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Antenas da raça

- Bloodthirsties! Sioux! Ó Modocs!
À White House! Salvai a União,
Dos judeus! do êxodo
Do Gôdo!
Da mais desmoral rebelião!

Imagem-definição de Ezra Pound: "os artistas são as antenas da raça". Marx publicou o primeiro volume do
Capital, em 1867. O segundo e o terceiro só apareceram em 1885 e 1894, depois da morte do seu autor - ambos editados por Engels. Sousândrade publicou o Inferno de Wall Street em 1877; flashes da alucinação capitalista. Mas esse trecho do longo poema O Guesa Errante não representa apenas isso, a sensibilidade para formular a conjuntura econômico-social. Uma avançada noção da técnica de montagem, tão aguda que era como já existisse o cinema. A antena sousandradina é precursora do próprio Pound e seus Cantares: a justaposição de diálogos com trechos de outros autores, com fragmentos em diversas línguas e, paralelamente a Lewis Carrol, as palavras-valise (florchameja, fossilpetrifique).

Por sôbre o fraco a morte esvoaça…
Chicago em chama, em chama Boston,
De amor Hell-Gate é esta frol…
Que John Caracol,
Chuva e sol,
Gil-engendra em gil rouxinol…
Civilização… ão!... Court-Hall!

Em tudo isso, forçoso também notar que a intimidade de Sousândrade com o jornalismo permitiu uma visão acurada dos problemas tipográficos, a técnica de manchetes, aplicadas à poesia. Antes das idênticas preocupações de Mallarmé, que lhe proporcionaram, posteriormente, o salto mais radical com
Un Coup de Dés.
Agora, acaba de ser publicado o volume Re Visão de Sousândrade, com um importante estudo crítico de Augusto e Haroldo de Campos sôbre o "terremoto clandestino" que foi a obra do poeta maranhense. No mesmo livro, temos uma antologia de seus poemas (inclusive o Inferno de Wall Street, seguido de um extenso glosário de tôdas as alusões contidas, pessoas citadas etc.), além de um ensaio de Luiz Costa Lima e um levantamento biobibliográfico de Erthos A. de Souza. Através dêsse livro, básico no sentido de um redimensionamento de nossa história da literatura, poder-se-á comprovar a tremenda ascendência, ao nível internacional, da obra de Sousândrade. Assim como o ainda anônimo Kilkerry foi o maior dos nossos simbolistas (há pouco, Augusto de Campos publicou dois artigos sobre ele), o até então anônimo Sousândrade não mais admitirá que se fale no chamado período do romantismo em nossa literatura, pulando sôbre o seu nome. O exaustivo trabalho de cerca de quarto anos de Haroldo e Augusto de Campos encerra uma contribuição instigante - desossam o gigante demonstrando que, inclusive, como poucos, a dialética vida x arte, desaguava, nele, num só rio corrente.
Podemos nos arriscar a dizer que, melhor também do que o próprio Pound, ele concretizou tomadas de um século de dinheirocracia, de usurocracia. Menos discursive e mais conciso – apesar de furiosamente barroco, apesar de proclamada luta de Pound pelo mot juste - este mesmo mot juste que, em Pound, melhor se traduziu através do Mauberley.
Mas a técnica do maranhense caso não houvesse permanecido relegado ao desconhecimento, seria, em paralelo, contemporânea daquela de Laforgue e Corbière. Provando isso, existem momentos lapidares do próprio Inferno:

- Young-Lady da Quinta Avenida
Celestialmente a flirtar
Na Igreja da Graça…
- Tal caça
Só mata-te almighty dollar

Antenas da raça. Quando, hoje, os poetas soviéticos da última geração, levtuchenko à frente, lutam para romper o cêrco do stalinismo, é só recordar a luta antevisora de Maiakovski, já naquela fase inicial de euforia vitoriosa da revolução de outubro, investindo contra as bitolas que deveriam encaixar os pensamentos do escritor. Aos incultos do Proletkult, respondeu:

No Proletkult não se fala
nem de eu
nem de personalidade
O eu
no Proletkult
é uma leviandade
Para que a psicologia
venha a ser
mais coletiva que a dos futuristas
em lugar do eu
é dizer
nós
Mas a meu ver
no ater-se a um tema de modo mesquinho
pode-se trocar eu por nós
e permanecer no torvelinho.

Mais tarde, Maiakovski haveria de se matar. A maior parte dos biógrafos e exegetas atribuem o suicídio a motivos políticos. Mas, de qualquer forma, hoje, a jovem geração empunha o facho de sua fala. À direita ou à esquerda, o artista não pode ficar atado, pois, antes de ser um político (quando o é - engajado ou "participante"), ele é um humanista - a forma constitui o oposto do rótulo (ou fôrma). Secam as antenas de sua forma mentis, quando submetido a uma fôrma mentis, a uma abstração coatora, seja esta a mais ampla possível, Deus ou o Estado. A motivação, quando ocorre (Deus ou Estado) tem de ser sua, dele, e não, de fora para dentro. Foi assim que engrandeceram Donne ou Eliot, Pound ou Maiakovski. E, assim, continuará essa constante, pelo menos no sistema artesanal, o corpo-a-corpo com a obra. Já, com relação à interferência da revolução industrial, a participação da máquina no processo estético - o trabalho em equipe - com o cinema como exemplo mais vigoroso, o acondicionamento desse problema ganha novas latitudes.
Aliás, essa idéia da atitude humanista é bem apropriada pelo marxista Ernest Fischer, em seu livro A Necessidade da Arte (Von Der Notwendigheit der Kunst). Interpretando o approach de Marx à arte da Grécia antiga, ressalta: "Importa é que Marx encarou a arte condicionada pela época de um estágio social não desenvolvido como um momento de humanidade e reconheceu que, nisto, reside o seu poder de atuar além do momento histórico e de exercer uma eterna fascinação.”
Shakespeare - The Phoenix and the Turtle - foi, pode-se fazer a parabola, anticartesiano antes do próprio Descartes desfechar todo um sistema. E, na estruturação desse poema, até hoje considerado hermético, recorreu à terminologia da lógica e da matemática ("morto o número no amor") a fim de compor uma alegoria da superação da razão. Não só pelo amor, mas pelo ato criativo. Antena da raça. E a contribuição respeitável de Poe. No seu X. - ing a paragrab está como querendo prever o método estatístico de aferição formativa do texto, consagrado pelas modernas teorias da informação. O assunto de feição satírica, já versa, isomorficamente, sobre um problema de tipografia, pois, no momento de imprimir um parágrafo com uma grande frequência da vogal o, não existia esta letra, que, afinal; é substituída por x, ao contrário, inexistente ao longo de todo o original.
Exemplificamos: "So ho, John! how now? Told you so, you know. Don't crow another time, before you're out of the woods!" – “Sx hx, Jxhn! hxw nxw? Txlcl yxu sx; yxu knxw, Dxn't crxw anxther time, befxre yxu're xut xf the wxxds!"
Em 20 palavras, apenas duas, neste princípio de trecho mencionado, não foram modificadas em seu aspecto gráfico. E Poe, no final, concretizando o efeito nos leitores da cidade, provocado pelo texto em x, consuma a descrição e os comentários, trocando sempre os fonemas homófonos de X, pela própria letra em representação maiúscula: X-entric, X-traordinary, x-treme, etc. Assim, como em Sousândrade ou Mallarmé, constitui também a influência das técnicas tipográficas e jornalística no tratamento do texto.
Hoje, certos problemas prático-teóricos estão coroados pelo uso ou pelo consenso geral. Mas, no continuum que é o processo ("a permanência do infinito no finito" - Whitehead) as antenas cunharam aquilo que Pound denomina os pounti luminosi.

Correio da Manhã
11/07/1967

 
G. S. Fraser "The modern writer and his world" - Criterion Books
Jornal do Brasil 18/08/1957

Sophokles – “Women of trachis”
Jornal do Brasil 03/11/1957

Piet Mondrian
Jornal do Brasil 01/12/1957

The Letters Of James Joyce
Jornal do Brasil 12/01/1958

O poema em foco – V / Ezra Pound: Lamento do Guarda da Fronteira
Correio da Manhã 05/10/1958

Erza Pound, crítico
Correio da Manhã 11/04/1959

Uma nova estrutura
Correio da Manhã 31/10/1959

"Revista do Livro", nº 16, Ano IV, dezembro de 1959
Tribuna da Imprensa 13/02/1960

E. E. Cwnmings em Português
Tribuna da Imprensa 04/06/1960

O último livro de Cabral: “Quaderna”
Tribuna da Imprensa 06/08/1960

Cinema e Literatura
Correio da Manhã 07/10/1961

Um poeta esquecido
Correio da Manhã 24/03/1962

A Grande Tradição Metafísica
Correio da Manhã 05/05/1962

Reta, direto e concreto
Correio da Manhã 06/06/1962

A Questão Participante
Correio da Manhã 18/08/1962

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