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Ezra Pound: Um sucesso atormentado

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Em menos de dois meses “Os cantos” chegam à segunda edição e recolocam as polêmicas sobre a vida do poeta

Em se tratando de Brasil, a primeira edição de um livro de poesias esgotar-se em menos de dois meses é um feito memorável. Mais ainda quando este livro, com 837 páginas da mais tortuosa e difícil leitura, é de um poeta pouco ou quase nada identificável com o consumidor médio, um poeta que mesmo nos chamados círculos acadêmicos é envolto em nebulosa polêmica que ora o festeja, ora o atira entre os fascistas notórios, ora o condena ao limbo dos insanos.
Lançada no final de dezembro, em tradução de José Lino Grünewald, a primeira edição de 5 mil exemplares de Os cantos, de Ezra Pound, está esgotada e a Editora Nova Fronteira já anuncia uma segunda tiragem de 3 mil exemplares (mil deles em edição especial, com capa dura). O interesse do leitor nasce, em grande parte, desta aura de polêmica que acompanha Ezra Pound, que nasceu em 1885 em Idaho, nos Estados Unidos, e morreu em 1972 em Veneza, depois de uma longa internação, de 1946 a 1958, para "tratamento psiquiátrico" no Hospital Santa Elizabeth, em Washington. Acusado de fascisca (apoiou publicamente Benito Mussolini) e de antisemita, e embora autor de confusas teses econômicas e de política internacional, a convivência maior de Ezra Pound foi sempre a poesia. Ele gostava de lembrar que uma de suas avós mantinha correspondência, em versos, com o presidente do banco de sua cidade. "Isso era tido como natural", diz Pound, que, já aos cinco anos de idade, ouvia de sua mãe a leitura de clássicos durante a sesta e prometia, desde então, tornar-se "o maior poeta de todos". Se não o foi, não lhe faltou empenho. Os cantos, longo poema iniciado aos dezenove anos, em 1904, consumiram toda a sua vida, uma vida que se notabilizou pelo incentivo que ofereceu a outros talentos de sua geração, como James Joyce, T. S. Eliot e Ernest Hemingway, viabilizando a edição de suas primeiras obras. T. S. Eliot escreveu, a respeito do amigo e mestre, que "Pound sempre compreendeu a poesia admiravelmente, mais que aos homens".
Quando a morte chegou, em 1º de novembro de 1972, Ezra Pound ainda trabalhava nos versos de Os cantos. Hoje, eles são um caminho (possível?) para a compreensão da obra do poeta e, mais do que ela, da vida de um homem atormentado que um dia, internado ainda no Hospital Santa Elizabeth, imaginou mudar-se para o Brasil.
Madrugadas com Pound – em 1957, Ezra Pound chegou a escrever para os irmãos Augusto e Haroldo de Campos, poetas concretistas, mostrando-se interessado em vir lecionar no Brasil. Mas foi para a Europa e, ao chegar na Itália, ainda na baía de Nápoles, seu primeiro gesto foi fazer uma saudação nazista. Acabou sendo pela poesia que Pound entrou no Brasil, através de tradutores pioneiros, como os próprios irmãos Campos, Décio Pignatari, Mario Faustino e o também poeta concretista José Lino Grünewald, responsável pela tradução completa deste Os cantos. Durante um ano e sete meses, varando madrugadas numa mesa redonda perto da janela de seu apartamento na Rua Gastão Bahiana (ladeira que liga a Lagoa Rodrigo de Freitas ao bairro de Copacabana), Grünewald foi traduzindo em linha reta, sem pular nenhum dos 120 cantos e seus mais de mil versos.
Para ele, Pound não foi o maior, "mas o mais importante poeta do século XX, apesar de todas as contradições". Tradutor de Igitur, ou a loucura de Elbehnon, de Mallarmé, Grünewald está se preparando para executar outros projetos: uma antologia de Bocage (as obras completas do poeta português Manuel Maria Barbosa du Bocage têm mais de 2 mil páginas), além das antologias de Sonetos da língua portuguesa, de Sá de Miranda a Mário Faustino, dos poetas ingleses e outra da poesia francesa, pré e pós-simbolismo. Ainda este ano deve lançar mais um livro de poesias, Escreviver, "uma parte em verso, outra parte em poemas concretos". Traduzir Pound foi, para Grünewald, um trabalho pesado, resultado de um convívio de trinta anos com a obra do poeta. "Aprendo muito da história Americana lendo Os cantos, um livro difícil. Mesmo alguns cantos que eu já havia traduzido anteriormente foram revistos, já que fui do primeiro ao último, seguindo a própria ordem do escritor.''
Aula de vida - Grünewald fez a primeira tradução de Ezra Pound em 1958, do Canto XVII, publicada num tablóide da Tribuna da Imprensa. "As dificuldades em traduzi-lo estão à espreita em cada esquina dos versos", afirma. Mas isso não o perturba. O fundamental, que acredita ter conseguido através da leitura de Ezra Pound e seu Os cantos, foi o seu próprio ritmo de vida. "Trato e gosto de todos os assuntos. Tenho interesse pela vida e Os cantos é de tudo, trata de tudo, começando com a tradução de um trecho do Canto XI da Odisséia de Homero, relatos burocráticos dos séculos XV e XVI e a história da China de 2 mil anos antes de Cristo. É uma obra que não tem nada com a linearidade.''
O concretismo no Brasil está fazendo trinta anos, e José Lino Grünewald acha interessante que ele continue provocando polêmicas e discussões. O que Ezra Pound tem a ver com isto? Sendo Pound um poeta cultuado pelos concretistas, tudo leva a crer que será difícil dissociar, no Brasil, a grande obra do americano do trabalho dos poetas do concreto. "Mas nós temos Mallarmé, Joyce, Oswald de Andrade, João Cabral de Mello Neto. Pound não aceitava a poesia concreta", afirma seu tradutor, para quem nem a ideologia política do poeta pesa contra sua obra. "Pound era anticristão e anticapitalista. Em Os cantos, Jesus Cristo não fez nenhuma ponta e só aparece em dado momento para ser criticado. O anti-semitismo dele existia, mas Pound era mesmo contra a usura, escrevendo inclusive dois cantos sobre este tema. Quanto ao ser fascista'', afirma Grünewald, "Dom Hélder Câmara e Alceu Amoroso Lima também o foram, em determinada época."

Revista Visão
11/03/1987

 
Poesia
Estado de Minas 10/09/1961

Eruditos & eruditos
Carlos Heitor Cony Correio da Manhã 28/09/1963

Prelúdio do Zé Lino
Carlos Heitor Cony Folha de S.Paulo 26/05/1965

A contracultura eletrônica
Jacob Klintowitz Tribuna da Imprensa 18/05/1971

Transas, traições, traduções
Carlos Ávila Estado de Minas 02/12/1982

Escreve poemas, traduz Pound, é crítico de arte e é de Copa
Vera Sastre O Globo 03/10/1983

O brilhante esboço do infinito jogo de dados
Nogueira Moutinho Folha de S.Paulo 09/12/1984

Diário das artes e da impensa
Paulo Francis Folha de S.Paulo 12/01/1985

Igitur, um Mallarmé para iniciados
Salete de Almeida Cara Jornal da Tarde 08/03/1985

Grünewald traduz Ezra Pound
Jornal do Brasil 12/03/1985

O grande desafio de traduzir Pound
Sérgio Augusto Folha de S.Paulo 16/03/1985

O presente absoluto das coisas
Décio Pignatari Folha de S.Paulo 06/09/1985

Ezra Pound - entrevista
Gilson Rebello Jornal da Tarde 26/10/1985

Pound, traduzido. Uma façanha ou loucura?
Isa Cambará O Estado de São Paulo 05/12/1986

J. Lino inaugura forma de pagamento
Ângela Pimenta Folha de S.Paulo 07/12/1986

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