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Xerloque da Silva

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O último romântico

Bateu com a ponta do indicador na extremidade da cigarrilha na hora em que, ali na lanchonete, a mulher ao seu lado, estendia para a frente a perna roliça. As cinzas caíram sôbre a carnadura alva, êle se voltou e pediu desculpas. Ato continuo, tirou o lenço do bôlso e passou-o levemente na perna dela. "Além de atrevido, o senhor é ousado." "Perdão, minha senhora - distraído, sou galante e distraído." A mulher virou-se de perfil e empinou o nariz. Pelo seu ouvido esquerdo, enveredou outra frase melodiosa: "Tão distraído que, não fôsse o acaso das cinzas, jamais teria reparado em pessoa tão linda ao meu lado; por essa distração, sim, peço mil e mil desculpas." Ela resolveu enfrentá-lo: "O senhor tem razão em ser distraído, pois, feio como é, não deveria nunca se dar ares de galanteador." Bateu novamente a cigarrilha: "Deixe-me sonhar, divagar…" Ela cortou-lhe cerce a frase, dirigindo-se para o servente do outro lado do balcão: "Quero presunto com ovos e uma coca-cola." Mas acabou de pedir, êle emendou: "E, para mim, traga o mesmo, com um copo de leite em vez de coca-cola." E, sussurrando, quase osculando o lóbulo da orelha feminil: "É tão linda que sinto que o seu nome é Celeste." Respondeu: "Vê como não tem jeito? O senhor é desastrado em suas conclusões; além disso, que adianta perguntar o meu nome? Posso inventar um." "Diga, diga." "Suponhamos que eu me chame Inalda." "Oh, mas que acaso venturoso, veja, meu nome rima com o seu, chamo-me Marivaldo." "Vejo que o seu nome não ajuda, é muito anti-romântico, o senhor acha que alguém pode se apaixonar por um homem que se chama Marivaldo?"·"Pois - pigarreou - saiba que não me queixo. A esta altura, chegaram os dois pratos de presunto com ovos e começaram a comer. Silêncio. Inalda começou a estranhar que êle, súbito, houvesse parado a conversa. Veio a dor de consciência, pensou: "Fui um pouco agressiva demais, afinal o sujeito é delicado, é feio mas não é burro, parece sensível." Procurou puxar conversa: "O que é que o senhor faz na vida?" Quando Marivaldo tornou-se, uma lágrima rolava-lhe do ôlho esquerdo: "Sou empalhador." Ela: "Empalhador?" Coisa curiosa: era a primeira vez que conhecia um empalhador. Outra lágrima começou a sua trajetória facial; saída do mesmo ôlho esquerdo. Que é que tem?" - perguntou Inalda. Silêncio - o outro pegou o copo de leite e sorveu tudo em goles largos. "Estava tão alegre, por que chora agora?" "Perdi o seu amor, minha esperança, você não sabe sou tímido, sigo-a há cinco anos sem coragem de abordá-la." Começou a gaguejar: "Oh... hoje... fiz... fiz... um esfôrço... in... crível... ai!... ; ai!... não posso!" Tombou, fuminado. Ela deu um grito lancinante. Depois, ajoelhou-se e beijou o morto.

Correio da Manhã
10/06/1969

 
Fiscal fisgado
Correio da Manhã 14/01/1969

A mesma ilha
Correio da Manhã 15/01/1969

Bonnie sem Clyde
Correio da Manhã 16/01/1969

Imersão geral
Correio da Manhã 17/01/1969

Sinuca sangrenta
Correio da Manhã 18/01/1969

O homem-fome
Correio da Manhã 19/01/1969

Crime numa nota só
Correio da Manhã 22/01/1969

A receita do seu Zezé
Correio da Manhã 23/01/1969

A luta conjugal
Correio da Manhã 24/01/1969

O mistério do professor vermelho
Correio da Manhã 25/01/1969

Teatro Leve
Correio da Manhã 26/01/1969

O transplante
Correio da Manhã 28/01/1969

Idem idem
Correio da Manhã 29/01/1969

Cadê Zizi
Correio da Manhã 01/02/1969

Barulhinhos
Correio da Manhã 02/02/1969

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