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Xerloque da Silva

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O boato

O boato começou a correr e a girar com velocidade incrível. De bôca em bôca ia obtendo novas colorações dramáticas e os acrescimos de praxe. O boato já era terrível em si, porém com as tonalidades e amplitude progressivas já roçava as raias do cataclismo.
O boato começou a gerar o pânico da coletividctde, no momento em que mais de cinco milltões de bôcas o propalavam e mais de dez milhões de orelhas o agasalhavam. Mas os jornais, as emissoras de rádio e de televisão nada registravam, nada comentavam a respeito do assunto.
"Que estranho" - disse o clínico, em seu consultório, enquanto farejava as costas do cliente, em decúbito, aspirando fundo - "uma notícia tão terrível como essa e não se ouve nem se lê nada em torno dela". "Pois é” - retrucou o cliente, depois de retomar o fôlego, já vestindo a camisa - "minha mulher está apavorada, está arrumando as malas, querendo viajar para qualquer lugar, enquanto eu tento acalmá-la; mas, eu mesmo, estou inquieto, veja doutor, ando tomando calmantes desde que escutei o boato lá na repartição". "Incrível, incrível!" - disse o médico - "se ao menos surgisse um desmentido, mas nada!" O outro enfiava as abotoaduras. "Confesso ao senhor" - continuou, enquanto rabiscava a receita - "que eu também estou tornando meus tranquilizantes, mas não consigo refazer-me - oh! coisa horrível!”
Continuava o boato a rasgar uma expectativa alucinante. "Será hoje?" "Por via das dúvidas, já estive no lmpôsto de Renda apanhando minha certidão negativa para viajar o quanto antes." "Já - já e já". "Não há tempo a perder". "E os jornais não dizem nada".
O boato já havia gerado, segundo as estatísticas remetidas pelos hospitais, um acréscimo de 120% de casos de enfarte. Por seu turno, não existiu vaga nas clínicas de repouso ou de doentes nervosos. Os psicanalistas, completamente estafados. E os guichês das agências de viagem passaram a ficar atolados, pessoas se angalfinhando por uma passagem. As passagens começaram a ser vendidas no câmbio negro. Os terminais marítimos, rodoviários e aeroviários, estourando de gente, com o pânico em riste no olhar, o mêdo crispado nas faces. O alcoolismo ficou desregrado; só numa buate, foram consumidos dois mil litros de uísque numa semana. Dos botequins, o olor de cachaça brava exalava incessante, empestando as narinas a metros de distância.
Afinal, um dia, a cidade amanheceu deserta. Cachorros latiam em vão, enquanto os ratos riscavam entre os meios-fios. Os cadáveres humanos abandonados, começaram a ser devorados pela sanha animal - os insetos reinavam, no horizonte. À sombra de uma árvore, um faquir surdomudo saiu da inécia e sentiu que só a êle restava agir.

Correio da Manhã
12/06/1969

 
Fiscal fisgado
Correio da Manhã 14/01/1969

A mesma ilha
Correio da Manhã 15/01/1969

Bonnie sem Clyde
Correio da Manhã 16/01/1969

Imersão geral
Correio da Manhã 17/01/1969

Sinuca sangrenta
Correio da Manhã 18/01/1969

O homem-fome
Correio da Manhã 19/01/1969

Crime numa nota só
Correio da Manhã 22/01/1969

A receita do seu Zezé
Correio da Manhã 23/01/1969

A luta conjugal
Correio da Manhã 24/01/1969

O mistério do professor vermelho
Correio da Manhã 25/01/1969

Teatro Leve
Correio da Manhã 26/01/1969

O transplante
Correio da Manhã 28/01/1969

Idem idem
Correio da Manhã 29/01/1969

Cadê Zizi
Correio da Manhã 01/02/1969

Barulhinhos
Correio da Manhã 02/02/1969

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