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A atualidade do soneto, segundo um poeta concreto

Por Amador Ribeiro Neto

José Lino Grünewald está trabalhando (e publicando) invejavelmente. Sorte dos leitores de poesia. Sorte de todos nós.
No final de 86 apareceu com a tradução completa de
Os Cantos, de Ezra Pound: “O maior esforço traducional/tradicional que se realizou no Brasil neste século” – nas palavras do exigente Décio Pignatati.
Em 87, com Escreviver, antologiou sua poesia cobrindo uma lacuna de anos. Resultou daí um livro de extrema importância, como tivemos a oportunidade de observar em breve resenha aqui no Jornal da Tarde.
Agora, com a publicação de Grandes Sonetos da Nossa Língua (Nova Fronteira, 203 p.), José Lino, sem pré-conceitos e munido de aguda sensibilidade poética, nos apresenta o soneto, a forma clássica de poesia, que Dante e Petrarca imortalizaram.
Aos que associam essa poesia às cinzeladas coaxantes dos parnasianos, sempre em busca do refinamento marmóreo da flor do Lácio, é bom lembrar que nem só de sambódromo vive o fevereiro da poesia brasileira.
É certo que a obsessão preciosística dos parnasianos levou a poesia a caretices monstruosas: o “fazer poético perfeito” asfixiou muito da poesia de então. Mas como nem tudo é saparia no parnasianismo, José Lino nos brinda com belos poemas de Bilac e de Alberto de Oliveira. Grata revelação. Revelação que se redobra nos sonetos de Drummond, Fernando Pessoa, Sá-Carneiro, Kilkerry, entre outros.
Pesquisa. Sensibilidade. Atrevimento. Maestria de José Lino.

É isso: soneto não é o outro nome de marretação. A prova está em gente que, revolucionando formas, construiu sonetos. Sem hesitação. Sem crise de consciência literária. Na maior. Quem? Mallarmé, por ex., que virou de pernas pro ar a mesa da poesia com o seu Lance de Dados, foi um exímio sonetista. Outros? Verlaine, Rimbaud, Laforgue, Keats, Shakespeare, Camões, Sá de Miranda. Sem falar dos brasileiros Gregório de Matos, Pedro Kilkerry, Manuel Bandeira, Mário Faustino.
Sabendo que o soneto não é perola nem brucutu, mas uma forma possível de poesia entre outras, José Lino selecionou grandes sonetos feitos em língua portuguesa. Atenção: grandes sonetos não querem dizer os melhores, necessariamente. É bom frisar.
A seleção, sempre subjetiva, obedece a certos parâmetros que o organizador esclarece na Introdução 1. sonetos consagrados pelo público; 2. sonetos consagrados pela critica; 3. sonetos inventivos; 4. sonetos metalingüísticos; 5. sonetos que se imortalizaram por um verso, por uma expressão; 6. sonetos obscenos.
O organizador é o primeiro a deixar claro que “esta antologia está vulnerável à crítica sobre omissões ou exageros”. Sabe-se que, por mais que se queira, mas mais que seja vanguarda ou clássico, impossível agradas a gregos e baianos (no delicioso trocadilho de José Paulo Paes). Assim, sua antologia coloca poesia e polêmica em circulação. O que é salutar num pais de muito barulho e raras idéias.
O livro de José Lino possui muitos méritos e alguns senões. Vejamos.
Os méritos vão por conta das surpresas dos reencontros, das descobertas. É uma delícia identificar, por ex., o titulo de um livro de Augusto de Campos, de 1951, entre os versos de Sá de Miranda: O sol por natural.
É mais que gratificantes sentir saltar aos nossos olhos uma nova leitura para o belíssimo “Sete anos de pastor Jacó servia”, de Camões. Um poeta tão maltratado pelos professores de versificação que acabam espantando os alunos ao “esgotarem” o soneto no levantamento métrico, rítmico, rímico.
No embalo da nova leitura, o soneto de Camões dialoga com “Esses mares que vejo, essas areias”, de Francisco Manuel de Melo. Que bom! Mas o Camões de tantos deleites, surpresas e associações ainda lustra o ego narcísico do resenhista ao proclamar: “transforma-se o amador na cousa amada” (...)
Por quais caminhos embrenha-se uma antologia de poesia? Quem há de saber?
Uma antologia é mesmo uma caixa de surpresas. Diogo Bernardes, brilhante puro da poesia portuguesa, com “Soneto 82” faz-se irmão gêmeo da “Fragilidade Humana”, de Gregório de Matos. A ausência de “Fragilidade” é um senão da antologia. O soneto, por si belíssimo, faz parte também do cancioneiro popular: Paulo Weinberger musicou-o e a genial Maricene Costa incumbiu-se de gravá-lo com ousadia e garra.
Por falar em MPB, outro soneto de Gregório, o “À cidade da Bahia”, na versão “Triste Bahia”, de Caetano Veloso, também está fora desta seleção. Poderíamos anotar a falta como outro senão, não fosse a grandiosidade da obra de Gregório e a sua presença inconteste através de cinco sonetos impecáveis.
Novo momento de satisfação é topar com o Bocage contrito e debochado, sempre nos remetendo ao Aretino, cujos Sonetos Luxurioso foram traduzidos com picante sensua(sibi)lidade por José Paulo Paes. Muito Bom. E a vertente satírico-erótica escorre pela veia de alguns clérigos: D. Tomás de Noronha, Sóror Violante do Céu etc. (Cacilda! – para não dizer Santa Bárbara!)
Machado de Assis também está presente. Sua inclusão é oportuna para se repensar o autos de D. Casmurro como poeta – procedimento pouco usual e que recentemente Ivan Teixeira enfatizou em lançamento da editora Martins Fontes. Vale a pena conferir.
Muitos outros sonetistas rolam nesta memorável antologia. Raimundo Correia e suas pombas convivem com a penas do viver de Vicente de Carvalho. Cruz e Sousa aparece sensual em “Lésbia” e forma que tem algo a mais a mostra alem das formas alvas da antífonas... (Falta o “Rir” que o Leminski associou tão bem ao “Encantação pelo Riso” do Khlébnikov).


Mas há Alberto Guerra Duval com um soneto fassbinderiano: pasmem! Além de Jorge de Sena, Mário Cesariny de Vasconcelos, Jorge de Lima, Vinícius de Moraes, Cassiano Ricardo, Cecília Meireles, Mário de Andrade, Haroldo de Campos, Augusto dos Anjos etc.
Faz falta à antologia um soneto inventivo e metalingüístico de Glauco Mattoso, sonetista impagável e bissexto da geração de 70. Algo como “Bilacomonia”, de 77, publicado na segunda folha do Jornal Dobrabil e mais tarde republicado em Memórias de um pueteiro (Ed. Trote, Rio de Janeiro, 1982). O soneto é de uma modernidade marshalbermeniana para ninguém botar defeito. Aqui Glauco toma as palavras iniciais de todos os versos de um soneto de Bilac e associa-as às palavras finais de um soneto de Camões. O resultado é, no mínimo, hilariante, intersemiótico, poético pacaetano. Glauco Mattoso faz falta.
Se a não inclusão de um ou outro soneto ou poeta assinalados pelo resenhista podem ser vistos como comentários previsíveis pelo organizador, a não indicação de ados biobibliográgicos mínimos de cada poeta citado constitui falta imperdoável.
Organizador e editores tem a responsabilidade de situar, ainda que em pinceladas, os poetas e os poemas antologiados. Essa falta de critérios editoriais é um desleixo que nos coloca lado a lado com os mais precários mercados editoriais do mundo. Chega de sermos campeões da incompetência. Eis um senão facilmente sanável em nova edição ou futuras publicações do gênero. Quem ganha com isso são os leitores e a editoração brasileira.
Uma bela antologia não pode pousar em nossas mãos como um objeto (quase) não identificado.

Jornal da Tarde
13/02/1988

 
Poesia
Estado de Minas 10/09/1961

Eruditos & eruditos
Carlos Heitor Cony Correio da Manhã 28/09/1963

Prelúdio do Zé Lino
Carlos Heitor Cony Folha de S.Paulo 26/05/1965

A contracultura eletrônica
Jacob Klintowitz Tribuna da Imprensa 18/05/1971

Transas, traições, traduções
Carlos Ávila Estado de Minas 02/12/1982

Escreve poemas, traduz Pound, é crítico de arte e é de Copa
Vera Sastre O Globo 03/10/1983

O brilhante esboço do infinito jogo de dados
Nogueira Moutinho Folha de S.Paulo 09/12/1984

Diário das artes e da impensa
Paulo Francis Folha de S.Paulo 12/01/1985

Igitur, um Mallarmé para iniciados
Salete de Almeida Cara Jornal da Tarde 08/03/1985

Grünewald traduz Ezra Pound
Jornal do Brasil 12/03/1985

O grande desafio de traduzir Pound
Sérgio Augusto Folha de S.Paulo 16/03/1985

O presente absoluto das coisas
Décio Pignatari Folha de S.Paulo 06/09/1985

Ezra Pound - entrevista
Gilson Rebello Jornal da Tarde 26/10/1985

Pound, traduzido. Uma façanha ou loucura?
Isa Cambará O Estado de São Paulo 05/12/1986

J. Lino inaugura forma de pagamento
Ângela Pimenta Folha de S.Paulo 07/12/1986

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