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Contatos imediatos com o infinito da poesia

Por Julio Carlos Duarte

José Lino Grunewald acaba de publicar sua autobiografia. Trata-se de um simples ideograma formado pelas letras das palavras Lar/Bar, que se encontra no álbum gráfico Atlas, lançado esta semana. Ainda estão por vir suas memórias, de narrativa mais longa, que, segundo o autor, deverão chamar-se Relato de Porre. Semana que vem chegam às livrarias suas traduções dos Grandes Poetas da Língua Inglesa do Século XIX, enquanto conclui a dos franceses do mesmo século. São partes do seu trabalho, na Nova Fronteira, de divulgação poética, do qual fazem parte as antologias Os Grandes Sonetos da Nossa Língua e Poemas de Bocage, lançadas no início do ano. Quem acha que são antologias estranhas para um poeta concretista não conhece os prazeres de cinéfilo do organizador, que não troca o pior Chaplin pelo melhor Einsenstein. Nesta entrevista, o tradutor dos Cantos, de Ezra Pound, ex-grupo Noigandres, poeta de Escreviver e excepcional crítico de cinema, fala de suas recentes traduções, de discos voadores, e diz que a poesia está esgotada.

Caderno 2 - Quais foram os seus critérios de seleção para esta antologia de poesia inglesa do século XIX?
José Lino Grunewald -
Bom, procurei seguir o desenvolvimento histórico, que se deu em duas fases, a do romantismo e a dos pré-rafaelitas, escola que pregava uma espécie de conceito de pureza das coisas. De Coleridge, um primeiro romântico, traduzi o Kubla Khan, que é a abertura do Cidadão Kane, do Orson Welles. Traduzi também O Falcão, do Hopkins, o poeta mais radical em termos de linguagem. Com esse queimei as pestanas para conseguir uma transcrição, como diz o Haroldo de Campos.

Caderno 2 - São traduções criativas, sempre?
Grunewald
- Eu prefiro trair um detalhe tematicamente a trair uma estrutura. Na antologia que estou preparando sobre a poesia francesa do século XIX, num soneto de Mallarmé eu traduzo hiver (inverno) por adverso, porque sei que, para o próprio Mallarmé, hiver era um ponta semântico, para falarmos em termos de cinema. Se o importante é manter a linha de formulação do poema, por que ser fiel ao tatibitati?

Caderno 2 - Entre a exuberância barroca de Hopkins e a suprema concissão de Emily Dickinson, o que lhe deu mais dor de cabeça?
Grunewald -
Bom, depende. Tem dois poemas do Hopkins, Acordo e Sinto A Queda Escura e Céu: Enseada, que traduzo consciente que não são os mais importantes dele. Esses trabalhos têm um problema. Eu não vou me sentar assim, ao bel-prazer, só por amor à arte, e ficar traduzindo um poema. Quando traduzi o Igtur, do Mallarmé, um texto longo, que eu achava fabuloso, com milhões de referências filosóficas, estéticas, que tanto pode ser um texto filosófico, um poema ou um conto, fui fazendo e depois de anos remexendo, remexendo, publiquei. Mas esses poemas têm um prazo. O dos Contos, do Pound, foi de um ano e oito meses. Eu estava pensando em traduzir o poema do Wordsworth, que tem a célebre frase do filme do Elia Kazan, Splendor ln The Grass (Clamor do Sexo). Um poema enorme e todo rimado. Mas eu ia gastar dois meses para fazer um trabalho ao menos decente. Quanto à Emily Dickinson, ela é uma poetisa de grande concisão, uma grande estrutura para achar, mas os poemas dela são curtos. Não são fáceis, mas não são um trabalho braçal.

Caderno 2 - Em A Filosofia do Amor, do Shelley, há uma série de rimas em "ar", que correspondem ao som do original earth/ worth. De qualquer modo, "ar" não é uma rima pobre em português?
GrunewaId -
Foi a melhor solução. Eu evito a rima em "ão", que é facilitária e não soa bem. Eu evitei deliberadamente os poemas que exigissem tempo. Não dava, por exemplo, para traduzir o Don Juan, do Byron, um poema enorme. Achei curioso traduzir aquelas estrofes, à moda de Camões, porque o Byron era um leitor de Camões.

Caderno 2 - Você recorreu ao Camões para traduzir?
Grunewald -
Usei o meu ouvido camoniano, inclusive estou pensando em fazer uma edição para a Nova Fronteira com a lírica de Camões. Tem essas coisas. Eu expliquei no prefácio que excluí O Corvo, do Pound, pela quantidade de traduções que já existe em português, a do Fernando Pessoa, a do Machado de Assis, que é inferior. Fica limitado. Never More tem que ser, necessariamente, "nunca mais". Para rimar, você deve usar "umbrais". Tem um tradutor aí que usou "portais", mas transportou a cena de um quarto para uma sala, para justificar a palavra. Mesmo assim sala não tem portal, sala tem porta. Eu acho traição válida, mas, nesse caso, o sujeito lá na sala...

Caderno 2 - Assim como você considera a poesia inglesa do século XX como a melhor do século, o romantismo inglês é o mais representantivo?
Grunewald -
O romantismo começou com os alemães, o Shiller, o Goethe, uma grande linhagem. Mas os ingleses, enquanto românticos, são muito superiores aos franceses tipo Victor Hugo, Lamartine. Só há uma coisa curiosa, o Georges-Maurice de Guerin, que estou traduzindo dos franceses, tem um poema em prosa que é o primeiro em prosa do romantismo. A poesia inglesa do período não tem. O poema em prosa está nos franceses do século passado. Muitos só ouviram falar do Lautreamont, mas Rimbaud, Baudelaire, Mallarmé, todos fizeram. Os românticos ingleses são bem superiores, o Wordsworth, o Coleridge, o Blake, sem falar no Keats. Eu e o José Maria Carpeaux ficávamos brincando, no Correio da Manhã, sobre quem foi o maior poeta da língua inglesa. Eu dizia que era o Browning. O Carpeaux retrucava, "discordo, José Lino, o Robert Browning era o mais original, mas o maior era um John, o John Keats".

Caderno 2 - Não há o perigo de o público confundir Romantismo Inglês com Romantismo Brasileiro?
Grunewald -
O nosso foi muito fraco. Tinha uma..., para usar uma palavra ainda em moda, uma proposta... muito bonita, "onde canta o sabiá"... "as aves que aqui gorjeiam não gorjeiam como lá" e tudo. Fraco. O próprio panorama da literatura era muito fraco. Souzândrade é um caso fora do expediente. Um homem que antes de Karl Marx publicou O Capital fez um poema para a Bolsa de Nova York! Mas não era um romântico, nem nacional, nem internacional. O parnasianismo pelo menos tinha um trabalho com a linguagem.

Caderno 2 - Você falou em parnasianismo, o Nelson Rodrigues chamava você carinhosamente de "parnasiano". Você concordava?
Grunewald -
Eu dizia que era concretista, e o Nelson, "não, você é um parnasiano". Como era o Nelson, que era muito meu amigo, aceitava. Mas enfim, no fundo, o que gostava era disso.

Caderno 2- Traduzir o Nelson para outra língua deve ser difícil. De uma certa forma, você associa o Nelson a esse tipo de coisa, a esse trabalho com a linguagem?
Grunewald -
O Nelson é um cara difícil de traduzir, mas não é isso.

Caderno 2- Outros críticos concordam que você nunca foi sinceramente concretista; você na verdade, passeia por diferentes dicções poéticas, numa síntese de opostos. Isso lembra o taoísmo. Você tem um lado assim, oriental?
Grunewald -
Não, não. Eu sou ateu, mas não sou materialista; há uma diferença e o final de 2001, do Kubrick, explica isto. Não sou taoísta. Meu Deus é o processo, não o progresso. Vou pela frase de Einstein: a permanência do infinito nas coisas finitas. A religião é uma espécie de verdade coletiva.

Caderno 2 - Você acredita no inconsciente coletivo, de Jung?
Grunewald -
Eu discordo do Jung quanto ao ataque dele contra os discos voadores. Para mim, é batata que existem. As pessoas que em geral vêem discos voadores exercem profissões nas quais se necessita ser no mínimo equilibrado: chofer de caminhão, vigia noturno, não é propriamente o Geraldinho Carneiro. Eu até vi um uma vez e não perdi o sono por causa disso.

Caderno 2 - Foi um contato de primeiro, segundo ou terceiro grau?
Grunewald -
Ah, de quinto grau. Eu estava saindo do Jockey Club em 1952 - era um dia de céu claro, fim de tarde, o céu azul esmaecido, sem uma nuvem, e o pessoal apontando para cima. Eu olhei com o binóculo e vi uma forma redonda, maciça, toda estriada, como se fosse a parte debaixo de um balão. Mas não era um balão de sonda, não era lua, não era história da carochinha. E aquele negócio num relance sumiu. O Jung foi contra dizendo que aquilo era um tipo de religiosidade. Aí discordo, quer dizer, quem sou eu... Mas toda visão mística, religiosa ela se concretiza em formas icônicas, em figuração, e não em formas abstratas. Eles não vão adorar uma bola, um círculo. Mas a imagem do Buda, do Diabo, que é mais divertido que Jesus Cristo.

Caderno 2 - Você está escrevendo a sua autobiografia, Relato de Porre?
Grunewald -
Ah, não, isso é uma brincadeira, mas isso aí é um diário. Caso escreva, o título será esse, que é muito engraçado.

Caderno 2 - O Antonio Candido diz que a novela é o futuro da literatura brasileira, você concorda?
Grunewald -
Pode ser. A Gabriela na televisão é melhor que o livro. Agora o Vale Tudo eu vejo todo dia. Um amontoado de inverossimilhanças, mas tem alguma coisa que me atrai, a Raquel, a Maria de Fátima, e fulano e Odete, Roitman. Eu não levo a sério, mas é melhor que sair de casa para ver filme húngaro premiado. Hoje anúncio de calcinha tem todos os planos de Novelle Vague.

Caderno 2 - Que idéias você forneceu à Globo quando foi "assessor de idéias" deles?
Grunewald -
Eu, o Décio Pignatari e o José Rubens Fonseca fomos assessores do Avancini por um curto período. Foi há uns sete ou oito anos. Julio Medaglia também participava. O Avancini queria mudar alguma coisa, porque normalmente o telespectador mais simplório, a chamada galera, só apreende a narrativa em campo e contracampo, qualquer profundidade de campo pega. Ele queria mudar mas não afugentar o cara. Tem gente que adora o close-up, a cara da Maitê, a da Vera Fischer.

Caderno 2 - Mas não houve linha evolutiva nas novelas. Houve Gabriela, uma ou outra, mas não uma linha.
Grunewald -
Em certas novelas se podia ousar mais também, porque havia menos concessões, não havia um público tão grande. Hoje, na média, é muito melhor.

Caderno 2 - O Borges tem um conto que fala de dois teólogos que viviam se acusando de hereges. Tempos depois alguém resolveu perguntar pra Deus qual dos dois estava certo. Deus se espanta e diz "Mas eram dois?". Será que com as vanguardas brasileiras vai acontecer a mesma coisa?
Grunewald -
Eu faço traduções, porque é difícil fazer um poema novo. Eu não acho mais sentido, está tudo esgotado. O movimento de poesia concreta, por mais que fiquem brigando, falando mal, tem hoje antologias publicadas em todo o mundo. Ela, elevou a discussão ao nível da linguagem, você pode explicar a estrutura para um estrangeiro, dispensa a gesticulação do idioma.

Caderno 2 - Hoje há um movimento chamado Poesia Visual. Você acha que ele se sustenta como um salto evolutivo em relação ao Concretismo?
Grunewald -
Não acredito. Eles querem reduzir o poema ao bidimensional.

Caderno 2 - E a música popular? O Augusto de Campos tem um livro fundamental sobre a Bossa nova.
Grunewald -
Ah, não gosto, não sei o que estou ouvindo, e as letras são chatas. O Arnaldo Antunes veio me trazer um livro, o Atlas, em que colaboro com um poema chamado Autobiografia, onde se lê Bar/Lar. Eu disse pro Arnaldo, “contra o rock eu ponho o sarau".

Caderno 2 - O presidente Jose Sarney, em seu aniversário, ganhou os Cantos, sua tradução de 87, de presente, e disse que não largou até acabar. Você também o admira, como Jorge Amado?
Grunewald -
Deram o livro pro Sarney, o que posso fazer? Eu acho ótimo que ele esteja com os Cantos. Ele ao menos é um presidente civilizado.

Caderno 2 - É verdade que o Rui Castro já foi poeta concreto?
Grunewald -
Claro, secreta e inconfessavelmente. Eu o conheci assim, me enviando poemas concretos.

Caderno 2 - O Zuenir Ventura também frequentava a sua casa.
Grunewald -
Ele conheceu o Nelson Rodrigues aqui em casa, que depois o tirou da prisão. O Nelson depois me ligou e disse (imita a voz do Nelson Rodrigues): “José Lino Grunewald, tirei aquele seu amigo da prisão, o tal do Zuenir. Ele é perigoso?” Eu disse: “Nelson, esse aí joga bomba em creche”, e o Nelson, “Meu Deus! Meu Deus!”, e eu rapidamente, “brincadeira, brincadeira!”

Participaram da entrevista Pedro Ivo Jr.e e Antônio Tinoco

O Estado de S. Paulo
17/12/1988

 
Poesia
Estado de Minas 10/09/1961

Eruditos & eruditos
Carlos Heitor Cony Correio da Manhã 28/09/1963

Prelúdio do Zé Lino
Carlos Heitor Cony Folha de S.Paulo 26/05/1965

A contracultura eletrônica
Jacob Klintowitz Tribuna da Imprensa 18/05/1971

Transas, traições, traduções
Carlos Ávila Estado de Minas 02/12/1982

Escreve poemas, traduz Pound, é crítico de arte e é de Copa
Vera Sastre O Globo 03/10/1983

O brilhante esboço do infinito jogo de dados
Nogueira Moutinho Folha de S.Paulo 09/12/1984

Diário das artes e da impensa
Paulo Francis Folha de S.Paulo 12/01/1985

Igitur, um Mallarmé para iniciados
Salete de Almeida Cara Jornal da Tarde 08/03/1985

Grünewald traduz Ezra Pound
Jornal do Brasil 12/03/1985

O grande desafio de traduzir Pound
Sérgio Augusto Folha de S.Paulo 16/03/1985

O presente absoluto das coisas
Décio Pignatari Folha de S.Paulo 06/09/1985

Ezra Pound - entrevista
Gilson Rebello Jornal da Tarde 26/10/1985

Pound, traduzido. Uma façanha ou loucura?
Isa Cambará O Estado de São Paulo 05/12/1986

J. Lino inaugura forma de pagamento
Ângela Pimenta Folha de S.Paulo 07/12/1986

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