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Outra face de Lorca

Garcia Lorca

Ciprestes
(Água estagnada)
Choupo
(Água cristalina)
Vime
(Água profunda)
Coração
(Água de pupila)

****

Teta lacre do sol
Teta azul da lua
Torso metade coral
Metade prata e penumbra

***

Joelho, serpente e junco.
Aroma, rastro e penumbra.
Ar, terra e solidão.

(A escada chega até a lua)

***

Fonte clara
Céu claro

Ó, como sobejam
os pássaros!

Céu claro
Fonte clara

Ó, como reluzem
as laranjas!

Fonte
Céu

Ó, como o trigo
é tenro!

Céu
Fonte

Ó, como o trigo
é verde!

***

Possuidor de uma obra extensa e das mais importantes na língua espanhola, Garcia Lorca oferece também um outro tipo de produção poética bem distinto, sob diversos aspectos, daquêle que justamente o tornou consagrado. Não o Lorca dos toureiros e gitanos, das
Casidas ou Gacelas, dos sonetos, dono de uma poderosa concentração metafórica, de uma isólita phanopoeia, mas o do poema pílula, das breves construções, algumas de imediata preocupação estrutral - os pequenos experimentos no que se refere à economia de linguagem. Nesse ponto, a sua atitude criativa, no que se reporta ao bipartir em duas vertentes básicas e, ao mesmo tempo, profundamente diversas de conceber os processos formativos, aproxima-se muito da do contemporâneo seu, o norte-americano William Carlos Williams embora êste último ficasse mais conhecido do que êle como autor de poemas sucintos.
Entretanto, sob o ângulo de visão de uma evolução de formas, Williams nunca foi tão longe como Lorca no primeiro poema da série que apresentamos. O caráter discursivo está totalmente abolido. Há uma raciopalizada ordenação no espaço - uma disposição ideogrâmica de quatro palavras (substantivos), cada uma contendo, logo abaixo, entre parenteses, a palavra água (substantivo) qualificada por um adjetivo, a não ser no derradeiro caso, onde o adjetivo qualificativo cede lugar a uma referência posessiva - de pupila, exatamente de acôrdo com a implicação animal da palavra coração. O referendum vegetal está presente nos três primeiros substantivos, ciprestes, choupo e vime, trazendo agregados a si uma reiteração mineral, variável, mediante a qualificação dos adjetivos, conforme a interpretação do sentido de cada um dêles. No último, água vem subordinada à sua matriz possessiva, pupila, e perde a condição de agente de designação mineral em favor da referência animal (pupila) em consonância com coração. Este quarto agrupamento uniforme, envolvendo o complexo animal, em diferenciação aos três outros, com um complexo vegetal mineral, constitui não só uma espécie de "arremate" ao poema, mas outrossim um pequeno contexto que absorve o sentido desdobrado pelos outros.
O segundo poema, cujo título é "Arlequim”, pela sua concentração imagista, aliada à concisão, lembra em muito o haikai. Corresponde, aliás, a um tipo de pesquisa muito a fim com o zoneamento de interêsses de um Ezra Pound, para quem a poesia oriental era exatamente um foco-matriz ao desenvolvimento da phanopoeia. Lorca, nessa peça, provê uma determinada intensificação visual por meio da justaposição de imagens, elidindo a utilização do verbo.
No terceiro ("Noturno esquemático"), encontramos nove substantivos, três a três por verso e três a três ligados pela conjunção copulativa e, sendo que apenas o derradeiro, solidão, é abstrato. Abaixo, entre parênteses, uma frase-comentário ou arremate.
Trata-se praticamente de uma espécie de minimização pelo mínimo múltiplo comum do que constitui uma característica importante no artesanato. Poético do autor de "Bôdas de Sangue" e já observado por Augusto de Campos, ao compará-lo com João Cabral de Melo Neto sob tal aspecto: “essa ânsia de perseguir a emoção abstrata em têrmo de coisas", isto é, a formulação de uma idéia abstrata através de nomeações, concretas. Em alguns poemas, essa tradição de objetivar, Lorca vai ao máximo de uma rarefação concretizante dentro da sintaxe discursiva, como no segundo verso da Casida del Sueño al Aire Libre: "Flor de jazmín y toro degollado". “Pavimento infinito. Mapa. Sala. Arpa. Alba." A reiteração da idéia de amplitude, propiciada pela sequência de quatro substantivos concretos quando, além das quatro letras de cada, todos possuem suas silabas e estas tôdas de vogal a, acentuação sempre na primeira de cada palavra.
O poema de número quatro se constitui num decrescente jôgo combinatório de posições com as palavras fonte e céu, vindo dos quatro estágios de desdobramento do processo contrapontuados por uma sentença exclamativa.
Poeta de autêntica estirpe gongórica, Lorca não deve jamais ser somente encarado qual um exacerbado temperamento romântico. No seu ensaio sôbre Gongora, teve a admirável acuidade de estabelecer a linha que, partindo o autor das Soledades, veio a dar diretamente em Mallarmé. Justamente nesse mesmo ensaio fala da beleza objetiva, livre da ansiedade do pânico e concorda com Valéry, quando este afirmou não ser o estado de inspiração dos mais vantajosos para escrever poesia. E os seus poemas curtos denotam a pesquisa inventiva, a organização consciente de pequenas arquiteturas onde os recursos concretizantes da onomatopéia e da variação tipográfica, esta funcionando muitas vezes no sentido do desdobramento temático, são também amiúde empregados.

tradução e nota de José Lino Grünewald

Correio da Manhã
16/05/1959

 
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