Tarde cinzenta, chuvosa. O gramado com poças d'água. O estádio de Teixeira de Castro apinhado, estalando de gente. Do lado de fora, uma massa humana de milhares de torcedores protestava aos urros contra o fechamento das bilheterias. "Os culpados são os cartolas!", bradava um crioulão de sandálias e camisa florida. "Tem razão!", retumbou o côro de outros torcedores frustrados.
Entraram os times. Os vascaínos desfraldaram bandeiras - o foguetório da torcida do Bonsucesso fêz tremer o estádio. "Estou com mau pressentimento", sussurrou o locutor franzino para o comentarista. Enquanto êste meneava a cabeça, o juiz, acompanhado pelos dois bandeirinhas, perambulava pelo campo, pensando: "Que fria! Que fria em que me meteram!" Um dos bandeirinhas parecia olhar para a assistência, calculando de onde soprariam as garrafadas, pedradas ou coisas mais tênues como palavrões ou laranjas chupadas. Enfim, o juiz viu-se obrigado a concretizar a hora fatal, dando o apito para convocar os capitães dos times ao meio de campo.
O jôgo começou, catimbado, nervoso: sarrafadas, botinadas, cusparadas. Em poucos minutos, eram expulsos dois jogadores do Bonsucesso, que passou a jogar com 9 contra 11. "Queria ver se êle faria isso contra o Vasco", palpitou em voz alta um mulato com lenço amarrado no pescoço. "É isso mesmo, ladrão! Ladrão!" - gritava um velhote com a papada balançando. Mas o Vasco, desorientado, não conseguia nada: ao fim do 1º tempo, o juiz expulsa um jogador do Vasco que dera uma cotovelada na cara de um adversário. Dez contra nove e zero a zero. Xingatório, escorregões, as pessoas mal se podem coçar na arquibancada arquientupida.
Segundo tempo, delírio, berros. O Vasco, neca; e é expulso outro jogador seu, ficando 9 contra 9. O ímpeto dos torcedores derruba o alambrado. Pânico, início de correria, o juiz pedira refôrço de policiamento. Escurece e há falta de energia. O jogador do Vasco ia bater um córner e foi segurado pelo calção por um torcedor. "É um escândalo! - gritava um locutor - o culpado da baderna é o presidente da Federação." O jôgo já se desenvolve no escuro e, apesar disso, o goleiro do Bonsuça fecha o arco. "Barbaridade, bárbaros, o Vasco não devia jogar aqui, está sendo esbulhado"- lamentou-se um português de blusão. "Cala a bôca, galego!" - respondeu um malandrinho sarará. O português atira-lhe uma garrafa de Crush, ele se abaixa e ela estoura a testa de um vendedor de chica-bom. Pancadaria - a turma do deixa-disso é impotente diante da guerra de garrafas então começada. A turma do Bonsuça despeja foguetes em cima da turma do Vasco. O juiz, apavorado, dá por encerrada a peleja antes do tempo. "Zero a zero, é o som e fúria significando nada", falou o filósofo do asfalto. "É o Brasil de hoje", gemeu um torcedor
Correio da Manhã
08/04/1969