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O cinema e a nova psicologia

Merleau-Ponty

De um modo geral, a nova psicoiogia nos faz ver no homem não mais uma inteligência que constrói o mundo, mas um sêr que, nêle, está lançado e, nêle também, ligado como que por um elo natural. Em consequência, ela novamente nos ensina a observar êste mundo, com o qual estamos em contato, através de tôda a superfície de nosso sêr, enquanto a psicologia clássica renunciava ao mundo vivido, em favor daquele que a inteligência científica conseguia construir.

***

Se, agora, examinamos o filme como um objeto a se perceber, podemos aplicar, em relação a isso, tudo que acaba de ser dito sôbre a percepção em geral. E ver-se-á que, a partir dêsse ponto-de-vista, a natureza e a significação do filme tornam-se claras, conduzindo-nos, a nova psicologia, precisamente, às melhores reflexões dos estetas do cinema.
Diga-se, inicialmente, que um filme não é uma soma de imagens, porém uma forma temporal. É o momento de recordar a famosa experiência de Poudovkine, que coloca em evidência a sua unidade melódica. Certo dia, tomou um primeiro plano de Mosjoukine impassível e o projetou precedido, a princípio, de um prato de sopa, em seguida, de uma jovem morta em seu caixão e, finalmente, antecedido por uma criança a brincar com um ursinho de pelúcia. Notou-se, de início, que êle aparentava olhar o prato, a jovem e a criança e, depois, que fitava o prato com um ar pensativo, a mulher, com pesar, a criança, mediante um sorriso luminoso, e o público ficou surpreendido pela variedade de suas expressões, quando, na realidade, a mesma tomada havia sido utilizada três vêzes e era flagrantemente inexpressiva.
O sentido de uma imagem depende, então, daquelas que a precedem no filme e a sua sucessão cria uma nova realidade não equivalente à simples adição dos elementos empregados. Roger Leenhardt acrescentava, num excelente artigo (Esprit, 1936), que era necessário ainda fazer atuar a duração de cada imagem: uma duração curta convinha ao sorriso animado, média, ao rosto indiferente, e, longa, à expressão dolorosa. Daqui, êle extraía esta definição do ritmo cinematográfico: "Uma tal ordem de tomadas e, para cada uma dessas tomadas ou planos, uma duração tal, que o todo produza a impressão desejada com o máximo de efeito". Existe então uma verdadeira métrica cinematográfica, cuja exigência é muito precisa e imperiosa. “Assistindo a uma fita, tente adivinhar o instante onde uma imagem, tendo atingindo a dua plenitude, esgota-se, deve-se findar, ser substituida (seja mudança de ângulo, de distância ou de campo). Aprende-se a conhecer esse mal-estar interno produzido por uma tomada demasiado longa que freia o movimento, ou essa agradável adesão íntima quando um plano decorre com exatidão..." (Leenhardt). Como há, além da seleção de tomadas (ou planos), a partir de sua ordenação e de sua duração; que constitui a montagem; uma seleção de cenas ou sequências, sua ordenação e sua duração, que consiste no découpage, o filme surge como uma forma altamente complexa, em cujo interior acões e reacões extremamente numerosas atuam a cada momento. As leis que as regem estão por descobrir e foram, até aqui, apenas pressentidas pela perspicácia ou pelo tato do diretor que maneja a linguagem cinematográfica como o homem, que fala, aciona a sintaxe sem nesta pensar, em têrmos de expressão, e sem estar sempre em condições de formular as regras que cumpre intuitivamente.
O que acabamos de dizer a respeito da película visual, aplica-se também à sonora - não somente uma adição de palavras ou de ruídos, mas, outro tanto, uma forma. Existe um ritmo de som, como de imagem. Existe uma montagem de ruídos e de sons, da qual Leenhardt encontrava um exemplo na antiga realização sonora Broadway Melody. "Dois atôres estão em cena; do alto das galerias, escuta-se a sua declamação. Imediatamente após, primeiro plano, tom de sussurro, percebe-se uma palavra que eles trocam em voz baixa..." A fôrça expressiva dessa montagem reside em nos fazer sentir a coexistência, a simultaneidade das vidas num mesmo universo - os atôres para nós e para êles próprios, como, há pouco tempo, a montagem visual de Poudovkine ligava o homem e seu olhar aos eventos que o circundam. Não se consistindo, o filme visual, na mera fotografia em movimento de um drama, e como a escolha e o agrupamento das imagens constituem para o cinema um meio de expressão original, de idêntica maneira, o som no cinema não é a simples reprodução fonográfica de ruídos e de palavras, porém comporta uma determinada organização interna que o criador da película deve inventar. O verdadeiro antepassado do som cinematográfico não é o fonógrafo mas, sim, a montagem radiofônica.
Ainda não é tudo. Acabamos de considerar a imagem e o som, cada um isoladamente. Todavia, na realidade, a união de ambos consuma, ainda uma vez, uma totalidade nova e irredutível com os elementos que entram em sua composição. Um filme sonoro não é um filme mudo acrescido de sons e palavras, unicamente destinados a complementar a ilusão cinematográfica. O vínculo entre o som e a imagem é muito mais estreito e esta última se transforma com a procimidade do som. Durante a projeção de um filme dublado, com magros falando através da voz dos gordos, jovens com a voz de velhos, grandalhões com a voz de homenzinhos, nós bem percebemos o absurdo se, como tínhamos dito, a voz, à silhueta e o temperamento formam um todo indivisível. Contudo, a união do som e da imagem não se realiza apenas em cada personagem mas, sim, no filme inteiro. Não é por acaso que, em dado momento, os personagens se calam e, noutro, passam a falar: a alternância das palavras e do silêncio é conduzida com vistas ao maior efeito da imagem. Como dizia Malraux (Verve, 1940), existem três espécies de diálogo. Primeiro, o diálogo expositivo, destinado a fazer conhecer as circunstâncias da acão dramática – o romance e o cinema evitam-no de comum acôrdo. Depois, o diálogo de tom, a nos fornecer a inflexão de cada personagem, imperando, por exemplo, em Proust, cujos personagens mal se delineiam e, ao contrário, demarcam -se admiravelmente desde que começam a falar. A prodigalidade ou a avareza de palavras, sua intensidade ou seu vazio, exatidão ou afetacão, fazem sentir a essência de um personagem com muito melhor segurança do que a maioria das descricões. Não há quase diálogo de tom no cinema - a presença visível do ator, com o seu comportamento apropriado, utiliza-o só excepcionalmente. Finalmente, existe um diálogo cênico, apresentando-nos o debate e a confrontação dos personagens - trata-se da parte principal no diálogo de cinema. Entretanto, está longe de ser uma constante. No teatro, fala-se incessantemente, mas, não, na sétima arte. "Nos últimos filmes'', dizia Malraux, "o diretor entra no diálogo depois de grandes trechos de mudez, exatamente como um romancista entra no diálogo após longos trechos de narracão." A divisão entre silêncios e o diálogo constitui então, à margem da métrica visual e sonora, uma métrica mais complexa que sobrepõe suas exigências às das duas primeiras. Para completar, ainda seria necessário analisar o papel da música interior dêsse conjunto. Diga-se unicamente que ela deve a êle se incorporar e não se justapor. Não deve então servir para tapar os buracos sonoros, nem para comentar exteriormente os sentimentos e as imagens, como ocorre em tantas fitas, onde a tormenta da cólera desfecha a tormenta dos metais e onde a música imita laboriosamente um ruído de passos ou a queda de uma moeda no solo. Ela há de intervir a fim de marcar uma mudanca de estilo no filme: a passagem, por exemplo, de uma cena de ação no interior de um personagem, à evocação de cenas anteriores ou à descrição de uma paisagem; de um modo geral, a música acompanha e contribui para a realização, segundo Jaubert (Esprit, 1936), de uma ruptura do equilíbrio sensorial. Enfim, não é preciso que seja um outro meio de expressão justaposto à expressão visual, mas que, “através de recursos rigorosamente musicais - ritmo, forma, instrumentação - recrie, na matéria plástica da imagem, uma matéria sonora, mediante uma misteriosa alquimia de correspondência que deveria ser o verdadeiro fundamento do ofício de compositor cinematográfico. Que, em conclusão, nos propicie o ritmo da imagem fisicamente sensível sem, para isso, envidar a traducão do conteúdo sentimental, dramático ou poético" (Jaubert). No cinema, a palavra não tem a missão de aduzir idéias às imagens e, nem a música, sentimentos. O todo nos comunica qualquer coisa bem determinada, não se trata de um pensamento nem de uma evocacão dos sentimentos da vida.
Que significa, que quer então dizer o filme? Cada um narra uma história, isto é, um certo número de acontecimentos que acionam personagens e que podem também ser narrados em prosa, como efetivamente o são no roteiro através do qual a película é construída. O cinema falado, com o seu diálogo muitas vêzes envolvente, completa a nossa ilusão. Daí, concebe-se amiúde o filme como a representação visual e sonora, a reprodução mais fiel possível de um drama, que a literatura somente poderia sugerir com as palavras, enquanto a sétima arte tem a felicidade de poder fotografar. O equívoco se mantém porque existe deveras um realismo fundamental pertinente ao cinema: os intérpretes devem atuar com naturalidade, a direção deve ser a mais verossímil dentro das possibilidades, pois a "pujança de realismo proporcionada pelo cinema", diz Leenhardt, "é tal que a menor estilização seria destoante". Porém, isso não implíca em ser o filme destinado a nos fazer ver e ouvir o que veríamos e ouviríamos caso assistíssemos, verdadeiramente, à história que êle nos conta, nem, por outro lado, como uma história edificante, sugerir alguma concepção geral da vida. O problema com o qual, aqui, deparamos, já havia sido encontrado pela estética com referência à poesia ou ao romance. Existe sempre, num romance, uma idéia resumível em algumas palavras, um cenário que se define em poucas linhas e, sempre também, temos, no poema, alusão a coisas ou a idéias. No entanto, o romance puro e a poesia pura não possuem a simples função de nos dar a significação dêsses fatos, idéias ou coisas, pois, senão o poema poderia ser exatamente traduzido em prosa e o romance nada perderia sendo resumido. As idéias e os eventos são apenas os materiais da arte e a arte do romance consiste na escolha do que, se diz e do que se cala, dentro da seleção de perspectivas (um capítulo será escrito a partir do ângulo de visão de tal personagem, outro, segundo o ponto-de-vista de diferente personagem) e no tempo variável da narrativa. A arte da poesia não consiste em descrever didaticamente as coisas ou expor ideias, mas criar uma máquina de linguagem que, de maneira quase infalível, coloca o leitor em determinado estado poético. Identicamente, há sempre uma história num filme e, muitas vêzes, uma idéia (por exemplo, em L'Étrange Sursis: a morte só é terrível para quem não a admite), mas a sua funcão não é a de nos dar a conhecer os fatos ou a idéia. Kant assinala com profundidade que, no conhecimento, a imaginação trabalha para a inteligência, enquanto, na arte, a inteligência trabalha para a imaginação. Quer dizer: a idéia ou os fatos comuns estão presentes apenas a fim de propiciar ao criador a busca de seus signos sensíveis e traçar o monograma visível e sonoro.
O sentido de uma película está incorporado a seu ritmo, assim como o sentido de um gesto vem, nêle, imediatamente legível, e o filme não deseja exprimir nada além do que êle próprio. A idéia está, aqui, restituída ao estado nascente, ela emerge da estrutura temporal do filme como num quadro, da coexistência de suas partes. É a ventura da arte em demonstrar como qualquer coisa passa a ter significado, não devido a alusões, a idéias já formadas e adquiridas, mas pela disposição temporal ou espacial dos elementos. Como vimos acima, um filme significa da mesma forma que uma coisa significa: um e outro não falam a uma inteligência isolada, porém dirigem-se a nosso poder de decifrar tacitamente o mundo ou os homens e de coexistir com êles. É certo que, no decorer comum da existência, perdemos de vista êsse valor estético da menor coisa percebida. É certo, outrossim, que a forma percebida na realidade jamais é perfeita, há sempre falta de nitidez, expletividades e a impressão de um excesso de matéria. O drama cinematográfico tem, por assim dizer, um feixe molecular mais compacto do que os dramas da vida real, decorre num mundo mais exato do que o mundo real. Mas enfim, é mediante a percepção que podemos compreender a significacão do cinema: um filme não é pensado e, sim, percebido.
Eis porque a expressão humana pode ser tão arrebatadora no cinema: êste não nos proporciona os pensamentos do homem, como o fêz o romance durante muito tempo, dá-nos sua conduta ou seu comportamento, êle nos oferece diretamente êsse modo peculiar de estar no mundo; de tratar as coisas e aos semelhantes, que permanece, para nós, visível nos gestos, no olhar, na mímica e que define com clareza cada pessoa que conhecemos. Se o cinema deseja nos mostrar um personagem possuidor de vertigem, não deve tentar conferir a visão interior da vertigem, como Daquin, em Premier de Cordée, e Malraux, em Sierra de Teruel, quiseram fazer. Sentiremos isso bem melhor apreciando exteriormente, contemplando esse corpo desquilibrado a se contorcer sobre um penhasco, ou esse andar vacilante tentando-se adaptar a alguma orientação no espaço. Para o cinema, como contemporâneas têm a característica comum de nos apresentar, não o espírito e o mundo, cada consciência e as outras, como o faziam as filosofias clássicas, porém a consciência lançada no mundo, submetida ao exame das outras e, através delas, conhecendo-se a si própria. Uma boa parte da filosofia fenomenológica ou existencial se consiste na admiração dessa inerência do eu ao mundo e ao próximo, em nos descrever êsse paradoxo e essa desordem, em fazer ver o elo entre o indivíduo e o universo, entre o indivíduo e os semelhantes, aos invés de explicar, como os clássicos, por meio de apelos ao espírito absoluto. Pois o cinema está particularmente apto a tornar manifesta a união do espírito com o corpo, do espírito com o mundo, e a expressão de um dentro do outro. Eis por que não é surpreendente que o crítico possa, a propósito de uma fita, evocar a filosofia. Num relato do Défunt Récalcitrant, Astruc narra o filme em têrmos sartrianos: o morto que sobrevive ao seu corpo e é obrigado a viver noutro; permanece a mesma pessoa para si, mas é uma diversa para outrem e não conseguiria viver tranquilo até que o amor de uma jovem o reconheça, através de seu novo envólucro, e seja restabelecido o equilíbrio do eu e do outrem. Nessa altura, o Canard Enchainé (jornal cômico editado em Paris - n. t.) se aborrece e quer devolver Astruc a suas pesquisas filosóficas. A verdade é que ambos têm razão: um, porque a arte não é feita para expor idéias; outro, porque a filosofia contemporânea não se constitui no encadeamento de conceitos e, sim, no descrever a fusão da consciência com o universo, seu compromisso dentro de um corpo, sua coexistência com as outras e êsse assunto é cinematográfico por excelência.
Se finalmente nós nos indagamos por que tal filosofia desenvolveu-se justamente na época do cinema, não devemos, evidentemente, dizer que o cinema provém dela. O cinema é antes de tudo, uma invenção técnica onde a filosofia tem a sua razão de ser. Todavia, não devemos exagerar, afirmando que essa filosofia provém do cinema e o traduz no terreno das idéias. Pois a sétima arte pode ser mal utilizada e o instrumento técnico, uma vez inventado, tem de ser retomado por uma vontade artística e tornar-se como que inventado uma segunda vez, antes que se chegue a construir filmes de verdade. Se, então, a filosofia e o cinema estão de acôrdo, se a reflexão e o trabalho técnico correm no mesmo sentido, é porque o filósofo e o cineasta tem em comum um certo modo de ser, uma determinada visão do mundo que é aquela de uma geração. Uma ocasião ainda de constatar que o pensamento e a técnica se correspondem e que, segundo Goethe, “o que está no interior está também no exterior”.

NOTA Merleau-Ponty: cinema e comportamento

Com a morte de Merleau-Ponty, perde o mundo contemporâneo um dos seus maiores filósofos em atuação e, talvez, o mais bem equipado tecnicamente. Falar em fenomenologia, hoje em dia, importa logo na recorrência a uma série de problemas & situações por êle delineados e estabelecidos no âmbito existencial e que, desde a época das essências de Husserl (quem impulsionou o trânsito do têrmo fenomenologia no terreno filosófico), nunca encontrou melhor colocação. O acionamento do princípio fenomenológico, realizado por Merleau-Ponty, conferiu, inclusive, uma base dialética atual ao que conhecemos como concepção existencialista, libertando-a dos ingredientes parametafísicos do racionalismo idealista. E o problema do comportamento tornou- se um dos tocos nucleares dessa dialética: o conceito de campo e percepção, erguendo a concepção de um universo relacional e não mais o clichê vertical-hierárquico de uma apreensão valorativa da realidade, levando até o absoluto.
Essa teoria do comportamento impõe-se justamente em seu desenvolvimento no instante em que a psicologia, entrando num status mais adulto, recusa as meias-visões da introspecção ou extrospecção pura, e não mais trata isoladamente duas formas de criar uma realidade. Estimulo e reflexo são noções que aderem a um diálogo de maior consistência. E Wertheimer, forjando o princípio do isomorfismo, a romper com o duelo racionalismo-cientificismo x empirismo-pragmatismo, substituindo uma idéia de causalidade linear – associação atomística, pelo conceito de processo molar, proporciona um ponto de partida para a nova visão dos fatos-fenômenos contingentes.
Merleau-Ponty chegou à pleniamplitude de seu pensamento geral, partindo exatamente das novas esferas de especulação propiciadas pelas descobertas da psicologia moderna: desde os reflexos condicionados, de Pavlov, as experiências de Kohler com os símios, a revolução da gestalt. E advogou a teoria da forma no escopo de um critério de estabelecimento das constantes estruturais que se desenrolam num espaço-tempo. A Estrutura do Comportamento e A Fenomenologia da Percepção constituem as suas duas obras mais importantes e, básicas, mesmo, como subsídio para um descerrar das linhas radiais na conjuntura do pensamento moderno.

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Num volume de ensaios esparsos, Sens et Non-Sens, Merleau-Ponty aborda o cinema através de um escrito extraído de uma conferência que pronunciara, em 1945, no IDHEC - O Cinema e a Nova Psicologja. Tal monografia tornou-se, de imediato, essencial no papel da contribuição para a compreensão do cinema.
A sétima-arte, embora a mais poderosa de tôdas no tocante à riqueza de materiais, é também a neófita e nesse pouco mais de meio-século de existência tem ainda um reduzido número de teóricos que chegassem a elaborar um approach coerente de suas virtualidades, de acôrdo com uma sistemática de métodos cingida à perquirição formativa. Por isso, a contribuição de MP adquire características de inobjetável importância, principalmente no que concerne ao fundamento de relações entre a linguagem cinematográfica e o problema do comportamento.
Por outro lado, trazendo tôda a sua bagagem de conhecimentos e instigações, êle evidencia fatôres relevantes desprezados ou despercebidos por muitos dos especialistas no assunto. Um exemplo básico: as relações de som e imagem.
Rudolf Arnheim, talvez o maior esteta do cinema mudo e, até hoje, um dos mais citados e admirados pelos estudiosos, Arnheim, com tôda a experiência cultural e técnica, jamais chegou a compreender o filme falado. Enquanto se detém no fenômeno da pelicula muda, a sua visão é, provavelmente, da maior coerência, criticando, inclusive, com a melhor propriedade, alguns dos cineastas-teóricos da montagem, como Pudovkin e Timoshenko. Demonstra a ausência de lógica nas classificações de ambos, a misturar assuntos de órbita subjetiva com outros pertinentes ao puro campo do artesanato. Contudo, quando Arnheirn aborda a fase sonora, toda a sua argumentação se desmorona devido à incapacidade em vislumbrar a dialética radical entre os processos de infra-estrutura e os de superestrutura. A virtualidade dos elementos e a realidade dos materiais. Não acompanhar a evolução técnica, traduzindo-a em têrmos de junção no concernente à sua influência sobre o processo das formas simbólicas, isto equivale a um paulatino perder de contato com a forma e se assentar numa estática idéia de fôrma, que é, justamente, uma contratação. Ir contra o diálogo, quando êste já constitui um tipo de elemento inestimável para uma forma de expressão que envida exatamente proporcionar o comportamento humano como força motriz de seu agenciamento de efeitos. Somente com o som, o cinema veio a atingir as suas possibilidades de maturação. A mímica do período mudo, não deixava de ser uma espécie de remendo ou muleta para uma arte fundada eminentemente, pelo menos em sua vertente expressiva, icônica, na catárse. O problema da industrialização do entretenimento, na utilização comercial da faixa sonora, é um caso à margem. Se, aparentemente, o cinema veio a se tornar mais literário ou teatral um Hiroshima mon Amour vem provar o contrário. Foi a primeira fita na história da sétima arte que, embora usando renitente e propositadamente a fala, veio a liquidar com a vinculação narrativa cinema-literatura. Hiroshima não tem uma história discursivamente deduzivel - o seu impacto é o de uma ação visual, entrosada com os recursos sonoros - o que não ocorre com qualquer dos grandes e respeitáveis clássicos do mudo, mesmo aquêles sob o mais intensivo impulso da machine-gun cut (metralhadora do corte - Moholy-Nagy). A forma, a estrutura ou, enfim, o jôgo de elementos e relações denominado Hiroshima mon Amour apenas poderia se consumar através do filme e todos os conceitos que possa despertar na mente da assistência somente são proporcionados pelo seu processo particular. E, mais recentemente, esse instigante A Bout de Souffle (Acossado) de Jean-Luc Godard, vem reiterar êsse campo aberto da utilização da película sonora com a pujança virtual de todos os seus elementos possíveis. Abrindo uma ruptura com a idéia tradicional de continuidade, com um método de cortes estribado na repetição de planos, aliado à movimentação incessante da câmara, descerra um novo véu de formulações: o critério relativo da mise-en-scène, segundo os apóstolos da nouvelle vague. E temos outra vez o diálogo dotado de junção estrutural, dinâmica, sem jamais fornecer a impressão de se tratar de uma adição expletiva. Forçoso constatar, então, que a vinculação do filme com a literatura apenas se verifica no estágio material, mas nunca na fase posterior da formação de elementos.
Aqui, a concepção de Merleau-Ponty ganha em interêsse e atualidade, ao mostrar que êle compreende perfeitamente a junção qualificada do diálogo cinematográfico e a sua natural capacidade de interação. Pelo menos na área expressiva do cinema, quando nos dá o comportamento do indivíduo, como, até hoje, nenhuma outra arte o pôde fazer. É verdade, em paralelo, que existe a vertente inorgânica (dir-se-ia abstracionista) da linguagem cinematográfica, onde Arnheim, retomando a lucidez, e, viavelmente, com plena razão, assinala: “eu me aventuraria a predizer que o cinema somente estará apto a atingir as mesmas alturas das outras artes quando se livrar dos vínculos com a reprodução fotográfica e se torne uma pura realização do homem, quer dizer, como pintura ou desenho animado".
O Cinema e a Nova Psicologia divide-se em duas partes distintas: na primeira, que aqui não traduzimos, Merleau-Ponty consuma um apanhado dos problemas da percepção situados pela moderna psicologia e em contraposição com as concepções da psicologia clássica. Demonstra como esta última comprometida com o racionalismo cartesiano, conferia uma valoração absoluta aos dados, colocando-os em compartimentos estanques, um ao outro, entendendo, daí, a percepção como "um mosaico de sensações".
Cada um dos nossos sentidos seria então uma espécie de entidade autônoma, independente em relação aos estímulos que acorriam aos outros, quando, na realidade, e as experiências contemporâneas o evidenciaram, nós percebemos mediante a conjunção de todos os nossos sentidos. Critica o ângulo de visão do Descartes das Méditations, quando êste, doando à inteligência uma hegemonia absoluta na aferição dos dados sensíveis, fazia da percepção "um autêntico ato de decifração". E, finalmente, demonstrando o alcance da ciência do comportamento, rompe com outro preceito idealista – a idéia de separação permanente entre o que se chama corpo e o que se denomina alma - nada mais do que dois aspectos de um modo de estar no mundo, assim como, "na psicologia da linguagem, a palavra e o pensamento, por ela denotado, não devem ser considerados como dois têrmos exteriores um ao outro: a palavra traz a sua signidicação idênticamente ao corpo como encarnação do comportamento".


Jornal do Brasil
13/05/1961

 
Cinco poemas
vários autores Grandes poetas da língua inglesa do século XIX

Introdução, argumento e cap. I
Stéphane Mallarmé Igitur ou a loucura de Elbehnon

Canto I
Ezra Pound Os cantos

Canto II
Ezra Pound Os cantos

Canto III
Ezra Pound Os cantos

Alguns princípios básicos de cinematografia
Sergei Eisenstein Jornal do Brasil

Estilo e estilização
Bela Balazs Jornal do Brasil

Métodos de montagem
S. Timoschenko Jornal do Brasil

A poesia do filme
Roger Manvell Jornal do Brasil

Dois poemas de Ezra Pound
Ezra Pound Jornal do Brasil

Observações sobre o cinema
Susanne K. Langer Jornal do Brasil

O princípio cinematográfico e o ideograma
Sergei Eisenstein Jornal do Brasil

O princípio cinematográico e ideograma - parte II - conclusão
Sergei Eisenstein Jornal do Brasil

Historieta do Sonho ao Ar Livre
Federico Garcia Lorca Jornal do Brasil

Retrato de uma dama
William Carlos Williams Jornal do Brasil

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