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Poesia Concreta - síntese teórico-histórica

1) Haroldo de Campos: a poesia concreta visa a ser uma composição de elementos de linguagem, organizados éticoacusticamente no espaço gráfico por fatores de proximidade e semelhança.
2) O poema concreto impõe uma estrutura verbivocovisual (isso é, semântica, sonora e visual, na qual, em termos criativos, os aspectos gráfico-visuais e sonoros podem ter igual ascendência comunicativa ao semântico).
3) A poesia concreta quer colocar em cheque a linguagem discursiva como único meio básico de criação dentro daquilo que ainda é miseravelmente considerado como " literatura".
4) A Segunda Revolução Industrial com a automação, a cibernética, a teoria da informação e os meios modernos mais rápidos de comunicação (telex, telegrama, telefone, rádio, televisão, anúncios luminosos, propaganda etc.) forjaram uma infra-estrutura que recondiciona a criação.
5) Elenco de autores básicos que, segundo os organizadores do movimento, permitiram que uma visão concretista de poesia: a) Mallarmé, com "Un coup de dés" - o problema do acaso aliás uma das questões mais instigantes da ciência, hoje em dia; b) Ezra Pound - com os
Cantos, adaptação da sintaxe analógica da linguagem ideográfica, na montagem dos blocos de versos; c) James Joyce - Finnegans Wake, a palavra-valise, portmanteau (como em Lewis Carroll), microestrutura de um romance circular, no qual o tema principal é a própria linguagem; d) E. E. Cummings: fragmentação do verso, sinestesia expressionista, fisiognomia espacial, com jogo posicional de letras e/ou palavras e mesmo sinais gráfico-gramaticais.
6) Outros autores importantes, a contribuir para uma visão do problema não só da poesia, mas do texto moderno; (poesia e revolução, "não há arte revolucionária sem forma revolucionária"), Apollinaire (Caligramas, "é preciso que a nossa inteligência se habitue a pensar sintético-ideograficamente em vez de analítico-discursivamente"), William Carlos Williams (espacialização, poemas-sínteses), Federico García Lorca, Gerard Manley Hopkins e, muito em especial, a contribuição de outros movimentos de vanguarda nesse século, como dadaísmo, futurismo, surrealismo, letrismo, sonorismo etc., principalmente os dois primeiros. No Brasil, a grande linhagem da invenção sai de Sousândrade e vem, através de 22 (Luís Aranha, Oswald de Andrade, principalmente [o poema-pílula, exemplo "amor/humor"], Mário de Andrade), até João Cabral de Melo Neto, um corpo estranho e superior dentro da geração sonerrosetista de 1945.
7) Em 1952, é publicado o livro Noigandres 1. Em 1954, sai A Luta Corporal, de Ferreira Gullar. Em 1955, Noigandres 2, com os primeiros que podem ser considerados concretos, de autoria de Augusto de Campos. Em 1956, Noigandres 4 – livro - cartaz de poemas concretos, e mais o livro de poemas neoconcretos de Ferreira Gullar e Um e Dois, de José Lino Grünewald: um: verso; dois: concreto. Em 1962, Noigandres 5, antologia do verso à poesia concreta. Em 1962 sai o primeiro número da revista Invenção.
8) Âmbito internacional: em 1953, é editado, na Suíça, o livro Constelações do poeta suíço-boliviano Eugen Gomringer. Hoje existem movimentos na França, Alemanha, Escócia, Inglaterra, Tchecoslováquia, Suíça, Japão etc. [Centro Brasileiro de Estudos Internacionais - Curso de Poesia Brasileira
do Século XX, novembro de 1966].

Função das Vanguardas

Não é preciso estar dotado de grande acuidade para notar que, nesse século de espocar de vanguardas na arte, os melhores críticos, em média, são sempre os próprios criadores e não os oficiantes-especialistas da crítica. Muitos críticos reagem quando o seu arsenal metodológico é perturbado ou sacudido por um novo processo. E - amiúde – surgem com aquela lengalenga letárgica, a alegar que o artista está distante do povo, "incompreensível para as massas" (como se o próprio crítico, mormente aqueles que cultivam o closereading, também não o estivesse).
Saindo para o campo específico da literatura, é só lembrar: Ezra Pound, talvez o maior crítico de poesia do século XX; T. S. Eliot, ele próprio uma descoberta poundiana, que foi o reveiculador da poesia metafísica, um grande analista do teatro elisabetano; Maiakóvski, cujo pequeno tratado Como Fazer Versos constitui peça de alta instigação; e não há como esquecer as páginas de crítica ou teoria de um Fernando Pessoa, um Yaléry, um Cummings, ou - para chegar ao Brasil – um Oswald, um Mário de Andrade, um Manuel Bandeira e os poetas concretos. A tempestade das vanguardas parece que não dá tempo ao enrijecimento de métodos, ou aos sistemas universitários como dispositivo capaz de aferir o novo.
No caso da poesia concreta, o que vem ocorrendo aqui é a repetição do fenômeno. Houve de tudo em matéria de incompreensão, de susto, desde o falecido Olegário Mariano, que denominou-a de "flor da civilização da raiva", até um reviwer; que, há tempos, anunciou a sua morte devido a uma instrução da Sumoc. Claro: problemas da falta de instrução. Exatamente no exterior, o concretismo se alastrou amplamente.
Aqui, também, com referência ao concretismo, surgiu a velha alegação de alienação, distanciamento do povo, do leitor. Outros culpam o cientificismo, como se arte fosse um privilégio de alienação da realidade. Não é preciso muito, já Wordsworth, no seu prefácio às Lyrical Ballads, fazia notar que o poeta estava sempre pronto para seguir os passos do homem de ciência, não apenas em relação aos efeitos gerais indiretos, mas lado a lado, impregnando de sensação os próprios objetos científicos. Da mesma forma, muitos críticos elogiam o arsenal teórico dos poetas concretos, mas condenam os poemas, inclusive por serem "pequenos", "muito curtos".
E Safo, e o haicai? São os pequeninos pânicos, diante das vanguardas. No entanto, um homem como Sartre (na ala esquerda, sempre mais lúcido do que o academismo de um Lukács), durante o Congresso de Escritores de Roma, realizado em 1965, já soube, magistralmente, definir o papel da vanguarda, como nesse trecho que transcrevemos.

Se fosse obrigado a dar as características rigorosas de uma verdadeira vanguarda, eu diria que uma vanguarda real pressupõe que o escritor não se limita a usar a linguagem, mas que ele próprio a cria ao escrever. Criar a linguagem e, não, jogar com ela, criá-la e, nisto, doá-la ao seu país. Esse trabalho de linguagem sobre a linguagem tem, como objetivo, enriquecer a língua, a fim de exprimir uma nova visão do real, visão essa que o escritor partilha com o conjunto de seus compatriotas, mas a qual faltavam palavras para se tornar consciente. Isto faz pressupor um mundo novo e, sem dúvida, caótico. Um escritor de vanguarda encontra-se em dialética com culturas que o contradizem e, então, ele deve, seja libertar-se agressivamente, seja decidir conscientemente de conduzi-las. Essa espécie de escritor não se define mais mediante variações diferenciais e, sim, por verdadeiras contradições. Tem de criar um público. Encontra, diante dele, homens prontos a tomar consciência de sua própria Weltanschauung através das palavras escritas.

Essa, a autêntica luta literária dos fortes. Para os fracos, o pasto do sucesso. E fracos não foram Mallarmé, lecionando inglês, ou com o deboche de alunos escrevendo "azul, azul, azul" (final de um poema seu) no quadro-negro, Maiakóvski, enfrentando o Proletkult, Ezra Pound, desterrado por idéias destemidas, ou Joyce, no autodesterro, inventando a linguagem.
Não se trata de homens fortes em torre de marfim. Mas é necessário ir ao cerne da realidade e, não, dançar em sua superfície, como os versejadores participantes, que lambem o prato da glória dos verdadeiros revolucionários (e claro que não nos referimos ao general Castelo Branco) e dos verdadeiros criadores do passado. E a ida ao cerne da realidade da informação e de seus meios induz, inclusive, a notar, junto com Walter Benjamin, a alienação do objeto único e sua "aura", a notar que o que é válido socialmente é o reproduzível. Porém se a quantidade é qualidade, não é só a quantidade de reproduções que norteia o artista (tal quantidade é apenas condição sine qua non para operar a informação). Hoje, se só é válido o reproduzível correspondente a um mínimo às massas, há que extrair o mínimo múltiplo comum dos fatores de originalidade da matriz, pois muita coisa reproduzível há que representa o tal ópio alienante das massas. É só ligar a televisão. A informação útil sempre pressupõe uma estrutura de contexto original. O mundo tem a sede de surpresa: o comportamento funcionalmente original faz "o grande sujeito", assim como a criação funcionalmente original faz o artista.
O belo é o funcional e a palavra função já encerra uma conotação social. O leitmotiv do belo é o social , venha hoje ou daqui a um século a eclosão, a descoberta pelo público de uma determinada obra. O poeta criador pode dizer: "minhas emoções são coletivas, mas o meu criar não é maciço, massamorfado, pode ser individual ou de equipe, mas tem de forjar estímulos novos". E, mais original seja a informação, surgirá o espaço-tempo de sua assimilação, se ela funciona de fato. Do seu conta-gotas, caem relações morfológicas, românticas, visuais, palavras e palavras, novas, renovadas e a língua será a voz do seu estar. Pois, se o nome não cria o homem, ele discrimina seres e coisas, denota que todos não são iguais.
E o problema - de qualquer forma - não é o de se cogitar uma obra que irá durar cem ou mil anos, se será entendida hoje, amanhã ou somente pelos marcianos. A questão da vanguarda é a de denunciar um repertório superado de signos, que dificulta socialmente o melhor acesso do homem ao objeto, que emperra as relações dinâmicas. A linguagem no campo social, incorporada como peça essencial da conduta, do estar, do comportamento, da percepção do indivíduo, não é um fim em si mesma, é instrumento. Pois seria loucura que um poeta de vanguarda desejasse que os homens abdicassem da língua, da ambiência idiomática, em favor de seu restrito repertório poemático. Há uma função para tudo. E o paradigma do functional é o de que nada é absoluto ou chave mestra da existência. A inter-relação das funções é a ratio estrutural do cosmos.
Há dez anos, o concretismo surgiu na poesia e, assim como outros movimentos - dadaísmo, surrealismo, futurismo - serviu, pelo menos, para denunciar a alienação do discursivo, como base única e fonte do poema. Há dez anos não se vislumbra, no verso, nenhum grande livro lançado. Os ultimo’s poetas do verso foram os próprios concretistas... Isso, Mário Faustino, em 1957, soube demonstrar num artigo que escreveu por ocasião do lançamento da exposição concretista do Rio de Janeiro.
A poesia concreta cumpriu - externamente - essa função. Mas existe uma função interna - a do próprio poema. Esse, logo de início, não se pretende poesia ou arte de expressão, como o poema lírico. Traduz uma espécie de metapoesia ou fragmentos da função da linguagem (não, da língua). Dispensa a comparação entre maior ou menor. Mas essa metapoesia que disseca a linguagem não denota apenas um hedonismo funcionalista. Vai ao cerne dos critérios de economia de comunicação. E se - nele - no poema - tais critérios se encerram na gratuidade essencial do ato criativo, servem para gerar estruturas claras, adotadas pelos meios de comunicação de massas. E – nisso - por si só, a poesia concreta já foi efetivamente participante.

Correio da Manhã
05/02/1967

 
G. S. Fraser "The modern writer and his world" - Criterion Books
Jornal do Brasil 18/08/1957

Sophokles – “Women of trachis”
Jornal do Brasil 03/11/1957

Piet Mondrian
Jornal do Brasil 01/12/1957

The Letters Of James Joyce
Jornal do Brasil 12/01/1958

O poema em foco – V / Ezra Pound: Lamento do Guarda da Fronteira
Correio da Manhã 05/10/1958

Erza Pound, crítico
Correio da Manhã 11/04/1959

Uma nova estrutura
Correio da Manhã 31/10/1959

"Revista do Livro", nº 16, Ano IV, dezembro de 1959
Tribuna da Imprensa 13/02/1960

E. E. Cwnmings em Português
Tribuna da Imprensa 04/06/1960

O último livro de Cabral: “Quaderna”
Tribuna da Imprensa 06/08/1960

Cinema e Literatura
Correio da Manhã 07/10/1961

Um poeta esquecido
Correio da Manhã 24/03/1962

A Grande Tradição Metafísica
Correio da Manhã 05/05/1962

Reta, direto e concreto
Correio da Manhã 06/06/1962

A Questão Participante
Correio da Manhã 18/08/1962

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