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Xerloque da Silva

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Barroco e louco

Barroco e louco. Cabelos com penteado em arabescos nas extremidades. Sapatos cheios de furinhos e com desenhos em alto-relêvo sôbre o couro claro, granulado. Paletó cortado, com alamares, cintado, reloginho dependurado, dourado, no bôlso superior azul, enquanto, sôbre o fundo azul, celeste da gravata, se arrojavam espirais douradas. Anel de ouro, com imenso rubi, unhas manicuradas, abotoaduras enormes, de madrepérola, contendo miniatura de Fragonard em corte prêto e dourado. Cinto de palha trançada, com fivela prateada, fôsca, com um baixo relêvo do Rapto das Sabinas, de Rubens. Meias brancas, com gregas côr de abóbora. A calça, apertada, era mescla, tom cinza predominando e argolinhas de prata nas beiras dos bolsos. Os botões do paletó eram quatro nas mangas, quadrados, prateados e, um só, negro, grandemente retangular, no meio, logo acima da fivela. Dos cabelos escuros, com fios brancos, arabescados além das costeletas alongadas e torneando circularmente na extremidade em direção à bôca, emanava um aroma agressivo de Bond Street.
Sentou-se no restaurante de luxo, atirou sôbre a mesa uma cigarreira de prata, com alto-relêvo de um fauno, e um isqueiro achatado, com tiras de madrepérola contrastando com o fundo escuro.
O maitre disparou para a sua mesa, acompanhado por dois pressurosos auxiliares. Mirou, impávido, o cardápio, atirou-o para o lado: "veja-me, antes de tudo, a carta de vinhos". Um dos auxiliares voou sôbre as mesas e retornou, quase que num pé só, brandindo-a, com capa de couro cru e uma fita de veludo verde. Emoção. Leu, releu, volta-se para o maitre e diz: "veja qualquer vinho nacional rosé". O maitre assustou-se; num ar de incredulidade repetiu a indagação. O freguês repetiu a pedida. O maitre têve uma semi síncope e tombou nos braços de um garçom, murmurando: "ainda por cima, rosé, rosé!!!"
Enquanto era carregado para uma ambulância, o auxiliar com ar de profundo desprêzo trazia-lhe a pedida. O freguês, em todo o barroquismo, sustentava o ar blasé. Derramado o líquido na taça de cristal, branca, de transparência estelar. "Vê - falou, dirigindo-se ao auxiliary - como o rosé do vinho combina com o rubi aqui da minha mão?". O rapazinho fitou-o, desconcertado, sussurrou para o garçom que ia passando: "este aqui é louco". O freguês alisou os arabescos na cabeça e disse: "estou esperando o fotógrafo, vai fotografar-me em côres, e o rosa do vinho era o elemento que faltava para combinar com o vermelho do meu anel". Espanto. "Depois, mando uma cópia para Hollywood". "Meu Deus!" - disse o auxiliary - "o maitre morreu à toa!"

Correio da Manhã
08/06/1969

 
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