The Phoenix and Turtle (A Fênix e a pomba) foi publicado pela primeira vez na antologia de Robert Chester, Loves Martyr, em 1601. Durante largo tempo, não foi dada a devida importância a êste poema e, muitos estudiosos, face a certas características de estilo e concepção, chegaram a duvidar que William Shakespeare fôsse o seu autor. Isso porque A Fênix e a pomba representa uma exceção em sua obra. ldentifica-o diretamente com os chamados poetas metafísicos que assomaram desde o período isabelino até a Restauração . E os metafísicos, também em grande parte, só foram valorizados e saudados pela crítica em nossos dias .
O que significa The Phoenix and Turtle? Mesmo hoje, após uma sequência de ensaios e pesquisas, tão múltiplos são seus planos semânticos, que não se chegou a um acôrdo . O crítico AIfred Alvarez fala na transcendência da razão pelo amor. Mas se o conceito é generalizante, não chega a ser totalizante. No meio das peripécias verbais, inclusive com as intencionais distorções gramaticais, continua o mistério, o chamado hermetismo, que assola a poesia moderna e, por isso mesmo, faz dêste poema o mais "moderno" de Shakespeare. Como se diz habitualmente, é um poema para poetas.
Seja a ave de mais alto canto
Na única árvore em Arábia
Triste arauto e trompa sábia
E asas puras ouçam o pranto.
Mas tu, abutre em bruxaria
Malévolo êmulo do demo
E pregador do fim extremo
Saia da nossa companhia
Tôda ave de tirano mito
Que se desvie dêste lado
Salvo a águia, rel emplumado
E o rito fique assim restrito.
Que o sacerdote branco entoe
A fúnebre arca do acalanto
Seja da morte cisne santo
Até que o requiem não mais soe.
E tu, ó corvo de três vidas
Que pariste uma preta espécie
Teu sôpro forja e f enece e
No carpir será tua acolhida.
Aqui a antífona inicia
Amor e constância tomba
Fugiram a fénix e a pomba
Em mútua flama, via a via.
Então amaram como o amor
Em cada par tem una essência
Dois diersos sem divergência
E morto o número no amor.
Corações longe, não ilhados
Nenhum espaço se continha
Entre a pomba e sua rainha
E, em ambas, eram encantados.
O amor luziu nos dois aparte
Quando a pomba o seu eu perfeito
Viu no olhar da fénix refeito;
Era cada meu, do outro, parte.
A identidade liquidada
Que, o próprio, o mesmo não era
Duplo nome de uma só esfera
Nem dois nem um era chamada.
O pensamento decomposto
Viu divisão crescer também
A ambos qualquer nenhum, porém
O simples muito bem composto.
Que bem, clamou, uma metade
À concordante assemelhada
O amor tem razão, razão nada
Se elas assim têm unidade.
Daí fêz-se esta cantilena
Para fénix e à pomba, elas
Co-supremas, do amor estrelas
Como côro à trágica cena.
THRENOS
Verdade, encanto e raridade
Graça em tôda simplicidade
Aqui, em cinza, estão encerrados.
Ninho da fénix é a morte
Colo da pomba leal consorte
E eternamente repousados,
Não deixando posteridade
Sem ser, de ambos, fragilidade
Mas em castidade esposados.
Parece a verdade e não sendo;
Jactância do belo não havendo;
Sôbre êsses dois a tumba desce.
E na urna ei-los refazendo
O seu vero ou falso e, morrendo,
Suspiram pássaros uma prece.
tradução e nota de José Lino Grünewald
Jornal do Brasil
23/04/1964