Audálio estava num dos dias mais felizes de tua vida. Lenora, após a operação de apendicite, ficara (para ele) mais linda do que nunca. Iam sair pela primeira vez, depois da tua-de-mel em Cabo Frio. Despregou-se do chuveiro, eufórico, tenor de banheiro. Lenora, remexia as ancas, enquanto enfiava um vestido de flores vermelhas, saia rodada. Depois, era só pegar o táxi ali no Engenho Novo, varar o Rebouças e mergular na feérica Zona Sul. Convidara mais um casal e um primo solteiro. Às dez da noite, os cinco estavam, cintilando prazer, num restaurante à beira da Avenida Atlântica. "A, conta é só minha, só minha" - repisava Audalio o que já repetira cem vêzes dentro do táxi, pagando e dando lauta gorjeta ao chofer. Lenora sacudia as ancas na cadeira algo incômioda e olhava para todos os lados, com o riso solto. Cruzadas, as pernas fartas estavam à mostra, com aqueles sapatos com florzinhas vermelhas na ponta. Todo mundo comendo pizza e Audálio fazia escalações e escalações do escrete nacional. O primo comentou no ouvido do outro, enquanto as mulheres conversavam: "a Lenora anda muito boa!" "É, mas está muito sirigaita - olhe aquele baixotinlo ali naquela mesa como está paquerando".
O baixotinho, de cabelo ralo e bigodinho fino (como aqueles dos sátiros do cinema mudo) fixou o olhar no olhar de Lenora. Esta começou a rir, fêz menção de puxar a saia, êle fêz um sinal de protesto, ela riu mais com a boca cheia, êle pegou do bôlso um cartão de visitas e acenou-lhe, ela já abria a cara num sorrir maior, êle já ia convocando o garção para enviar o "torpedo" quando veio a voz terrível de Audálio: "que é isto, seu sem-vergonha?" Escândalo no restaurante. Pessoas levantaram-se da mesa. Audálio aproximou-se do baixote, disposto a esmurrá-lo: "safado, vou quebrar-lhe a cara!" "Ora, deixa de ser palhaço, sabe com quem está falando?" "E daí?" "Sou oficial... " Audálio, que estava vermelho, ficou branco numa fração de segundo. "Oficia!?" O outro já estava de dedo em riste para cima. Audálio suava, suava, Lenora já começava a mostrar o riso frouxo. "O senhor é oficial do Exército?" "Não". "Da Marinha?" "Não" "'Da Aeronáutica?" "Não". Mais apavorado ainda: "então é oficial do SNI?" "Não". "Da PM" "Não" "Mas, então...?" "Sou oficial de gabinete." "Como?" ''Sim" - falou com o rei na barriga - "sou oficial de gabinete!" Audálio voltou a ficar vermelho: "ora, seu moleque!" e, ato contínuo, tentou dar-lhe um pontapé. O outro se esquivou. Nessa altura, Audálio foi prêso pela RP. O baixote sumira, Lenora, no ensêjo, fora raptada e currada por três cabeludos dentro de um Jipe.
Correio da Manhã
12/04/1969