Magricela, magricela - pegou o ônibus Caxias-Praça Mauá e sentou-se na segunda cadeira. Olhou para o lado e descobriu uma mulher de perfil grego e corpo que seria certamente rebolativo quando viesse a saltar. Tirou do bôlso o pequeno volume de Dom Casmurro, de Machado, e continuou a leitura interrompida na página 10. Mas, como sempre, achou que o negócio estava, chato. A partir da página 13, começou a folhear o volumezinho e só dava aquilo: Capitu pra lá, Capitu pra cá. Suspirou - o livro nem servia para se abanar do calor. Mas a verdade é que chegava aos cinquenta anos e ainda não tinha lido qualquer coisa de Machado de Assis e isto segundo o que averiguara em algumas rodas mais sofisticadas não ficava bem. O diabo era agüentar o livro. Desistiu. Olhou novamente, e de relance para a mulher e verificou que ela estava a contemplá-lo com a mirada fixa. Sensação. Guardou, aliviado, o livro no bolso do paletó, fingiu que olhava para a frente, e notou que ela continuava, firme, voltada para ele. Pensou: "parece que dei sorte - é agora!" Virou-se e emitiu um sorriso de homem pretensamente seguro e experiente enquanto prosseguia pesando: "já vi que ela gosta dos magros". Disse-lhe, fazendo um esfôrço para exprimir um ar de tranqüilidade: "não se importa que eu fume?" Ela: "esteja à vontade; aliás, posso filar um seu?" "Ora, como não, como não?" Baforadas. Perguntou: "a senhora mora no Rio?" "Sim, sou tijucana". "Belo bairro, belo bairro". "E o senhor?" "Eu sou do Estado do Rio, mas venho muito para cá a negócios". "Deve ser cansativo". "Sim, mas é o que se pode fazer". "Viaja todos os dias neste ônibus?" " Duas vêzes, por semana, de uns seis meses para cá". "É?" "É, antes não - sabe? - sou ex-prefeito". "E já terminou o seu mandato?" "Não, fui cassado". " Oh! mas que coisa!" "Pois é, era prefeito em Gampiruna". "Não conheço, fica no Estado do Rio?" "Sim, um pequeno município, pelo qual me desdobrei, emagreci mais ainda para, no fim de contas, a turma da ARENA conseguir minha cassação mediante uma história de prestação irregular de contas". "Coitadinho!" Ele riu e encostou-lhe o cotovêlo: "tem pena de mim?" Ela riu. Notou que o ônibus já rugia pela Avenida Brasil e apressou a cantada: "vamos tomar um drinque?" "Não sei" " Ora vamos, conheço um lugar excelente". Ela surpreendeu-o: "prefiro oferecer-lhe o drinque em casa". Euforia: "ótimo, ótimo, meu amor!"
Saltaram do táxi diante de um edifício na Conde de Bonfim. Entram no apartamento, êle senta-se sob o vozerio de crianças no quarto ao lado. Ela abre a porta e pulam seis meninos: "meus filhos, trouxe êste homem aqui para mostrar que se continuarem não querendo comer vão ficar magros como êle". Apesar da magreza teve o o seu primeiro enfarte.
Correio da Manhã
10/04/1969