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De Mallarmé a Resnais

Mondrian já percebera e preparara a integração das artes visuais (pintura e escultura) num complexo arquitetônico; o que provocou, inclusive, o vaticínio de Herbert Read – Icon and Idea - de que o futuro do artista não seria o doméstico nem o monumental, mas, sim, o ambiental. Tudo isso já vinha implícito na decadência do artesanato individual, em face do desenvolvimento progressivo da Revolução Industrial, quando agora as relações homem-máquina, estudadas a partir do comportamento de cada um, constituem fatores básicos na apreensão de um processo criativo.
Contudo, já muito antes de Mondrian, com o neoplasticismo, e de todos os denominados movimentos de avantgarde: que eclodiram na primeira parte desse século (futurismo, dadaísmo, surrealismo, cubismo, orfismo, letrismo, sonorismo, raionismo, suprematismo, construtivismo, concretivismo etc.) havia um ponto de partida - isolado, porém radical: Mallarmé. É o seu poema "Un coup de dés" (revista Cosmopolis - maio de 1897) o marco principal. Alguns consideravam essa obra como prosa, por motivos ingênuos: não obedecia à estrutura linear do verso. Outros, alimentavam razões mais sutis vinculadas àquelas mesmas idéias de integração totalizante. De qualquer maneira, todos esses termos, como relatividade, simultaneidade, descontinuidade etc., com fácil trânsito nas discussões estético-filosóficas de hoje, encontram em "Un coup de dés" um poderoso foco de instigação. Em linhas gerais: a técnica de manchetes e de "paginação" associada com os métodos de montagem interna, mediante a espacialização, e externa, pelo manuseio de páginas; em paralelo, as variações tipográficas e os brancos do papel, funcionais, em sua distribuição, ao ritmo das palavras e frases e ao movimento entrecruzado de temas e recorrências: as fugas.

Um conto filosófico

Muito tempo antes, em 1869, com o inacabado "Igitur", Mallarmé manifestara a preocupação por uma grande obra de capacidade convergente dos seus elementos temáticos e artesanais. Segundo a opinião de Roland de Renéville, transcrita nas edições Pleiade das obras completas do poeta, o título "Igitur" (advérbio: pois, portanto, então) é tomado do capítulo II do texto latino da Gênese: Igitur perfecti sunt coelli et terra et omnis ornatus eorum. E o substituto - "A Loucura de Elbennon" - tem a última palavra, de origem hebraica, significando o filho dos Elohim, potências criadoras emanadas de Jehovah. O nome da peça já é, pois, sintomático, quanto às intenções do autor, e "Igitur", embora inacabado, pode ser considerado acabado como um processo que se delineia. Lá estão as constantes mallarmaicas - o vazio, o nada, o absoluto, o acaso, o infinito - numa complexa dialética de termos e imagens (essas com algumas características extraídas de Poe ), numa prosa que obedece a uma técnica apurada de cristalizações sonoras - as palavras, umas em contraste com as outras, formando uma cadeia de ecos recíprocos. Há toda uma especulação sobre a memória ("Igitur" volta ao tempo de sua raça) que, atualmente, absorve cineastas e escritores - entre esses, sem falar nos expoentes do nouveau roman, o nosso Guimarães Rosa com o seu espetacular "Nenhum, Nenhuma". E o estilo, com esse rebate de palavras e frases longas, está presente nas pesquisas dos franceses, enquanto o próprio Robbe Grillet, no texto de L'année derniere à Marienbad, muito se aproxima da sintaxe do "Igitur".

Resnais e o castelo da pureza

Quando falamos na integração das artes, forçoso pensar no cinema. A sétima-arte recorre a diversos elementos utilizados pelas outras. A própria classificação de Ezra Pound, da maior importância para a poesia - melopéia (música), fanopéia (imagem) e logopéia (a dança do intelecto entre palavras) - dentro de um critério analógico para constatação, ocorre no cinema, com a sua correlação moto-sonora-visual. Mas, após um período mudo, da farta experimentação e muitos êxitosa montagem de efeito (Eisenstein), o ralenti (impressionismo francês e avant-garde), o acelerado (Sennett e Chaplin), com o máximo de dinâmica interior do quadro, a exasperação de um gráfico visual (Dreyer), a liberação isomórfica, fundoforma, do comportamento (Buõel e Vigo) - o advento da faixa sonora trouxe uma espécie de recuo no processo. O cinema, açambarcando constantes superficiais do teatro e da literatura, ingressou num diapasão conceituai -a imagem subordinada à abstração. Até a chegada de Orson Welles (Cidadão Kane) e a primeira revolução - descontinuidade externa, pelo embaralhamento pirandelliano dos flashbacks e tratamento do diálogo nas estrias de um realismo vinculado à teoria do comportamento. Porém, a constante mallarmaica - num refluir de influências em toda plenitude - foi , só agora, estrutural e mesmo estilisticamente, desaguar no turning-point que representa a obra de Alain Resnais. Esse cineasta invoca, logo de início, e com toda pujança, a dialética radial do cinema moderno: documentário x ficção. E com três elementos básicos de elaboração: o travelling (também as panorâmicas) cujo movimento permanente da abertura e inauguração do espaço rima ritmicamente com o segundo elemento, o narrador off; o terceiro elemento está na distorção de um suposto presente, com outras que, aparentemente, na superfície, lembram o flashback tradicional mas representam recorrências afins àquelas da memória e do chamado subconsciente. Resnais, vivendo noutra época- a relatividade, a cibernética, a fenomenologia - já não visa ao idealismo da razão de Mallarmé; controlar o acaso e atingir o absoluto puro. Aqui, ao contrário do fabuloso "fracasso" do autor de "Un coup de dés", temos a obra de arte aberta, apesar de obedecer a um rigoroso racionalismo ao relacionar os elementos e composta de uma propositada infiltração de acessos, que transformam a concepção clássica do que seja realidade ou "realismo" numa gama de possíveis. Nem se diga tratar-se de um derivativo de tese do automatismo psíquico do surrealismo, mal grado a influência (confessada) de Cocteau e a admiração por Bréton. O racionalismo de Resnais é composto com aqueles paradoxos da impotência de um sistema simétrico de apreensão hierárquica dos valores imanentes do universo e que, já em Shakespeare, num poema importante como "The Phoenix and the Turtle", era observado quando os elementos matemáticos da razão, empregados, par a par, em plena exasperação combinatória, eram destruídos pelo amor e a sua intuição soberana. Por isso, o palácio de Marienbad está em posição perfeitamente análoga ao "castelo da pureza" do desfecho do "Igitur", numa tomada final do filme à la Mondrian, em que, no fundo negro do edifício (o Nada, a negação), vibram afirmativamente os quadrados luminosos (os possíveis da afirmação vital).
Com O Ano Passado em Marienbad, inventou-se a linguagem do cinema - aberta a uma escala dialética de possíveis, em que o tradicional método princípio-meio-fim recebe um golpe de misericórdia. O sonho de Mallarmé inicia sua concretização com o desenvolvimento industrial - a evolução das técnicas e da máquina - e quando a estética se situa não mais a partir do artesanato de expressão, mas num complexo de novos meios de produção em que a opção individual pelo absoluto também se elide integralmente.

Correio da Manhã
07/09/1962

 
G. S. Fraser "The modern writer and his world" - Criterion Books
Jornal do Brasil 18/08/1957

Sophokles – “Women of trachis”
Jornal do Brasil 03/11/1957

Piet Mondrian
Jornal do Brasil 01/12/1957

The Letters Of James Joyce
Jornal do Brasil 12/01/1958

O poema em foco – V / Ezra Pound: Lamento do Guarda da Fronteira
Correio da Manhã 05/10/1958

Erza Pound, crítico
Correio da Manhã 11/04/1959

Uma nova estrutura
Correio da Manhã 31/10/1959

"Revista do Livro", nº 16, Ano IV, dezembro de 1959
Tribuna da Imprensa 13/02/1960

E. E. Cwnmings em Português
Tribuna da Imprensa 04/06/1960

O último livro de Cabral: “Quaderna”
Tribuna da Imprensa 06/08/1960

Cinema e Literatura
Correio da Manhã 07/10/1961

Um poeta esquecido
Correio da Manhã 24/03/1962

A Grande Tradição Metafísica
Correio da Manhã 05/05/1962

Reta, direto e concreto
Correio da Manhã 06/06/1962

A Questão Participante
Correio da Manhã 18/08/1962

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