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Shakespeare e a poesia metafísica

Shakespeare

The Phoenix and Turtle foi publicado, pela primeira vez na antologia de Robert Chester Leves Martyr, em 1601. Durante larco tempo, o poema não foi levado em consideração e, muitos, devido a certas características de estilo e concepção chegaram a duvidar que William Shakespeare fôsse o seu autor.


Na verdade, trata-se de uma exceção dentro da constante de sua obra, tanto no concernente ao teatro, como aos sonetos. Em paralelo, com um só poema, aparece como o metafísico dos metafísicos, deixando a perder de vista a maior parte das peripécias verbais do próprio Donne e de seus seguidores. E, através do prisma do hermetismo, pelo qual quase todos os metafísicos foram julgados em sua época e ainda posteriormente também levaria a palma. O mencionado hermetismo, antes já da natureza dos recursos técnicos ou do peculiar tratamento sintático apreciados isoladamente, advém da complexidade de níveis referenciais que se entrecruzam e, pelo menos, criam uma tripla facêta semântica. E o caráter alegórico que preside a magnitude da sua dicção, envolve já uma série de outros recursos a serem, mais tarde, reivindicados pelos simbolistas.

Emerson foi um dos primeiros, senão o primeiro, a abordar seriamente
The Phoenix and Turtle. E, no prefácio ao seu Parnasus, firmava categoricamente: "Acho constituir esta peça um bom exemplo para a regra de que existe uma poesia apenas para os bardos, assim como outra para o mundo dos leitores. Este poema, caso publicado pela primeira vez e sem a assinatura de um autor conhecido, não obteria nenhuma receptividade maior. Só os poetas tomariam-no em conta". É fácil constatar num breve relance: tôda paraphernalia vocabular dos metafísicos está nêle, contida, solidamente acionada por um complexo jôgo de contrastes e opostos que se anulam, numa fascinante operação poética, técnica e semânticamente amparada em processos matemáticos.

Ao mesmo tempo, o intrincado esquema de composição oferece um preciso isomorfismo, isto é, um ajustar bem concatenado de fundo e forma. A lenda da fênix renascida que perpassa a mais palpável das superfícies refenciais do poema, corresponde meramente ao tonus alegórico do significado total, uma espécie de ouverture ao pensamento que se embrenha nas mais profundas especulações. Estas especulações do autor, por seu turno, atingem, dentro de uma perspectiva filosófica, um clímax antimetafísico, pois negam o absoluto - aqui, o vértice da razão, que conteria o mecanismo certo de contrôle e apreensão dos eventos na terra. E fulminam a razão a traves dos seus elementos básicos: os números, as divisões, as classificações, o proprio ato de nomear. O amor torna-se, na peça, o instrumento de tal pulverização; e o poeta chega, numa das quadras, a expressar isso: So they loved as love in twaine / Had the essence but in one / Two distincts, division none / Number there in love was slan (marcado decisivamente neste último verso: morto o número no amor).

Dentro da construção sintática bastante elaborada, em função das solicitações de fundo e, mesmo, arrojada, encontramos, noutro verso, a violentação gramatical, flagrantemente intencionada e, como observou I. A. Richards, no seu ensaio,
The Sense of Poetry, desnorteando a gramática, assim como a própria razão será, a seguir, também desnorteada, O verso é Love and Constancie is dead; com o is (está) dead do singular, em vez do correto are (estão) dead no plural. E ainda Richards, consumando a interpretação do recurso: "os dois são tão intensamente um só, que até mesmo a partir da primeira menção o verbo empregado está no singular''.

Outro meio usado por Shakespeare, a fim de, com os efeitos da Iinguagem, consolidar a idéia de plena união, pelo amor, é a substantivação do pronome possessivo, mediante um verso lapidar:
Either was tlle others mine (era cada meu do outro parte).

Alfred Alvarez, em seu excelente estudo sôbre o poema, publicado no volume
Interpretations, editado por John Wain, chega a conclusões semelhantes a respeito de sua natureza: "O tema do poema se consiste na transcendência da razão pelo amor". E, mais adiante: "A terminologia é racional e sua aplicação nitidamente anti –racional”. Para o referido crítico, finalmente, o recurso poético assimilado no mistério da "esposada castidade" alcança um sentido de proporção, lógica e apaixonadamente consumado.

O terceiro aspecto, o mais fundo na área da significação, envolve o próprio ato poético e, nisto, já nos encontramos numa conjuntura pré-mallarmaica. Richards, no citado ensaio, também ergueu a indagação, numa réplica à exegese de Emerson: "um lamento sôbre a morte de um poeta" - ou não seria o ofício poético? - "e sua amada poética " - ou não seria aquilo a que o ofício poético se devota: a poesia? De qualquer maneira, denota-se algumas imagens & idéias bem afins ao mood do criador de Un Coup de Dés, especialmente aquele cisne branco, oficiante divino da morte, tão semelhante ao cisne (poeta) impotente no gêlo de um dos maiores sonetos de Mallarmé.

Enfim, sob todas as perspectivas A Fênix e a Pomba instiga. É um dos poemas básicos, não só dentro da literatura inglêsa, mas através de qualquer ângulo no qual se procure penetrar no processo radical da ars poética. E a sua atualidade é extraordinária, se formos tomar em consideração uma visada quase ou, na realidade, prefenomenológica que seu autor lançou.

Abaixo, estampamos uma tradução nossa - uma tentativa em verter para o português os efeitos do original e a sua dialética peculiar.

A Fênix e a Pomba

Seja a ave de mais alto canto
Na única árvore em Arábia
Triste arauto e trompa sábia.
E asas puras ouçam o pranto.

Mas tu, abutre em bruxaria
Malévolo êmulo do demo
E pregador do fim extremo
Saia da nossa companhia.

Tôda ave de tirano mito
Que se desvie dêste lado
Salvo a águia, rei emplumado
E o rito fique assim restrito.

Que o sacerdote branco entoe
A fúnebre arca do acaIanto
Seja da morte cisne santo
Até que o requiem não mais soe.

E tu, ó corvo de três vidas
Que pariste uma preta espécie
Teu sôpro forja e fenece e
No carpir será tua acolhida.

Aqui a antifona inicia
Amor e constâcia tomba
Fugiram a fênix e a pomba
Em mútua flama, via a via.

Então amaram como o amor
Em cada par tem una essência
Dois diversos dem divergência
E morto o número no amor.

Corações longe e não ilhados
Nenhum espaço se continha
Eutre a pomba e sua rainha
E, em ambas, eram encantados.

O amor luziu nos dois aparte
Quando a pomba o seu perfeito
Viu no olhar da fênix refeito;
Era cada meu, do outro, parte.

A identidade liquidada
Que, a próprio, o mesmo não era
Duplo nome de uma só esfera
Nem dois nem um era chamada

O pensamento decomposto
Viu divisão crescer também
A ambos qualquer nenhum, porém
O simples muito bem composto.

Que bem, clamou, uma metade
A concordante assemelhada
O amor tem razão, razão nada
Se elas assim têm unidade.

Daí fêz-se esta cantilena
Para a fênix e à pomba, elas
Co-supremas, do amor estrelas,
Como côro à trágica cena.

Threnos

Verdade, encanto e raridade
Graça em toda simplicidade
Aqui, em cinza, estão encerrados.

Ninho da fênix é a morte
Colo da pomba leal consorte
E eternamente repousados,

Não deixando posteridade
Sem ser, de ambos, fragilidade
Mas em castidade esposados.

Parece a verdade e não sendo;
Jactância do belo não havendo;
Sobre esses dois a tumba desce.

E na urna ei-los refazendo
O seu vero ou falso e, morrendo,
Suspiram pássaros uma prece.

nota e tradução de José Lino Grünewald

Correio da Manhã
09/06/1962

 
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