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Hans Magnus: poesia e política

Hans Magnus Enzensberger, além de poeta, é um dos ensaístas mais inteligentes, entre os modernos escritores alemães. O seu livro, Einzelheiten, publicado em 1962 (editado, depois de três anos, na França, sob o título Culture ou mise en condition?), lembra bastante a modalidade de enfoque do Mythologies, de Roland Barthes, quando assesta as suas antenas para inúmeros fenômenos do cotidiano burguês, alguns mitos da vida industrializada, além de assuntos mais "clássicos".
Dentre os ensaios de Hans Magnus, destaca-se um pela acuidade com que observa problemas ainda dos mais debatidos hoje em dia, com todos os focos de intolerância, dogmatismo e faccionalismo: "Poesia e Política". Que pretende dizer, demonstrar nesse trabalho? A partir das relações entre uma e outra, fazer notar que a política da linguagem e, não, aquela que submete a linguagem já naturalmente revolucionária do poeta a clichês de qualquer ismo ideológico.
Enzensberger começa o seu estudo reportando-se ao passado mais distante, ao mundo grego: ou a Platão e sua República. Para ele, a questão dos meios de comunicação do poeta constituírem uma razão de Estado ainda é um dos pesadelos ocidentais. Em suma, "o cristianismo, o feudalismo, a monarquia absoluta, o capitalismo, o fascismo, o comunismo adaptaram a doutrina de Platão às suas necessidades". Os poemas mais antigos tentavam perpetuar a lembrança dos deuses e dos heróis. Era a época em que o problema da poesia encarnava-se praticamente no caráter formativo do mito, até porque - no mundo grego - a vida e a arte também se confundiam, não se fazia, inclusive, a distinção entre materialismo e espiritualismo, que o mundo cristão, principalmente, se encarregou de fixar.
A seguir, HM afirma que somente no mundo romano, especialmente com Virgílio e Horácio, o poder da poesia de eternizar aquilo que é perecível emergiu com as suas implicações políticas. Começara a época da retórica e, daí, no mundo cristão, viriam as sucessões de formas como a loa ou o panegírico.
Podemos acrescentar que, na realidade, enquanto, a partir dos trovadores provençais, aquilo que correspondia à idéia de lirismo se intensificava, o poema de louvor aos reis, conquistadores, enfim, aos detentores do poder, prosseguia sua marcha. A questão é fácil de ser explicada. Não era apenas a submissão necessária do poeta aos donos do poder que levava a isso, como no caso de Walther von Vogelweid que, em vinte anos, saudou poeticamente três imperadores. O fato é que a mitologia política não tinha a mesma formação que hoje detém, a partir do desenvolvimento da Revolução Industrial. Se, hoje, o sentimento mítico das massas repousa numa dada pessoa e procura levá-la ao poder, antigamente o mito fixava-se no cargo (isso é, reinado, império etc.), e, em decorrência, quem ocupava o mesmo cargo já ganhava aqueles foros de culto irracional, emocional. Por isso, no cabedal sem fim das peças na base do ofertório,- das quais, inclusive, dada a fundamentação mítica, exalava a autenticidade - não existia normalmente a subcorte bajulatória nem, então, o falso condicionamento ideológico de muitos poetas modernos autonomeados de participantes.
No caso da literatura alemã, Hans Magnus marca até Kleist a fase de existência de sentido no panegírico aos soberanos. Depois, diz, todo poema dessa espécie volta-se contra o seu autor.
Chegando à época atual, mostra a dificuldade do elogio ou da vituperação poética. Mesmo no caso de um autor da estatura de Brecht, em sua opinião, os poemas mais fracos são aqueles contra Hitler ou os que saúdam Stalin ou Lênin. Afirma que "a crítica literária, uma vez transformada em sociologia da literatura, cessa de enxergar o seu objeto e apenas vê o que lhe é exterior..." Da mesma forma, observa agudamente que a crítica marxista sempre retoma os cânones burgueses de julgamento literário, contentando-se simplesmente em mudar-lhes o funcionamento. E por que ligar tanto Marx à crítica literária, quando a literatura lhe era um interesse paralelo e – jamais - a sua especialização? Nota HM que, enquanto Marx e Engels detinham-se no exame do drama de Ferdinand Lassalle, Franz von Sickingen, não disseram sequer uma palavra a respeito da importantíssima obra de Büchner, surgida no mesmo período. Enfim, a seguir mostra no que deu a famosa e deturpadora teoria do realismo de Georg Lukács, que, para prová-la na prática, atirou os pobres Romain Rolland e Theodore Dreiser contra Proust, Joyce, Kafka e Faulkner, sem notar o desafio ridículo, "onde simples peões são colocados em contraposição a reis e rainhas". E prossegue: "Enquanto a sociologia literária ortodoxa ainda pode, com efeito, e mal ou bem, encontrar acesso ao núcleo de um romance ou de um drama, pelos elos da ação, a poesia, de saída, exclui essa modalidade de apreensão". "Nenhum outro acesso lhe é possível, a não ser aquele que atravessa a linguagem em si [ ... ] Por causa disso, Lukács ignora a poesia."
"A poesia e a política" - diz Hans Magnus - "não são domínios e, sim, processos históricos, a primeira se desenrolando na área da linguagem, a segunda na área do poder". "Ambas, igualmente, estão em ligação direta com a História [...] Concebida como sociologia, a crítica literária desconhece ser a linguagem quem funda o caráter social da poesia e, nunca, a sua implicação nas lutas políticas."
O trabalho de Hans Magnus constitui uma das melhores denúncias, em termos dialéticos, da alienação "participante" que não serve, nem à poesia, nem a qualquer revolução autêntica. A burocratização acabou gerando o realismo socialista na União Soviética e - no mundo burguês - só permite algum sucesso de vendas a certos poetastros, que, sem trabalhar com a linguagem, iludem alguns incautos com o seu heroísmo verborrágico.

Correio da Manhã
19/03/1967

 
G. S. Fraser "The modern writer and his world" - Criterion Books
Jornal do Brasil 18/08/1957

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Jornal do Brasil 03/11/1957

Piet Mondrian
Jornal do Brasil 01/12/1957

The Letters Of James Joyce
Jornal do Brasil 12/01/1958

O poema em foco – V / Ezra Pound: Lamento do Guarda da Fronteira
Correio da Manhã 05/10/1958

Erza Pound, crítico
Correio da Manhã 11/04/1959

Uma nova estrutura
Correio da Manhã 31/10/1959

"Revista do Livro", nº 16, Ano IV, dezembro de 1959
Tribuna da Imprensa 13/02/1960

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A Questão Participante
Correio da Manhã 18/08/1962

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