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Xerloque da Silva

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Drama Prosaico

Foi saindo de mansinho, no escuro, com os chinelos na mão, quando, rachando as trevas, veio a voz da mulher: "Valfrido! Valfrido!" Hesitou, parou, rosnou um palavrão para dentro do estômago: "Onde é que você está indo, Valfrido?". Prendeu a respiração, meditou numa fração de segundo e respondeu: "ia ali, na cozinha, beber água".
Ela acendeu o abajur e a cara horrível crispou-se sob os papelotes: "mentira! mentira! água demais tem aqui dentro da garrafa". Começou a suar, não sabia se agredia ou se chorava. "Você, Valfrido, é um moleque! estava fugindo para a farra - não tem vergonha, com essa idade, com essa barriga"! Estufou o peito, encolheu a barriga - mas a voz ainda era no estilo defensivo: "ora, ora, meu bem, não me lembrei, ia mesmo até a cozinha beber água, pois êsse bacalhau com leite de côco que comemos no jantar me deu sêde, acordei com a garganta sêca". Ela eriçou-se dentro do
peignoir roxo: "mentiroso! mentiroso! pé ante pé, com o chinelo na mão, ia pro outro quarto mudar de roupa para sair, eu sei, Lotinha já me avisou das tuas farras com aquele corretor e aquele safado que canta guarânias". Fingiu irritação em lugar do mêdo: "ora! essa tal de Dona Lotinha é uma fofoqueira, só sabe dar palpite errado, não posso condicionar meus atos à imaginação dessa débil-menta!” A mulher pulou do leito: "não fale assim de Lotinha! é minha amiga, a minha única amiga séria". Começou a gargalhar. Ela continuou: "não tente mudar de assunto, explique-se!" Desespêro. Resolveu fingir a fúria drástica: "então se você acha que é assim, melhor, agora mesmo é que eu vou sair!" Tentou encaminhar-se para a porta. Ela pulou de nôvo e puxou-o pelo braço: "seu safado! há anos que não quer saber de mim e fica ai gastando o dinheiro com mulheres da vida!" Quis se desvencilhar: "irresponsável! você é um irresponsável!" Principiou, então, o solta, larga, me solta, me larga.
O relógio da cômoda marcava já onze e vinte. Renato o esperava na buate em 5 minutos. Nervoso, deu um arranco: "vou mesmo, vou mesmo!" A mulher foi atrás, pelo corredor, berrando: "e fique sabendo que arranjei um amante também, há mais de dois anos". Virou-se: "que felicidade! não me diga, é bom demais para ser verdade". "Encontro-me com ele todos os dias". Foi tirando o pijama e pondo o terno, enquanto exclamava irônico: "que herói, que herói!" A megera permaneceu implacável: "você mereda ser traído". "Que sorte, agora vamos nos separar". Gritou quase no ouvido dêle: "essa não! essa não! quero humilhá-lo até o fim". "Então, pouco me importa e quer saber de uma coisa? vou à buate, sim!" Ela, desesperada, pegou o revólver e atirou nas têmporas, caindo fulminada. Olhou-a, olhou para o relógio, notou· que ninguém reparara no tiro e disse: "vou-me embora, piedade matou minhas ninfas".

Correio da Manhã
18/06/1969

 
Fiscal fisgado
Correio da Manhã 14/01/1969

A mesma ilha
Correio da Manhã 15/01/1969

Bonnie sem Clyde
Correio da Manhã 16/01/1969

Imersão geral
Correio da Manhã 17/01/1969

Sinuca sangrenta
Correio da Manhã 18/01/1969

O homem-fome
Correio da Manhã 19/01/1969

Crime numa nota só
Correio da Manhã 22/01/1969

A receita do seu Zezé
Correio da Manhã 23/01/1969

A luta conjugal
Correio da Manhã 24/01/1969

O mistério do professor vermelho
Correio da Manhã 25/01/1969

Teatro Leve
Correio da Manhã 26/01/1969

O transplante
Correio da Manhã 28/01/1969

Idem idem
Correio da Manhã 29/01/1969

Cadê Zizi
Correio da Manhã 01/02/1969

Barulhinhos
Correio da Manhã 02/02/1969

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