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Cinema e Literatura

Com o aparecimento de alguns discutidos filmes destas últimas safras, a maioria fruto do movimento da nouvelle vague, reabriu-se, em novas bases, o temário concernente às relações entre a sétima-arte e a literatura.
Antes de uma apreciação objetiva sôbre os fatôres mais recentes a entrar em causa, convém no entanto, efetuar um apanhado das possíveis iliações a se depender da utilização do têrmo “literário”. No caso genérico, a referência abarca aquilo que se entende pela arte da palavra, tôdas as possíveis formas de manifestação da linguagem verbal. Contudo, já num terreno específico, a adjetivação ganha uma carga pejorativa, à força de uma operação metafórica e mencionando produtos de outros campos de especulação. É o excessivo, o antifuncional, a pretensão pseudo-intelectual e, mesmo até, um certo academicismo. Se um quadro é considerado como literário, é porque, em geral, o observador crê haver a intentio opinativa do seu autor prevalecido em demasia sôbre a própria formulação natural dos elementos pictóricos; se um filme sofre a acusação de literário, tal se motiva num excesso de diálogo ou, por exemplo, num critério de efabulação armado de modo muito retórico, a prejudicar o ritmo, ou mesmo, a autenticidade do todo. Êsse método de aferição hoe em dia, embora seja útil, a grosso modo, no tocante do que a uma série de realizações destituídas de maiores ambições do que aquela de, meramente, “contar uma história”, torna-se muito superficial no momento de examinar as fundamentações estruturais de feterminadas peliculas que emergem do marasmo artesanal, usando novos elementos e relações e abrindo diferentes perspectivas. Pois, apesar da aparência literária exterior, denota-se a evidência de um processo diverso à concepção dos antigos diretores clássicos, quando já não se procura, com ou sem um arsenal complexo de efeitos visuais, a descrição adequada da realidade ou simples representação de situações humanas.
O equívoco talvez se justifique pelo próprio fato de alguns dos teóricos delirantes da nouvelle vague terem erguido de antemão, àquela tese da politique des auteurs, onde o conceito de verdadeiro autor das fitas vinculava-se ingênuamente, àquela idéia do tema, de uma aprioristica tendência natural a certos conteúdos. Ora, a história do cinema não registra, e seria incapaz de fazê-lo, nenhum filme revolucionário, graças ao seu argumento. Só se houvesse uma confusão entre revolução e escândalo, a primeira podendo, também, atrair o segundo, mas êste jamais pressupondo forçadamente àquela. O que uma película, como L’Âge D’Or, para citar uma das mais conhecidas, tem de revolucionário (sob um ou outro aspecto) não é, como condição sine qua non, devido à narrativa agressiva de Buñuel, à sua vontade ou não de provocar escândalo e, sim, às associações rítmicas entre as imagens, a sua capacidade expressiva, a sua duração adequada, quando a elaboração, intuitiva ou não, de um processo motovisual confere o necessário vigor à ânsia manifesta de libertação total do indivíduo.
Na própria área da literatura, no poema ou no romance – e vamo-nos deter nesse último, que possui maiores afinidades imediatas com o grosso das produções cinematográficas a rebeldia contra o que era concebido como literário, contra a tentativa de descrever minuciosamente a realidade, já eclodira na primeira parte do século. É só recapitular o desenvolvimento coerente do processo de James Joyce, até chegar ao Finnegans Wake – um romance cujo tema radical é a própria linguagem, que flui como um riocorrente, e que, segundo a observação de Michel Butor, com a sua estrutura circular, pode ser começado a ler a partir de qualquer página, pois principia pela parte final de uma frase, estando a inicial no fim do volume. Ou lembrar John Dos Passos , com a sua técnica muito aproximada a da montagem cinematográfica e empregando, inclusive, manchetes de jornais. Ou então, para não sair daqui, lembrar a obra dos nossos dois maiores romancistas, Guimarães Rosa e Oswald de Andrade, o primeiro, com autêntica estirpe joyceana, especialmente no Grande Sertão: Veredas ou no recente e admirável conto, Meu Tio Iauaretê (tio jaguar), onde tôda uma agenciação morfológica impele os focos alusivos em diferentes perspectivas de formulação e a linguagem entra numa autodialética, mediante as suas valências formativas.

A proposição fundamental de um Finnegans Wake seria a de liquidar com o ciclo artesanal ao romance, obrigando o escritor a encarar novas perspectivas de uma realidade, forjada na conjuntura industrial e com a multiplicidade crescente de novos meios de comunicação. Tôdas as atividades criativas dos artistas de vanguarda vieram, paulatinamente, a cingir-se, no fundo, na meditação a respeito da natureza do próprio ofício, no momento em que a resolução industrial passava a evidênciar, em sua evolução, a menor ascendência de uma atitude puramente individual. A pintura abstrata exemplifica bem isso, na hora em que a máquina fotográfica supre, e com maior precisão, todos os efeitos possíveis da representatividade pictórica, mesmo as distorções superexpressionistas. A opção pela ingenuidade livre cede ao planejamento de conjunto.
Quando se depreende a não causalidade linear, a dissolução de uma concepção hierárquica, a partir ou até o absoluto, dentro dos processos de infra-estrutura, todo um critério de encarar a realidade contingente se abre em outras conjunturas. No campo virtual da obra de arte, o impacto obedece a uma constatação coerente: não adianta forjar efeitos de ordem virtual (de elementos) que já sejam supridos em estágio material. O cinema tornou-se a arte mais poderosa de nosso tempo em virtude de sua formação dentro, já, de um complexo industrial, a solicitar de saída, um trabalho em equipe, reduzindo dràsticamente as crises pessoais de pura “genialidade”. O cinema é, portanto, a forma de expressão mas rica em elementos, por conseguinte, em relações, por ser aquela mais validamente rica em seus materiais.
Contudo, os cineastas mais lúcidos, acompanhando o desenvolvimento das virtualidades formativas da sétima-arte, perceberam, em dado momento, a necessidade de um refôrço de elementos a fim de imprimir maior vitalidade a problemas e soluções no âmbito de reabastecer as concepções de processos atuantes e, ao mesmo tempo, reformular tipos de sintaxe motovisual bastante repisados. Isso presume, agora, em grande parte, os recursos de faixa sonora (compreendendo fala, ruídos e música) até então com uma noção de uso exageradamente arcaica.
Tôda uma estética clássica do cinema se baseava em princípios harmônicos de utilização dos cortes, enquadramento e movimentos de câmara, sendo o diálogo, quando muito um mal necessário, devendo apenas intervir um mínimo a fim de meramente substituir a função dos letreiros da época muda e, não interromper a fuzilaria de efeitos. Mas o diálogo – uma evidência da evolução das próprias condições formativas do filme, não poderia permanecer sòmente numa estéril funcão, exterior à película, de explicar o que algumas imagens mais sutis não conseguiram fazer por elas mesmas. Nem, por outro lado, o mister, êste, sim, “literário” de impulsionar a narrativa, o que ocorre com a grande maioria dos filmes comerciais. A fala, em dois filmes absolutamente antiliterários, como Hiroshima Mon Amour e A Bout de Souffle, entrou com verdadeiros foros de elemento nessas duas proposições estruturais. O que pareceria, ao primeiro relance, demasiado literário, porque os personagens “falam muito”, não o é se nós desligarmos o critério analógico de fundar o preconceito. As palavras se concatenam com todo o decorrer visual e estão numa dialética de funções, na qual um completa e vitaliza o outro, sem que surja o arremate exterior à natureza da obra e simplesmente elucidativo das intenções do autor, com sua “mensagem” no bôlso do colête, e/ou dos personagens. A maior libertação da palavra livou, paradoxalmente o cinema da empostação literária (o têrmo, aqui, no sentido pejorativo). Livrou porque, fitas como as acima mencionadas, ou o recente L’Avventura, de Antonioni, quebraram com um sistema preconceitual – abstratizante – de fundar o processo fílmico, onde o personagem já surgia definido como ser (como em qualquer peça teatral ou romaonce) e o complexo de ações já estava submetido a um método de prévia abstração para extrair um significado do conjunto. Filmes novos, como êsses, já tomam em conta o campo fenomênico, dentro das prórpias virtualidades do seu trabalho de realização, e vinculam-se as solicitações filosóficas da moderna teoria do comportamento, onde o estar fenomenológico dos tipos huanos, diante da câmara, é que propiciará a média de aferição de um contexto entitativo, nunca definido de antemão através da sugestão simbólica para uma série de abstrações convencionais. Se A Bout de Soufle, usando essa nova técnica e transmitindo uma espécie de euforia, liberticida à la Jean Vigo, e L’Avventura, com seu processo de descaramento de qualquer nuance simbolista e erguendo um realismo, mediante a indução pela evidência da imagem e, não, a dedução pre-equacionada, ilustram melhor êsse último aspecto da ênfase sôbre o comportamento, Hiroshima Mon Amour agitou outros problemas e rompeu com qualquer figuração sôbre a his’toria de um filme. A acronologia, indo até ao plano, permitiu um verdadeiro stream of counsciousness no cinema e, jamais, uma dialética formativa motovisual x sonoro impeliu, através da película cinematográfica, as camadas mais profundas do pensamento do espectador. E conseguiu o milagre de ser uma fita, cuja história, cuja moral da fábula, ninguém poderia narrar em têrmos discursivos.

Correio da Manhã
07/10/1961

 
G. S. Fraser "The modern writer and his world" - Criterion Books
Jornal do Brasil 18/08/1957

Sophokles – “Women of trachis”
Jornal do Brasil 03/11/1957

Piet Mondrian
Jornal do Brasil 01/12/1957

The Letters Of James Joyce
Jornal do Brasil 12/01/1958

O poema em foco – V / Ezra Pound: Lamento do Guarda da Fronteira
Correio da Manhã 05/10/1958

Erza Pound, crítico
Correio da Manhã 11/04/1959

Uma nova estrutura
Correio da Manhã 31/10/1959

"Revista do Livro", nº 16, Ano IV, dezembro de 1959
Tribuna da Imprensa 13/02/1960

E. E. Cwnmings em Português
Tribuna da Imprensa 04/06/1960

O último livro de Cabral: “Quaderna”
Tribuna da Imprensa 06/08/1960

Cinema e Literatura
Correio da Manhã 07/10/1961

Um poeta esquecido
Correio da Manhã 24/03/1962

A Grande Tradição Metafísica
Correio da Manhã 05/05/1962

Reta, direto e concreto
Correio da Manhã 06/06/1962

A Questão Participante
Correio da Manhã 18/08/1962

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