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Cesariny Poeta de Proa

Não exitamos em afirmar que, depois de Pessoa e Sá Carneiro, Mário Cesariny de Vasconcelos constitui a principal figura da moderna poesia portuguêsa. Há tempos, uma observação aguda de Fausto Cunha já o identificara com algumas constantes do concretismo. Mas não é só isso – a postulação de vanguarda. Antes de chegar à radicalização da sua última fase, Alguns Mitos Maiores Alguns Mitos Menores Propostos à Circulação Pelo Autor, já era o hábil verse-maker (“Como o estar egípcio e mudado/ no salão do navio de espelhos/ como o nunca ter embarcado/ ou só ter embarcado com velhos”), o dono de uma dicção respeitável (“Meu relógio soando de pés nus a quinta hora da noite italiana/ minha cabeça de anéis dolorosos como jacintos prêtos recém-colhidos/ minha criança grande escorregando pelos braços da mãe quando mil candelabros dardejando nas escadas dos palácios anunciavam um corpo delicado e quente”- A Edgar Allan Poe) ou a rarefação do mot juste, da qual serve como exemplo êste peoma-síntese; Colapsos

Tudo está
eternamente
escrito
(Spinosa)

Tudo está
eternamente
em Quito
(Uma Rosa)

Cesariny soube também traduzir a influência, a absorção consciente de Fernando Pessoa, em momentos bem achados que consistem praticamente um prolongamento da obra dêste último: “Pois no que vi/ não ver é que há/ e eu estou ali/ não estando lá”- Vinte Quadras Para um Dadá. E, por falar no dadaísmo, não estêve também o poeta distante da intimidade com algumas especulações dêste movimento de vanguarda, embora o seu estilo, o seu savoir dire tenha melhor se abastecido com a revolução semântica operada, posteriormente, pelo surrealismo. Como um surrealista, tem momentos lapidares: “Verdadeira saudade pernilonga/ o pára-raios pôs-se a esfalfar românticamente o toldo/ de uma máquina de escrever disposta para o amor às quatro/ no interior de um quarto/ que era uma planície redonda semeada de vírgulas violeta/ com um pequeno garfo nas costas/ que era o amanhecer que é uma árvore/ na bôca de uma môsca de veludo rosa”- Autografia. Tal influência do surrealismo é, no seu caso, análoga àquela que permitiu a um Garcia Lorca ou a um Dylan Thomas libertar a fanopéia de um logicismo “realista”e reconstruir uma arquitetura de flashes imagéticos das mais insólitas, mas já sob o domínio de uma ratio sensível, longe do puro automatismo psíquico. Levando às vêzes essa “distorção semântica” quase às mesmas consequências do automatismo, Cesariny se aproveita, no entanto, para lavrar flashes penetrantes, críticos, profundamente satíricos, das contingências de um regime totalitário, onde pensar abertamente constitui uma atitude proscrita. Como exhibit, êste poema instigante:

À hora X, no Café Portugal
à mesa X, é sempre a mesma cena:
uma toupeira ergue a mãozinha e acena…
Dois pica-paus querelam, muito entusiasmados:
que a dita dura dura que não dura
a dita dita dura – dura desdita!
Um pássaro cantor diz que isto assim é pena
e um senhor avestruz engole os ovos estrelados

A rima fácil e o trocadilho óbvio cristalizam um jôgo de ambigüidades alusivas, em contraste com a inserção destoante de nomes de aves que se comportam como homens.
Aliás, na última fase de sua poética, onde um trâmite até certo ponto vinculado às objetivações de Ponge, reside a parte mais intensiva das suas experiências de vanguarda, Cesariny retorna ao mesmo pretexto, agora inteiramente voltado a um atualíssimo problema de texto, quando as distinções entre poesia e prosa já repousam no academicismo:

A CABEÇA DE ARCAIFAZ
(SISMO)

Localização fonética:
a) A cabeça: onde cabe a eça. Popº:
cabe a eça agora!
b) de Arcaifaz (sismo): o ar (que)
cai, faz (produz) sismo. Faz sismo:
o ar cai. Caindo o ar, fica o caifascismo,
o que dá cai, dá sismo, e retira o ar que caiu. Por isso se diz que não há ar onde há alguém que faz sismo, podendo no entanto sufixismar-se o prefixo o que dará a CAIFAZCISMAÇÃO, sublimação da cisma que Caifaz.

O texto acima ergue um problema de codificação, suscitado de modo imperioso pelas modernas teorias da comunicação e informação. É quase, aqui, uma espécie de operação matemática das constantes morfológicas e alusivas de uma equação semântica, descritas discursivamente. Um texto sêco, objetivo, concretizante, no sentido de que as abstrações e o encadeamento sintático estão a serviço de um vazio intencional de referentes que não sejam as próprias palavras em uso: dizer, não dizendo, dizer o indizível (O fascismo).
Nessa fase vanguarda do poeta, existem vários textos instigantes:

“O ALMIRANTEXUGO –
A procurar entre os grandes responsáveis da atual Miséria Humana. Encontrado pelo autor na noite de 14 de dezembro de
1947.
Hèlicereja. Hèlicevado.
Crocodilupa”.

E no poema final, O Homem Mãe, chega a atingir a tôda uma visualização gráfico-espacial desfechada pela poesia concreta. Difícil, aliás, sem um estudo mais acurado de datas, concluir se êle, com relação ao concretismo, é um contemporâneo ou um percursor até então desconhecido. Mas, noutros períodos, encontramo-lo já com preocupações construtivas, algumas das mais interessantes, como o seu Radiograma, ou êste Ditirambo, onde imergiu no processo joyceano por inteiro:

Meu maresperantotòtémico
minha màlanimatògrafurriel
minha noivadiavem serpene
meu èliòtròpolio polar
meu fiambre de sol de roseira
minha musa amiantulipálida
meu lustrefrenado céu grande
minha afiùrora-manhã
minha fôgôécia de estátuas
minha làbiòquimia cerada
minha ponta na terra
meu àrsgrima
meu diamantermita acordado!

E sendo Cesariny um poeta do amor, furiosamente do amor sem a fronteira dos sexos, êste pode ser considerado o seu melhor e mais concentrado poema de amor. E, acima de tudo, o amor da poesia.

Correio da Manhã
13/06/1964

 
G. S. Fraser "The modern writer and his world" - Criterion Books
Jornal do Brasil 18/08/1957

Sophokles – “Women of trachis”
Jornal do Brasil 03/11/1957

Piet Mondrian
Jornal do Brasil 01/12/1957

The Letters Of James Joyce
Jornal do Brasil 12/01/1958

O poema em foco – V / Ezra Pound: Lamento do Guarda da Fronteira
Correio da Manhã 05/10/1958

Erza Pound, crítico
Correio da Manhã 11/04/1959

Uma nova estrutura
Correio da Manhã 31/10/1959

"Revista do Livro", nº 16, Ano IV, dezembro de 1959
Tribuna da Imprensa 13/02/1960

E. E. Cwnmings em Português
Tribuna da Imprensa 04/06/1960

O último livro de Cabral: “Quaderna”
Tribuna da Imprensa 06/08/1960

Cinema e Literatura
Correio da Manhã 07/10/1961

Um poeta esquecido
Correio da Manhã 24/03/1962

A Grande Tradição Metafísica
Correio da Manhã 05/05/1962

Reta, direto e concreto
Correio da Manhã 06/06/1962

A Questão Participante
Correio da Manhã 18/08/1962

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