jlg
sobre

  rj  
O poeta pós-tudo - entrevista

Por Julio Carlos Duarte

Em 1987 o crítico, tradutor e poeta José Lino Grünewald se destacou pela publicação de dois livros: a alentada-tradução de Os cantos, de Ezra Pound, e a coletânea Escreviver, composta de 70 poemas de sua autoria escritos entre 1950 e 1985, reunindo produções em verso, poemas concretos e pós-concretos. Voltava-se assim a falar num dos nomes mais importantes de nossa poesia, fundador, na década de 50; do movimento de poesia concreta - hoje é o único carioca amigo dos irmãos Campos - e descobridor, para os brasileiros, dos cineastas Stanley Kubcick e Jean-Luc Godard.
Grünewald entra em 1988 com a corda toda. Ainda este mês, a Nova Fronteira publicacá duas antologias organizadas por ele: Os grandes sonetos de nossa língua, que reúne obras desde os pioneiros Luis de Camões e Sá de Miranda até os renovadores Mario Faustino (com quem colaborou no Suplemento Dominical do JORNAL DO BRASIL) e Jorge de Sena, e Poemas de Bocage, uma seleção de trabalhos daquele que, embora mais conhecido por suas poesias obscenas, foi um - mestre das técnicas de versificação, "o maior metrificador da língua portuguesa", Segundo Olavo Bilac. Nesta entrevista, Grunewald mostra que é uma síntese do intelectual pós-tudo. Detesta rock, ao qual prefere a seresta, o sambão e o sarau, declara:ter trocado seus quadros abstracionistas por figurativos e – supra-suma da mudança - substituído o paideuma concretista pela tradução de poetas ingleses românticos e franceses pré-simbolistas.

Idéias – Bocage, sonetos, traduções de poetas ingleses do século 19... Por que agora esse apego aos clássicos? Aliás, todo mundo tem uma definição de clássico. O Borges tem uma, o Eliot outra...
José Lino Grünewald - "Ah, os clássicos", eles dizem. O Bocage porque é um autor com appeal. Foi uma figura, além de um autor farto. Suas obras completas sem os poemas obscenos, tem mais de 2.500 páginas. Quanto aos sonetos, atraem muito o público, por ser um jogo, como toda arte. De bons conteúdos está cheio o inferno, se na arte valesse a boa intenção, imagina. Mas arte é forma. O resto é literatura. Escolhi os sonetos que causam agrado ao público, "Alma minha gentil que te partiste", com o famoso cacófato camoniano. Eu ponho, não vou contrariar. Depois os sonetos memoráveis; depois os com alguma originalidade. Outros; com expressões famosas, como o verso "um urubu pousou na minha sorte", do Augusto dos Anjos. Já as traduções, são um último esforço criativo. Não digo que o verso tenha acabado, mas é inegável que quantitativamente seja uma coisa superada.


ID - A geração de 45 foi mesmo boa de soneto ?
JLG -
Seu principal poeta nunca cometeu um soneto, o João Cabral. Drummond, sim, tem belos sonetos, Manuel Bandeira, Jorge de Lima, Vinicius de Moraes, excelente sonetista.

ID - Seu poema concreto "Parlamentarismo", de 61, foi premonitório. A premonição vai se repetir, como farsa?
JLG -
"Parlamentarismo caboclo, elefante branco no escuro". Os militares haviam inventado o parlamentarismo para não dar posse ao Jango. Um regime que pode ser dos melhores, mas num país como o Brasil? Era impossível vigorar aquilo. Eu bolei um poema em cuja estrutura se cruzavam duas linhas. Em letras miúdas, um poeta participante vociferando. contra o sistema. Em letras garrafais, um poeta de torre de marfim. Mas no final os dois se fundem. Participante e alienado. E eis agora o poema novamente atual. Nós sempre achamos que o poema concreto se presta mais à participação política, porque dá um impacto. Contra a poesia engajada, que geralmente cai no facilitário, aquilo de ficar repetindo "o operário e a nova aurora… o jangadeiro".

ID - O que você acha da tese relançada por Afonso Romano de Sant’Anna de que a obra de um poeta fascista só pode ser fascista?
JLG -
O que eu acho dessa mania de quem não leu ser contra, fazer gracinha, esse esquerdoidismo? Acho que o Afonso não leu Pound, e se leu, leu pela rama. É claro que Pound foi fascista. Errou como tantos que acreditaram em Hitler e na própria revolução. E esse estruturalismo que acabou com a nossa crítica, o cara faz a crítica sem ler o livro, a crítica da crítica. E agora vem com essa de fascismo. Pound foi mais engajado que Maiakovski, que encontrou um ambiente revolucionário pronto. Pound, não. Lutou contra banqueiros, contra poderosos donos de jornais e toda sorte de aproveitadores. Pound é o poeta mais revolucionário do século.

ID - Você sentiu falta de um aprofundamento maior nas críticas à tradução dos Cantos?
JLG -
Houve muitas resenhas, todas a favor, mas só um crítico, do Estado de São Paulo, fez realmente crítica. A crítica caiu depois do estruturalismo francês. Outro dia, almoçando com o Antônio Houaiss, eu perguntei, "ora Antônio Houaiss, o que é intertexto?" Intertexto: tradução: influências acrescidas de algo mais. Ora, que obviedade. A melhor fase da crítica foi a chamada científica, principalmente a de língua inglesa, objetiva, inteligente. Os formalistas russos, Jakobson, que esteve aqui em casa tiramos fotos juntos. Roland Barthes, Merleau Ponty que o Gullar leu com profundidade. Eu fui uma das primeiras pessoas a ler o Walter Benjamin no Brasil, o que gerou até uma crônica do Carlos Heitor Cony, dizendo que eu desafiava todos os dias o conhecimento bibliográfico do Otto Maria Carpeaux. Walter Benjamim, desconhecidíssimo, e eu pergunto ao Carpeaux, "Conhece?" e ele, "Muito, foi meu amigo!".

ID - Por que o concretismo marginalizou poetas de percurso mais pessoal, como o sr. e o Wladimir Dias-Pino?
JLG -
Não é verdade. O Wladimir deixou o grupo, para fundar o poema-processo. Eu trabalhei muitos anos em redação e não tive muito tempo. O poema concreto, aparentemente fácil, exige um esforço grande. Quando o nosso grupo "Noigandres" acabou, cada um seguiu seu rumo. Mas sempre colaborei com eles em revistas marginais, de pouca repercussão.

ID - Décio, Augusto e Haroldo estão sempre se citando mutuamente...
JLG -
O Décio me cita. Fez o prefácio do meu livro. Todos somos sempre amigos. Eu faço coisas diversas. Tenho um livro engatilhado sobre música popular... Só a velha guarda, né. Que tenho horror a Milton Nascimento, Elis Regina, ambos de ótima voz e péssimo repertório, e tenho horror ao rock. É sambão mesmo, seresta e sarau. Sou poeta concreto mas gosto é de Chico Alves, Orlando Silva, Vicente Celestino, toda a velharia. O Chico Buarque quando fica participante vai pro beleléu. Eu me meto em tudo. No jornal, fui editorialista político, crítico de cinema. Depois do AI-5, escrevia uma história policial por dia, como Sherlock Silva, trabalhei nas sessões de esportes, turfe. De modo que a tal da poesia foi ficando meio de lado.

ID - Há quem o ache a síntese do Nelson Rodrigues com o Pedro Nava.
JLG -
(ri) Bom, eu tenho um livro de memórias engatilhado, de forma desigual, um projeto a longo prazo. Já o Nelson Rodrigues foi um grande amigo. Eu escrevi um artigo sobre a peça O casamento, que havia sido censurada pelo Castelo Branco: "O casamento e a revolução", intitulei, onde eu dizia que aquele casamento era mais revolucionário que a revolução que o perseguia. Ele, com a sua vaidade atômica, colocou o recorte no bolso e foi ao Maracanã. Quando encontrava um amigo comum dizia (imita a voz gutural do Nelson) "Você conhece o José Lino Grunewald?" Nossa amizade foi fulminante. Ele sempre foi um subversivo. E, injustamente, o Mário Sergio Conti, da Veja o chamou de alcaguete. Ele soltou tanta gente da prisão. Soltou o Hélio Pelegrino, o Zuenir Ventura, que ele.conheceu em minha casa, e o Gerardo Melo Mourão. Agora, tinha as idéias dele e irritou muita gente. Detestava o concretismo e me chamava de parnasiano. Um dia ele estava aqui em casa ouvindo música, "A barcarola", dos contos de Hofftnan, "Dime que si", "Donde estás corazón" e uma ária do "Il Trovador'', o repertório que ele gostava. Ai chegou o Paulo Francis e se aproximou para ouvir a ópera. Na época, eles estavam brigados e ele disse (voz gutural) "Paulo Francis, você também gosta de ópera? Que lindo!" Depois ele escreveu em uma crônica, "a arte dramática nos separou, a arte lírica nos uniu".

ID - O João Cabral disse, recentemente, que o Drummond já não era inovador e que não considerava os versos da Adélia Prado poesia. Pound disse que todo grande período literário de poesia é antecedido por um período de grandes tradutores. Na poesia brasileira deste século aconteceu o contrário? Ou ainda há esperanças?
JLG -
Olha, o João Cabral não tem um poema descartável, já o Drummond tem vários e vários. Eu não sei por que toda essa onda, mas Adélia Prado é o déjà vu ao cubo. A Marly de Oliveira, há anos não leio o que ela faz, mas essa moça sabe lidar com as palavras. Mas é assim em todo o lugar. A melhor poesia do século é a inglesa, até a segunda guerra A França do séc. 20 nos deu pouquíssimos poetas. No romance é a mesma coisa. Todo o grande romance brasileiro antecede o Grande Sertão, por sinal, o melhor de todos os tempos, em língua portuguesa. Enfim, com a tecnologia essas formas literárias vão sofrer muito. Não acabaram, sempre vai surgir um bom romance. O José Agripino de Paula tem um ótimo romance, o Pan América, o Jacob Gorender acaba de publicar um ótimo livro sobre a luta armada. Mas o envolvimento do mundo eletrônico desprestigia o artesanal. Talvez a holografia possibilite uma síntese. Eu não entendo nada de holografia, mas veja o cinema. Há 20 anos eu assisti 200l: uma odisséia no espaço, em cinema, e me desencantei com todos aquele cineminha anterior. Com exceção de Chaplin, o maior artista do século, ao contrário de Einsenstein, que ficou museológico. Feito a pintura para a fotografia. O primeiro impacto da fotografia e a pintura foi se levando para a arte abstrata. Eu hoje não gosto de arte abstrata. Tirei todas da parede. Ela é mais uma idéia de pintura. E hoje o figurativismo retomou o seu lugar. Acabou a crise. 

ID - Você vai se candidatar à academia?
JLG -
Isso é gozação do Ivanzinho Cardoso, que entrevistou o João Cabral e disse isso. E o João Cabral disse que eu tenho o voto dele. Disse em tom de blague. De qualquer forma, eu sou muito tímido para efrentar solenidades. Não tenho nada contra, em toda parte tem esse tipo de coisa. Dá status, né?

ID - Você já disse que o Godard é o Pound do cinema, quem é o Chaplin da poesia?
JLG -
Drummond tem um poema sobre o Chaplin, superior ao que o Aragon fez, ao que o Maiakovski fez, que tem aquele belo verso livre "um segredo dito no ouvido de um homem do povo caído na rua", uma imagem belíssima. Em certa parte de sua poesia, Drummond talvez seja o Chaplin do verso.

Jornal do Brasil
09/01/1988

 
Poesia
Estado de Minas 10/09/1961

Eruditos & eruditos
Carlos Heitor Cony Correio da Manhã 28/09/1963

Prelúdio do Zé Lino
Carlos Heitor Cony Folha de S.Paulo 26/05/1965

A contracultura eletrônica
Jacob Klintowitz Tribuna da Imprensa 18/05/1971

Transas, traições, traduções
Carlos Ávila Estado de Minas 02/12/1982

Escreve poemas, traduz Pound, é crítico de arte e é de Copa
Vera Sastre O Globo 03/10/1983

O brilhante esboço do infinito jogo de dados
Nogueira Moutinho Folha de S.Paulo 09/12/1984

Diário das artes e da impensa
Paulo Francis Folha de S.Paulo 12/01/1985

Igitur, um Mallarmé para iniciados
Salete de Almeida Cara Jornal da Tarde 08/03/1985

Grünewald traduz Ezra Pound
Jornal do Brasil 12/03/1985

O grande desafio de traduzir Pound
Sérgio Augusto Folha de S.Paulo 16/03/1985

O presente absoluto das coisas
Décio Pignatari Folha de S.Paulo 06/09/1985

Ezra Pound - entrevista
Gilson Rebello Jornal da Tarde 26/10/1985

Pound, traduzido. Uma façanha ou loucura?
Isa Cambará O Estado de São Paulo 05/12/1986

J. Lino inaugura forma de pagamento
Ângela Pimenta Folha de S.Paulo 07/12/1986

49 registros
 
|< <<   1  2  3   >> >|