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Signo Pignatari

“A dança do intelecto”, diante das imagens cintilantes do video.

Signagem da Televisão reúne todos os escritos de Décio Pignatari publicados pelo Jornal da Tarde, de 1978 a 1980, sobre "o mais poderoso meio de vida indireto do nosso tempo". Por José Lino Grunewald.

Comum é uma palavra reiterantemente e retrorreverberante comum. Desde a britânica e lídima Câmara dos Comuns até tudo o que é de todos ou da maioria, está aí o prosaico vocábulo. Prefixo de muitas construções verbais: há, p. exp., o comungante, o comunheiro, o comunicante, a comunidade, o comunismo, o comunicólogo. Esta última palavra já brotou com um certo vício, sob aquele "banho de ironia" (Drummond). Isto porque os nossos facilitários conferiram ao estudo e à meditação sobre o fenômeno da comunicação, uma generalização que faria fremir um acácio de pedra. Mas a comunicação, tirante os facilitantes da epidérmica empatia, exige estudo, pensamento e uma creche ou ringue de idéias. Enfim, estamos na era da TV, da "aldeia global" (cf. McLuhan).
Décio Pignatari não é simplesmente um "comunicólogo", um professor (extraindo-se desta palavra toda carga pejorativa gerada pelo alienante sistema regular de ensino, que é o Gabinete do Dr. Celigeri). Além do ser um dos intelectuais mais criativos de nossa geração, Décio Pignatari, de início, já se configura como um dos maiores poetas brasileiros aparecidos. A Poesia como o fazer, inventar, não apenas versos, como foi quase insuperável numa certa fase da década de 50, porém como o ato incessante de despachar bólidos semióticos para o gáudio da surpresa e da perplexidade, que nunca descansar.
No ato de criar ou de formular, DP nunca brincou em serviço fosse até polêmico e até contra si mesmo, e autocrítica, à falta de interlocutores em certos momentos. Aliás, quanto às contradições, podemos mesmo reinvocar Walt Whitman: "Eu me contradigo? Então sou imenso, contenho multidões".
Inovador da nossa última fase do verso ("desconfio da metáfora", já dizia por volta de 1951), forjou alguns dos principais punti luminosi da poesia concreta (movimentos que lançou juntamente com Augusto de Campos, Haroldo de Campos e Ronaldo Azeredo): poemas como Life, Terra, Organismo, Mallarmé Vietcong ou D. Quimorte. Até hoje, permanece essencialmente poeta, mas os seus rastros pelo comum andam cintilantes.
Agora, temos aí Signagem (mais uma expressão de elaboração do autor). Signa· gem da Televisão é o nome do livro. São todos os seus escritos publicados aqui, no Jornal da Tarde, entre outubro de 1978 e abril de 1980. Como se verá, Décio é incomum no trato do comum, mas, em sendo novo (não de noviço ou de novato), é obrigado a observar, analisar redundâncias. São as tais fatalidades que nos impõem as molduras das pinturas ou aquele "gancho" da realidade já consumida, a fim de projetar o inédito.
Signagem é uma consequência do que já havia publicado em outros livros, onde o calidoscópio de idéias e de referências já instigava o leitor a navegar no difícil. Todo grande poeta foi inicialmente hermético em seu tempo - a saudável e refrigerada torre de marfim -, caso contrário sequer mereceria o adjetivo (grande). Conferem Mallarmé, Rimbaud, John Donne e outros cavalheiros bem dispostos a fazer aquelas trivelas como verbo.
Desde 1968, com Informação, Linguagem, Comunicação, com Contracomunicação, em 1971, ou Semiótica e Literatura, em 1974, já estava plantado o germe de suas visões sobre televisão. No primeiro livro citado, abordava a contradição cine x TV ou a desatualização dos sistemas de ensino com muitos professores mais defasados do que os alunos em matéria de informação ou seja, Norbert Wiener, o pai da cibernética: "Viver efetivamente é viver com a informação adequada". No segundo, lá estavam o espectro de McLuhan e as considerações a respeito do lançamento da TV-Cultura. No terceiro, lá estava a epígrafe de Paul Valéry: "Toute connaissance est, aujourd'hui, nécessairement une connaissance comparée". Isto é TV. Nesse mesmo livro registrava que já ocorria uma queda de 9 milhões de ingressos nos cinemas em relação ao ano precedente.
Signagem da Televisão, com os interregnos de outras teorizações, "num mim de minuto" (Rosa), concretiza o pôr na prática das idéias em ação, em torno do objeto, ou seja, novelas, telejornais, programas de auditório, transmissões esportivas, "especiais", estrutura de programações etc & etc. Aí começa “a dança do intelecto" entre as motivações audiovisuais. Diz o autor: "Televisão é o mais poderoso meio de vida indireto em nosso tempo".
E lá vem a análise dos signos. Torna-se necessário lembrar que Décio foi o primeiro entre nós a levanter as consequências da semiótica, principalmente a do mestre Charles Sanders Peirce e, em paralelo, a precursora de Edgar Allan Poe: cf. O Corvo, A Queda da Casa de Usher, O Retrato Oval, etc & etc. Por isso, a palavra-título de seu livro de agora substitui a palavra linguagem.
O que aparentemente, em Signagem, são radicalismos de uma postura traduz tiros "diretos ao inseto".' A TV como "uma linguagem que combina todas as linguagens". Chacrinha: "A maior legenda da televisão brasileira em toda a sua história". A televisão "vai homogeneizando o comportamento do homem médio brasileiro". "Não há padrão médio da fala em cinema e teatro." " Cinema e teatro 'escritos'." TV: "a ocupação criativa do espaço cênico”.
DP vê também, a partir do que ocorre nos, Estados Unidos, o telecabo como uma desmassificação. Mais um dado no caldo de cultura. Em suma, a espinha dorsal polêmica nesse livro constitui, além das constatações semiótiras em torno do veículo, o debate sobre as formas de educação e a decadência do cinema, face à TV. O cinema, aduziamos, já se tornou, com exceção dos tentáculos do grande espetáculo, uma arte do século XIX. Ou como já melhor explicou o autor, há longos anos: "A arte é um preconceito cultural". Quem ainda não leu, leia a sua antológica Teoria da Guerrilha Artística, publicada originalmente no Correio da Manhã, de 4 de junho de 1967.
Outra de suas melhores análises é a Abortura (rico trocadilho), em torno de um dos episódios da série Malu Mulher. Aqui, a formulação ética já supera os comentários técnicos. Afinal, qualquer pessoa sabe que o ensino do aborto deveria, logo, fazer parte dos currículos de primeiro ano de todas as faculdades de Medicina. Para a hipocrisia, não há cadeiras (só aquelas que, hoje, entranham-se no rodapé da decadência).
Enfim, essa visão deveria ser razoavelmente límpida. Quando se discute cultura na TV, se deveria saber que a cultura já está no veículo (ou seja, o veículo jamais terminará, até que outro o supere tecnologicamente). A diferença entre informação e comunicação é simples. Talvez, como a teseantítese-síntese, de Hegel. Informação, em estado bruto, constitui o dado novo. Comunicação é essa mesma informação, acoplada ao veículo (s). Se eu digo que fulano morreu, num sussurro ao pé do ouvido, será diferente de o receptor estar ouvindo a mesma informação pelo Cid Moreira; ou num comício. Depois, chega a síntese: o veículo, ou a soma de todos eles aplicados ao mesmo mote, contamina e rege o plá.

O resto é saber que a crise do artesanato com a revolução industrial, que Pignatari bem assinalou outrora, está aí, com o austríaco Hans Donner. Para realizar duas pequenas obras-primas, como a abertura & créditos da novela Champagne ou a nova abertura do Fantástico, ele pulou da idéia para o computador. Nada de artesanatos; o resto é literatura. Quanto ao mais, vale frisar, Décio, que Clifton Webb não era intragável: basta ouvir a sua gravação de 11/10/33, de Not For Ali The Rice in China, autoria de Irving Berlin, com a orquestra de Leo Reisman. Não basta pensar na fonte dos desejos (Three Coins on a Fountain).

Signagem é isso. Um passeio no saltasalta pelos pigmentos da TV, com um méneur-du-jeu de respeito (e, até, iconoclasta). Quem há de? Resta lembrar que um dos punti poundianos atravessa uma fase de pisca-pisca. Só o restabelecerá o retorno à "roda d'amigos". Esta é uma frase à clef. Possivelmente, o futuro, a história, ou alguma vidente de agora saberá a clave. Ou seja, Noigandres: daí, também, nasceu Décio. "Nós grandes, Lêvy."

Jornal da Tarde
28/01/1984

 
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