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O traidor da poesia - entrevista

Por Mauro Trindade

Essa vida não faz sentido. Ou nós, o que dá no mesmo. O que não quer dizer eliminar o exame direto, a comparação, a concentração. Mas coligir e alinhavar o pensamento de José Lino Grünewald corre os riscos da alta-voltagem da vanguarda mundial, que este concreto traduz com rigor matemático e traição dos poetas. Debaixo de toneladas de erudição e duas ou três doses de uma russa - pode ser nacional - os olhos pequenos vislumbram os bósons e mésons que já se desintegravam sob o “rude Wye", rio errante dos românticos em que ainda lidamos. “Grandes poetas da Língua Inglesa do século XIX" é uma obra portentosa que vem se juntar a outras ''transposições harmônicas" do autor de “Escreviver", como os “Cantos", de Ezra Pound, que lhe valeram um prêmio Jabuti. Na cordilheira de Cantagalo, José Lino Grünewald prepara outra tradução, desta vez dos simbolistas franceses, enquanto arrasa a política, a arte e o país em partículas elementares de energia e razão.

O jornalismo da década de 60 era melhor?
Era mais romântico e ao mesmo tempo mais divertido. Tínhamos uma turma no extinto "Correio da Manhã", que fazia fundos com a "Tribuna da Imprensa". Trabalhei com o Otto Maria Carpeaux, o Paulo Francis... aliás o Zuenir Ventura, com quem também trabalhei na Tribuna, conta errado a prisão do Paulo Francis em seu livro ("1968 - O ano que não terminou")

Errado como?
Ele (Paulo Francis) morava na Barão da Torre, no mesmo edifício que Rubem Braga, e no dia do Ato 5 (Ato Institucional nº 5) o Paulo estava voltando de Amsterdã, depois de uma reportagem que ele tinha ido fazer para a revista Realidade. Ele me ligou e, com aquele jeito dele, aquela empáfia e mau humor foi logo reclamando pô, que merda, a gente sai deste país e quando volta ele tá ainda pior. Venha aqui em casa me contar. Cheguei lá e desentupimos uma garrafa de Black Label com um casal de amigos dele, aquele fotógrafo, o David Drew Zing e uma namorada. Ficamos até de madrugada e quando tava todo mundo cheio de alpiste, o Paulo Francis ficava repetindo horas a fio suas queixas sobre o Brasil. De manhã ele me liga dizendo que estava preso e que era pra eu chamar o Muniz Vianna. Quer dizer, houve um hiato de umas 5 horas.

Como você não foi preso?
Eu escrevia uns artigos violentíssimos. Não sei por que não fui preso. Talvez porque fosse um franco-atirador. Quanto ao "Correio da Manhã", tem um detalhe. No dia do Ato eu era o único redator que estava por lá, quando invadiram a redação. Tava lá batendo a máquina, quando apareceu um negão com uma metralhadora. Teve um cara que deu tiro pro alto, um escrevente que era agente do Dops. Isto tudo no tempo em que eu editava o quarto caderno daquele jornal.

Qual era o critério para as prisões?
Não havia critério. Todo mundo mais antigo do PC ia em cana. O Mário Lago... Essa turma já deixa a mala pronta em casa. Quando chegam é só dar um alô, tudo bem e ir embora. Eles (o Dops) estavam atrás do Artur Poiener, que é um sujeito mansíssimo. Não tinha nada a ver. Um dos grandes problemas deste país é a falta de jogo.

Se refere aos cassinos?
Petrópolis, uma cidade que conheço como a palma da minha mão, teria todos seus problemas resolvidos se o Quitandinha fosse aberto novamente. Daria empregos para garçons, motoristas de táxi, crupiês nem se fala. Além de gerar uma arrecadação fabulosa. Acabariam com as enchentes dragando os rios. Se tivesse jogo, as hortênsias voltariam para Petrópolis. E não ia custar tão caro. O milionário que tem 4, 5 amantes teria só duas ou três.

Você joga?
Bridge, pôquer aberto ou fechado, gosto de jogar. O Helio Fernandes, que é contra o jogo, é bom jogador de pif-paf.

E quanto ao jornalismo atual? Você é a favor da obrigatoriedade do diploma?
Eu acho que isto é um dos maiores absurdos que já ouvi falar. Você não aprende a ser jornalista dentro de uma faculdade. Aprende é trabalhando. É claro que um médico ou um engenheiro precisam aprender alguma coisa na faculdade, como meter a faca... Fiz Direito.

Chegou a exercer?
Fiz uns pareceres. Tive o prazer de estudar quatro anos seguidos com o San Tiago Dantas, que cito neste livro, porque ele dizia que a tradução é um critério de transposição harmônica. Hoje o Direito é só aquela visualização, todo mundo de chinelo e de barba. Tive um professor, que era diretor do jornal "O Imparcial", que bateu todos os recordes de detenção: três vezes no mesmo dia! Ele era preso, ia pro jornal, era preso de novo, já tinha um habeas-corpus pronto, saía e ia em cana de novo. Isto durante o governo de Getúlio. Conheci muito de Getúlio porque minha família era ligada a de Amaral Peixoto, um dos maiores políticos deste país. Ele é muito bom, sabe como é, para colocar algodão entre os cristais...

Getúlio foi seu ditador preferido?
Engraçado, votei nele. Sabia de todas as atrocidades que havia cometido, mas votei. Certas coisas são engraçadas, como esta questão da moratória. Não há moratória, o que tem de haver é a extinção da dívida, porque afinal esta dívida já está mais do que paga. Outro dia saiu uma notícia na Veja que ninguém ainda explorou. O Bulhões de Carvalho, que é um homem respeitado por todos, sejam de direita ou esquerda, disse que é desnecessário demitir para se corrigir o déficit público. Então, como é que fica? Se é o Bulhões que está dizendo. De qualquer forma o Sarney vai demitir. Sou seu amigo. E uma pessoa civilizada, bom, o Sarney é penso, logo hesito. Quem está escrevendo a história às vezes é injusto. Agora este choque da economia não é heterodoxo, é herético.

Qual é a sua opinião desta Era Sarney?
No começo ele estava mais animado, na sombra de Tancredo, que era um político pratrástex, não era nada prafrentex. Acho que ele faria um governo muito pior que o de Sarney. Tancredo era muito bom para fazer discurso à beira de túmulos. Tem que socializar certos meios de produção. Trabalhei anos a fio na montagem cultural do Mobral. Conheço alguns destes problemas de perto.

O Mobral não foi um fracasso?
Fracasso? O erro do Mobral foi querer massificar num país muito grande, como é o Brasil, apesar de ter uma política descentralizadora com conselhos regionais. O Mobral acabou. E hoje? Não, tem mais nada.

E a Fundação Educar?
Educar? Ninguém conhece isso. Tem certas coisas... por exemplo, bem ou mal, por que não deixar um nome, como Mobral, que tem uma certa mística?

Reminiscências religiosas?
Sempre fui ateu. Me lembro que ficava fazendo umas heresias, comia pra burro antes da missa pra não engolir a hóstia. Também dizia que a hóstia era boa, mas com mostarda. Virtude não sei o que é. Desafio ao mais renitente católico a definir o que seja virtude. Sei o que é vício. Vício é vida.

Por que você censurou Walt Whitman?
Eu? Deus me livre! Que coisa horrorosa! Nunca censurei ninguém!

No poema "Uma mulher espera por mim", no nono verso do original está "without shame the man I like knows and avows the delidousness of his sex", enquanto em sua tradução está "sem o pejo da mulher"...
(Lê com atenção os versos do poeta americano) Não tinha reparado. Deus me livre! Foi bom ter visto isso. Me fugiu completamente. Mas quer ver uma coisa? (Traz as cópias xerográficas dos originais do livro) Tá aqui, ó. "Sem o pejo do homem…". Um erro de revisão, mas isto não podia acontecer. Mas, coitados, essa gente também trabalha tanto...

Como pode ser "concreto, porém reacionário"?
Não sou reacionário não, só em música. Tenho 700 discos de Chico Alves, 800 de Gardel. Isto foi uma resposta para uma entrevista pelo telefone, respondi que minha palavra predileta era nenúfar. Foi na hora.

Por que a poesia concreta, da qual você participou, foi tão mal aceita no Brasil?
Não entenderam muito bem. Houve uma época muito boa no "Jornal do Brasil" comigo, o Mario Faustino, o Oliveira Bastos, um dos maiores críticos deste país, o Décio (Pignatari), o Augusto e o Haroldo de Campos, e o Reynaldo Jardim, que você não pode deixar de citar porque era quem mandava na gente e bancava aquela coisa toda. Naquele tempo o JB não era o que é hoje. O que havia muito era anúncio de empregada. A gente estava lá para melhorar. Aliás, fui eu a primeira pessoa a publicar o Mario Faustino, na coluna Poeta Novo. Quem também estava por lá era o Ferreira Gullar, que hoje renega esta fase, mas ele escreveu seus poemas concretos. O Augusto, o Haroldo, o Décio, o Gullar e o Oliveira Bastos é que eram o núcleo mais intelectual do movimento.

Você também chegou a praticar a crítica cinematográfica.
Cheguei a combinar dois projetos com o Glauber Rocha, que acabaram sendo realizados de outra forma. O primeiro era uma versão cinematográfica de "Grande sertão: veredas". Eu escreveria o roteiro e ele dirigiria. Mas o Guimarães Rosa, com aquela sua vaidade, acabou vendendo os direitos para os irmãos Santos Pereira, que fizeram um filme que nem o pior diretor do mundo faria igual. O Avancini não, ele fez um belo trabalho.

E o outro projeto?
Era um falso documentário sobre Chico Alves, que serviria para mostrar o desenvolvimento do país. A história tinha bons lances, como sua trágica morte, num acidente automobilístico em Pindamonhangaba. Gosto muito de Glauber, principalmente de "Deus e o Diabo na Terra do Sol", o melhor de todos os seus filmes.

Ainda frequenta os cinemas?
Prefiro ver cinema na tevê. Os vários filmes que já apareceram têm um ar déjá-vu. Assisti mais de cinco vezes a "Vertigo", mas já não é a mesma coisa. Gosto muito de Chaplin, o maior artista do século, não só em cinema, como em todas as artes. E dizem que ele era um artista espontâneo, o que é uma besteira. Em "Luzes da cidade", aquela cena em que ele sai da limusine e encontra a moça cega, foi refeita 270 vezes. ''2001, uma odisséia no espaço" foi o maior filme de todos os tempos.

Quanto aos poetas ingleses do século XIX, quais foram seus critérios de seleção?
Bem, primeiro escolhi os que eu gosto. Depois, os que poderiam ser traduzidos. Há algumas sonoridades na língua inglesa que são intraduzíveis para o português, como em certos poemas de Poe. Depois, há poemas que já tiveram diversas traduções. Tentei traduzir "O corvo”, mas tive dificuldades em decidir se mantinha a palavra "umbrais", ao contrário de certa tradução, que usa "portais". Mas como tudo se passa num escritório e portal é coisa de palácio, deixei pra lá e escolhi outros poemas. Isso era forçar demais a traição da tradução.

Tribuna da Imprensa
24/01/1989

 
Poesia
Estado de Minas 10/09/1961

Eruditos & eruditos
Carlos Heitor Cony Correio da Manhã 28/09/1963

Prelúdio do Zé Lino
Carlos Heitor Cony Folha de S.Paulo 26/05/1965

A contracultura eletrônica
Jacob Klintowitz Tribuna da Imprensa 18/05/1971

Transas, traições, traduções
Carlos Ávila Estado de Minas 02/12/1982

Escreve poemas, traduz Pound, é crítico de arte e é de Copa
Vera Sastre O Globo 03/10/1983

O brilhante esboço do infinito jogo de dados
Nogueira Moutinho Folha de S.Paulo 09/12/1984

Diário das artes e da impensa
Paulo Francis Folha de S.Paulo 12/01/1985

Igitur, um Mallarmé para iniciados
Salete de Almeida Cara Jornal da Tarde 08/03/1985

Grünewald traduz Ezra Pound
Jornal do Brasil 12/03/1985

O grande desafio de traduzir Pound
Sérgio Augusto Folha de S.Paulo 16/03/1985

O presente absoluto das coisas
Décio Pignatari Folha de S.Paulo 06/09/1985

Ezra Pound - entrevista
Gilson Rebello Jornal da Tarde 26/10/1985

Pound, traduzido. Uma façanha ou loucura?
Isa Cambará O Estado de São Paulo 05/12/1986

J. Lino inaugura forma de pagamento
Ângela Pimenta Folha de S.Paulo 07/12/1986

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