título: A história do ladrão de corpos
autora: Anne Rice
editora: Rocco, 467 págs.
ideia: Vampirismo e homossexualismo são tratados de maneira divertida, numa narrativa rocambolesca e repleta de referências literárias
O tema do vampirismo e satanismo nunca será cansativo. Pelo contrário, pode até ser instigante no despeitar da imaginação erótica, no engendrar o medo e o mistério vinculados a entrechos histórico-culturais e, especialmente, porque dá asas ao humor negro. A história do ladrão de corpos (The tale of the hody thief), com o subtítulo de Crônicas vampirescas, na boa tradução de Aulydes Soares Rodrigues, é mais um romance de Anne Rice, que tem best sellers girando pelo mundo inteiro. Mas, pelas citações e suportes referenciais, trata-se de uma autora de forte formação literária. Entre outras obras de Anne, que nasceu em Nova Orleans e viveu longamente em San Francisco, estão A múmia, O vampiro Lestat e Entrevista com o vampiro.
A história do ladrão de corpos sai com uma epígrafe de, nada mais, nada menos, um grande poema de William Butler Yeats - um dos grandes poetas do século. Trata-se de Sailing to Byzantium, aqui, neste lançamento, mediante a transcrição
da tradução de Paulo Vizioli. Note-se que, à pág. 425, de novo como epígrafe da breve parte II, está outro poema de Yeats, As bonecas, em tradução livre de Aulydes. Essa parte tem um outro título: Uma vez vindo da natureza.
A narrativa na primeira pessoa, e sob o signo fáustico, envolve a relação amorosa entre o vampiro Lestat e David Talbot, que, entre outras coisas, introduziu o seu comparsa no mundo da magia e do esoterismo. Logo, a demonstrar o tonus cultural, temos o delicioso "prefácio" do próprio Lestat para sua autobiografia. Tolstoi é evocado, bem como, a seguir, é feita uma citação sofisticada da personagem de Nobokov, Humbert Humbert - aquele mesmo cavalheiro que se perdeu por Lolita. Também o tigre que ele descreve assemelha-se àquele do imortal
poema de William Blake.
Dada a clave geral, nessa toada segue a história, quando as personagens, vampirizadas ou não, percorrem uma volta ao mundo de fazer inveja a Fitzpatrick ou Julio Veme. É Miami, Londres, Amsterdã, Paris, Veneza, o deserto de Gobi, sem faltar o Brasil. Em dado momento, David vai caçar jaguar na Amazônia. Mas o melhor é que no Rio de Janeiro (por eles tantas vezes visitado) vai ocorrer o desfecho: chegaram para o Carnaval. E logicamente as transas vão continuar. E o livro é isso mesmo: um caleidoscópio palpitante, interessante, divertido.
Mas o vampirismo, o homossexualismo, o candomblé, a magia, Fausto ou o gótico do escritor Lovecraft não impedem que a autora, através de sua personagem, faça, por exemplo, uma breve análise da obra de Rembrandt de fazer inveja a uma boa porção de intérpretes. Está nas páginas 48- 51. É ler para crer.
Revista IstoÉ
08/12/1993