinções são ainda mais intensas no cinema com o seu pouco mais de meio século de vida. De Griffith a Godard, passando por Eisenstein, Hitchcock, Orson Welles, Antonioni e outros, está a linhagem da invenção, da importância (sem querer dizer que, vários filmes dêsses cineastas, em si, deixem de ter a sua validade como espetáculo). De Chaplin a 007, passando pro René Clair, pelos musicais da Metro, pelos westerns, está a linhagem do espetáculo, do cinema em si, dispensada a pesquisa diacrônica.
Mais duas coisas a serem acrescentadas ao assunto. Em primeiro lugar, não deixa de haver, sem dúvida, um critério subjetivo para a fixação do importante – depende da posição em que cada um se coloque a fim de situar o transformismo. Para Mallarmé, por exemplo, Poe era um poeta importante. Para Ezra Pound, nem Poe nem Mallarmé eram importantes, em seu elenco de autores inventivos. Apesar, contudo, da subjetividade de opções pela importância, ela marca uma opção maior que une a todos: a opção crítica e racional vinculada à opção pela forma, em contraposição à opção hedonística ou simplesmente emocional, típica do consumidor ou do crítico impressionista.
Em segundo lugar, fazer notar que mesmo êsses critérios pernamecem condicionados por mutações de infra-estrutura. Assim é que, com o advento da segunda revolução industrial, o processo apresenta modificações mais rápidas das condicionames estruturais do objeto estético, embora nada impeça o fluxo e refluxo acidental. Por isso mesmo, espoucaram tantas vanguardas no século atual. Pois os movimentos de avant-garde significam sempre uma tendência (mais válida ou menos válida, conforme o caso) de destruição de um sistema e/ou de reconstrução. Pode-se mesmo afirmar que o chamado artista sério, hoje em dia, vive numa contingência de vanguarda, ou – pelo menos – tem de se situar em relação a ela. Isso, por seu turno, tumultua a noção de importância no presente, desligada do retrospecto histórico. A própria noção de arte ou a obsessão pela arte torna-se acadêmica e – ai mesmo – vai ficando válida a expressão de Décio Pignatari de que “a arte é um preconceito cultural”. Válida – quer dizer – no sentido de que, liquidada a era do artesanato, fica difícil falarmos em “belas artes” (quando, agora, o belo é o funcional) ou em sete artes (quando a dita sétima, o cinema, já engloba a tôdas as outras e é, por isso, mais importante do que tôdas elas, face à sua riqueza de materiais e o aspecto de comunicações de massas). Quantos textos publicitários, por exemplo, sob o aspecto gráfico ou verbal (ou mesmo cinematográfico) não são melhores do que textos considerados “literários”ou “artísticos”? É só ir ao terra a terra da prática e verficar que um texto da Volkswagen é geralmente dotado de maior informação estética do que os poemas praxis de Mario Chamie, as obras completas de Castro Alves ou José de Alencar, quase todo. Verificar que a capa da edição de um dos Penguim Books, de Françoise Sagan. Ou, enfim, quantos poetas “participantes”, ou consagrados ou já academizados são melhores do que o sambista Noel? Talvez os dedos das mãos sejam suficientes para responder. O maior poeta atual da França é o chansonnier Georges Brassens.
Hoje é importante penetrar nessa realidade (os Beatles são mais importantes do que Villa-Lôbos) para assimilar a desimportância de uma cultura que não mais expressa a realidade. Ou ver que, por causa da polivalência, do princípio da descontinuidade, a literatura barrôca interessa muito mais à época atual do que a clássica, como fonte de formas. É só ver no próprio barroco brasileiro, tão mal conhecido, e que, agora, a edição compilada por Péricles Eugênio da Silva Ramos, para a Melhoramentos, traz um pouco de luz. Lá está o interessante labirinto cúbico, que, aliás, não chega a ser um poema concreto, como julga tolamente um divulgador de livros, Aguinaldo Silva, ao dizer em sua virginidade cerebral que o autor – Ayres de Penhafiel – fêz um poema mais avançado do que os concretos. Perdeu-se, no labirinto da asneira, pois se estivesse informado de alguma coisa saberia que o movimento concreto já divulgou dezenas de poetas pré-concretos, desde o grego Simias de Rhodes, e exatamente para mostrar a tradição de se apreender a palavra também como um dado físico. Por isso, quando em sua jôcobtusidade diz que a barba dos concretistas vai crescer, é preciso ter cuidado para que as suas orelhas não cresçam.
Estabelecer uma tradição da importância, uma linhagem de autores importantes, segundo a tendência de um período, é o trabalho das vanguardas mais sérias. Isso é feito há mais de dez anos pelo movimento concreto em sua faixa de atuação cultural, uma cultura realmente engajada.

Correio da Manhã
16/04/1967

 
G. S. Fraser "The modern writer and his world" - Criterion Books
Jornal do Brasil 18/08/1957

Sophokles – “Women of trachis”
Jornal do Brasil 03/11/1957

Piet Mondrian
Jornal do Brasil 01/12/1957

The Letters Of James Joyce
Jornal do Brasil 12/01/1958

O poema em foco – V / Ezra Pound: Lamento do Guarda da Fronteira
Correio da Manhã 05/10/1958

Erza Pound, crítico
Correio da Manhã 11/04/1959

Uma nova estrutura
Correio da Manhã 31/10/1959

"Revista do Livro", nº 16, Ano IV, dezembro de 1959
Tribuna da Imprensa 13/02/1960

E. E. Cwnmings em Português
Tribuna da Imprensa 04/06/1960

O último livro de Cabral: “Quaderna”
Tribuna da Imprensa 06/08/1960

Cinema e Literatura
Correio da Manhã 07/10/1961

Um poeta esquecido
Correio da Manhã 24/03/1962

A Grande Tradição Metafísica
Correio da Manhã 05/05/1962

Reta, direto e concreto
Correio da Manhã 06/06/1962

A Questão Participante
Correio da Manhã 18/08/1962

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