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Xerloque da Silva

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O transplante

O sujeito entrou na delegacia e formulou a denúncia: "Roubaram a minha bexiga." O comissário deu um pulo de espanto, enquanto o escrevente deu uma risada. Pensaram que estava maluco, levaram-no a um canto e tentaram servir-lhe um cafézinho. "Isso nunca, como é que vou ingeri líquidos sem bexiga? Eu quero é que os senhores ajam a fim de ter minha bexiga de volta." "Doido varrido" - repisavam os policiais em côro. Mas nada o fêz demover-se da queixa. "Querem a prova?" – levou o comissário a um canto discreto, tirou a roupa e desenrolou as ataduras em tôrno do ventre. O comissário chegou na sala algo abalado: "Na verdade - admitiu ele, já agora cercado por uma malta de curiosos - existe uma imensa incisão recém-costurada." Todo mundo porém, achou que se tratava de um maluco que fôra operado em algum hospital e inventara a história ou - quem sabe? - havia sofrido um ataque de amnésia.
No Instituto Médico Legal, após ter sido examinado por três médicos, veio a confirmação: a vítima entrara na faca e, em lugar da bexiga, colocaram um recipiente de matéria plástica. "Não há possibilidade de contrações", arremataram. Chamado então a depor formalmente, já que o fato insólito era real, disse, em resumo, que, enquanto dormia, e segundo constatara posteriormente, havia sido amarrado e anestesiado. Enfim, quando acordou, apenas no início da tarde do dia seguinte, com o corpo inteiro em estado de dormência, sentiu algo estranho embaixo da barriga e aí notou as ataduras. "O resto foi fácil."
Os ladrões de bexiga não haviam deixado pista alguma. O furto inédito somente poderia ser explicado pela necessidade de realizar o transplante do órgão em alguma outra pessoa. Mas quem? Jornalistas e policiais corriam de lá para cá, inquiriam-se e entrevistavam-se médicos, enquanto a vítima também não parava de fornecer o seu depoimento, já então gravado, irradiado, televisionado, transcrito em várias línguas para tôdas as partes do mundo.
Um dia, enfim, a alma caridosa de um de cujus deixara um bilhete doando a bexiga, em excelente estado, para o furtado. Corre-corre de médicos e repórteres. Na hora em que extraíram o recipiente plástico para colocar o órgão doado, eis que encontram um bilhete dentro dêle. O bilhete assim dizia: "Sou autor do furto mais perfeito da história; por favo, ao realizarem o reimplante façam a doação dêste meu órgão artificial ao museu de polícia."

Correio da Manhã
28/01/1969

 
Fiscal fisgado
Correio da Manhã 14/01/1969

A mesma ilha
Correio da Manhã 15/01/1969

Bonnie sem Clyde
Correio da Manhã 16/01/1969

Imersão geral
Correio da Manhã 17/01/1969

Sinuca sangrenta
Correio da Manhã 18/01/1969

O homem-fome
Correio da Manhã 19/01/1969

Crime numa nota só
Correio da Manhã 22/01/1969

A receita do seu Zezé
Correio da Manhã 23/01/1969

A luta conjugal
Correio da Manhã 24/01/1969

O mistério do professor vermelho
Correio da Manhã 25/01/1969

Teatro Leve
Correio da Manhã 26/01/1969

O transplante
Correio da Manhã 28/01/1969

Idem idem
Correio da Manhã 29/01/1969

Cadê Zizi
Correio da Manhã 01/02/1969

Barulhinhos
Correio da Manhã 02/02/1969

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