As interferências de um ex-Sherlock da Silve na arte nacional
Geralmente reconhecido como tradutor de Cantos de Ezra Pound, José Lino Grunewald é membro honorário do jornalismo cultural do pais e tem cadeira cativa entre os poetas concretistas. Faz parte de um seleto grupo de intelectuais que inclui nomes como Mário Faustino, Reinaldo Jardim, Ferreira Gullar, entre outros, lançadores e lançados pelo famoso suplemento dominical do Jornal do Brasil. Foi editorialista politico da época áurea do Colreio da Manhã, onde ainda dividia seu tempo entre críticas de cinema e a autoria de minicontos, sob o sugestivo pseudônimo de Sherlock da Silva.
Em entrevista à TRIBUNA BIS, José Lino Gruneeald conta o início do revolucionário suplemento, que abriu as portas para um novo tratamento da informação cultural, e se configurou no primeiro caderno que se ocupou de todas as manifestações artísticas. Fala também sobre seu encontro com a poesia concreta e, claro, a tradução de Cantos.
Como foi o começo do suplemento dominical do Jornal do Brasil?
O Reinaldo Jardim ia dirigir um suplemento cheio de velharias, extremamente acadêmico, e resolveu renová-lo. Ele convidou o Mário Faustino, que era um rapaz muito inteligente, culto e belo poeta, para fazer uma página de poesia. Essa página comportava traduções de poemas, textos teóricos e observações criticas sobre livros.
E você chegou lá como crítico de cinema ou poeta?
Na fase inicial se lançavam poetas novos. E a primeira que o Mário publicou fui eu. Um soneto, O Albatroz. Era até um soneto em decassílabo, meio de pé quebrado, que ele gostava muito.
Logo, em paralelo, ele me levou ao Reinaldo Jardim e nessa reunião entre os três e, logo depois continuando a conversa com o Mário, nasceu o SDJB (suplemento dominical do Jornal do Brasil). Inclusive, em um artigo recente sobre o suplemento, o Reinaldo Jardim esqueceu de citar o Mário Faustino, que foi o cabeça.
Depois de apresentado ao Reinaldo, publiquei meu primeiro artigo sobre cinema. Uma ou duas semanas após sair O albatroz, não me lembro direito. Era um artigo sobre a dupla de Sica e Zavattini (N. de R. Vittorio e Cesare, diretor e roteirista italianos), a partir do Umberto D.
Você foi um dos fundadores do movimento concretista, cujo núcleo morava em São Paulo. Como aconteceu essa fórmula "explosiva"?
Eu aderi ao movimento logo no início, mas não o formulei. O movimento foi formulado pelo Augusto e o Harold o de Campos, além do Ronaldo Azeredo. Eles lançaram a poesia concreta juntos com o Gullar, que passou a fazer parte do grupo. Mas em São Paulo não houve a repercussão que aconteceu aqui no Rio. Foi uma explosão (N.da R.: o movimento foi lançado em dezembro de 1956, em exposição realizada no Museu de Arte Moderna de São Paulo. Meses depois, a exposição transferiu-se para o Rio de Janeiro, no MEC).
Por que o seu trabalho é mais divulgado no exterior do que no Brasil?
Desde 58 que nosso trabalho começou a ser publicado no exterior, Eu até era muito mais conhecido como poeta lá fora do que no Brasil. De fato o movimento teve muita repercussão. E é até fácil explicar, porque quando chegou à fase, que eu chamo de Idade de Ouro, chegamos à projeção de uma função, onde o relacionamento das palavras entre si, semântico, visual e sonoro, no mesmo plano, forjou uma terceira dimensão não denotada especificamente e que seria o significado do poema. E esse significado não tinha nada a ver com o aspecto subjetivo, se você estava alegre, enraivecido, não. Então o poema concreto era facilmente entendido internacionalmente. Não se mexia com os molejos da língua, dava-se uma chave vocabular e pronto.
O Décio Pignatari é uma presença constante em teus livros...
Publiquei meu primeiro livro de poemas, "1 e 2", em 1958 , e a capa é do Décio Pignatari. Depois, mais recentemente, publiquei o Escreviver e o prefácio é do Décio. Aliás eu acho que ele é o maior poeta de nossa geração. Drummond, Cabral e Décio Pignatari.
Quando você iniciou a tradução dos Cantos?
A primeira tradução que fiz do Pound foi para a TRIBUNA DA IMPRENSA, quando o Sérgio Lacerda era o editor. Foi o Canto XVII.
Por volta de 1982 ou 83, fui convidado para traduzir todos os Cantos. No começo ainda houve uma discussão sobre se as traduções anteriores de Augusto, Haroldo e do Décio seriam aproveitadas, mas o Sebastião Lacerda preferiu que eu traduzisse tudo de novo. De qualquer maneira foi bom. Demorei um ano e oito meses para terminar.
Tribuna da Imprensa
15/02/1992