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Xerloque da Silva

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O estouro

O casamento era o maior sucesso. Os arredores da igreja, desde uma hora antes, estavam abarrotados de gente, sequiosa apenas de ver a entrada da noiva (e a saída, se possível), cuja beleza e elegância suave e lírica do vestido já tinha sido prevista pela crônica social em pêso. O noivo era varão invejado de outra família riquíssíma e chegara recentemente de emocionantes caçadas na África.
Os arredores também, desde cedo, estavam fortemente policiados, inclusive com sistema de rádio. O Departamento de Trânsito tomam as precauções de modificar a mão de algumas ruas do local, a fim de facilitar a circulação até a igreja. Esta última, permanecia imponente com sua fachada e com os interiores fabulosamente decorados, em função do evento. Além das flôres em profusão, um coral treinadíssimo faria parte da solenidade. Alguns refletores estavam postados na calçada para iluminar a chegada dos noivos e convidados mais importantes.
Faltando dez minutos para a hora do matrimônio, o noivo saltou de um reluzente galaxie e, sob palmas, esbelto, elegante, hirto, atravessou as escadas frontais, dobrou a esquina e entrou por uma porta lateral. Seus padrinhos fizeram o mesmo. A seguir ficou esperando. No altar, juntamente com a equipe de vinte padrinhos, dez de cada lado. A chegada da noiva, meia hora depois, foi o esperado: berros, palmas, empurrões, todo mundo querendo vê-la, a deslizar, quase como que sôlta no ar, conduzida pelo papai compenetrado. Varou a igreja superlotadíssima ao som da marcha nupcial. Calor de quarenta a sombra. Iniciada a celebração, cada movimento do padre e dos noivos, cada acorde de órgão e cada nota entoada pelo côro, eram bebidos pelos ouvidos arreganhados da massa lá no interior. Um cronista social, apoiando o caderninho de notas nas costas de um amigo, anotava: "Linda de estarrecer! o maior matrimônio dos últimos tempos!''. A seguir, os nomes das pessoas que via e valiam a pena ser citadas.
O calor era sufocante e a multidão comprimia-se de tal forma que ninguém podia sair da igreja, mesmo que o quisesse. Enfim, veio o alívio quando, depois de o noivo enfiar a aliança no dedo da noiva e de o padre pronunciar as palavras decisivas foram todos para a sala dos cumprimentos e lá se fecharam. Comprimiu-se ainda mais a multidão diante da pequena porta trancada, na pressa geral de liquidar o compromisso social. "Estão demorando um pouco por causa das fotografias", palpitava um. Calor, impaciência, fúria. Abriu-se a porta e deu-se o estouro da boiada: corpos esmagados, gemidos lancinantes. Mais tarde, a um canto, os berros do noivo todo rasgado, sopesando o corpo triturado e ensanguentado da noiva morta: "meu amor, meu amor!"

Correio da Manhã
11/03/1969

 
Fiscal fisgado
Correio da Manhã 14/01/1969

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Correio da Manhã 15/01/1969

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Correio da Manhã 16/01/1969

Imersão geral
Correio da Manhã 17/01/1969

Sinuca sangrenta
Correio da Manhã 18/01/1969

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Correio da Manhã 19/01/1969

Crime numa nota só
Correio da Manhã 22/01/1969

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Correio da Manhã 23/01/1969

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Correio da Manhã 24/01/1969

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Correio da Manhã 25/01/1969

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Correio da Manhã 26/01/1969

O transplante
Correio da Manhã 28/01/1969

Idem idem
Correio da Manhã 29/01/1969

Cadê Zizi
Correio da Manhã 01/02/1969

Barulhinhos
Correio da Manhã 02/02/1969

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