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Fanopéia de ideias

Faz cem anos do nascimento do poeta William Carlos Williams, que veio ao mundo em 17 de setembro de 1883, em Rutherford, New Jersey, e morreu em 4 de março de 1963, quase aos 80 anos de idade. Ao sair da Universidade da Pensilvânia, em 1906, e depois de haver-se formado em pediatria, em Leipzig, Alemanha, retornou à cidade natal, em 1910, para lá ficar como seu domicílio até o término da vida.
Em 1908, já se correspondia com Ezra Pound e essa troca de ideias e impressões através das cartas estendeu-se anos a fio. Já numa delas, de Londres, datada de 21 de maio de 1909, Pound criticava um livro de Williams: "Seu livro não atrairia nem as atenções passageiras. Há belas linhas nele, mas penso que você não soma nada aos poetas que usou como modelo". Mas, a 19 de dezembro de 1913, começava a elogiá-lo: "Sobre o seu
La Flor, é bom... Seu vocabulário está ajustado... Acho que vou lançar La Flor no 'Egoist'... Penso que 'elegante' é a palavra que eu aplicaria como crítico. Tem dignidade... Ainda acredito que, ao fim, como sempre, sua obra se sustentará". Além de doutor Williams, o chamativo que levava em decorrência de ser médico, Pound também o chamava de Bill ou Bull.
Aos Poems, de 1909, seguiram-se outras obras de poesia, como Sour Grapes (Uvas Ácidas), em 1921, Spring and All (Primavera e Tudo), em 1922, e, na década de 40, The Wedg (A Cunha) e The Clouds (As Nuvens). Também em 1946 aparece o primeiro volume do seu mais ambicioso poema, Paterson (os demais seguiram-se em 1948, 1949, 1951 e 1958. O objetivo épico era, mediante a dramatização de Paterson, criar uma visão plena de meandros da América e seus habitantes. Segundo Louis Untermeyer, Williams observava os objetos de sua seleção com afeição de tal maneira imparcial que se disse que ninguém poderia amar algo tanto quanto ele amava qualquer coisa. "Mas, sem dúvida, havia um poder que obtém expressão com leitura posterior. Numa ligeira fala coloquial, Williams descreve o universo do dia-a-dia em detalhes pequenos, porém vivazes''.
O nome de Walt Whitman também foi vinculado à poesia de Williams e, a isto, ainda é aduzida, na Princeton Encyclopedia de Poesia e Poética, a permanência dos simbolistas.
Por seu turno, R. P. Blackmur, em Language as Gesture, faz críticas básicas à obra de WCW, considerando-o um produto da ideia própria de fertilidade. "Seu trabalho acresce aos sentimentos mas não à sensibilidade." Mas, por outro lado, também aponta as qualidades: "No doutor Williams, em sua melhor produção, captam-se poderosas percepções... o renovar cotidiano sem vestígio do ontem; o lugar-comum tornado raro, porque violentamente sentido''.
Não só poesia. Escreveu bastante prosa. Três novelas elaboram uma trilogia, abordando a vida de uma família: White Mule (A Mula Branca), em 1937; In The Money (No Dinheiro), em 1940; e The Build-Up (A Reconstrução), em 1952. Publicou seus contos no volume The Farmer's Daughter (A Filha do Fazendeiro), em 1961. Peças de teatro: A Dream of Love (Um Sonho de Amor) e Many Loves (Muitos Amores). Segundo os críticos, suas histórias contem profundos vislumbres nas facetas estranhas do comportamento humano. Ao mesmo tempo, vale registrar que publicou uma coletânea de ensaios em 1954 e outra de cartas, em 1957.

Um dos mais originais


William Carlos Williams pode ser considerado como uma fanopéia de ideias (fanopéia é uma das três modalidades de poesia detectadas por Ezra Pound, sendo que, nela, predomina o aspecto imagético). Pode não ser um grande poeta, mas é seguramente um dos mais originais deste século.
Experimentou de tudo. Foi, ao mesmo tempo, inventor e mestre e, com a grande quantidade de poemas, também o fabricante de inconsequências. Mas isso é decorrência do risco pelo erro: o homem dos "achados" ocasionais, das soluções do momento. Lírica ou épica, imagem pura ou verso coloquial, participação ou intimismo, fanopéia ou logopéia (a dança do intelecto entre palavras). Especialista no poema-minuto, ultraconciso, às vezes praticamente um haikai, como nestes três exemplos:

O vento sussurrante


Algumas folhas demoram, algumas caem
antes da primeira geada -assim segue
a história de ramos de inverno e velhos ossos.

***

Primavera


Ó meus cabelos cinza!
São realmente brancos tal flores de ameixa.

***

Linhas

Folhas são verde cinza
o vidro partido, verde-brilhante.

Vê-se, em paralelo, pelos exemplos acima, que de maneira idêntica com a qual um pintor como Paul Klee concebia os títulos para seus quadros, boa parte dos títulos dos poemas do doutor Williams nada têm do mero ato de etiquetar a obra, mas correspondem a um elemento da própria peça, ou seja, entram em conflito dinâmico - através de justaposição - com o teor do texto.
E o seu ritmo staccato. Nada de linearidade. A presença quase sempre permanente dos enjambements. E das tmeses. Os cortes rápidos, análogos aos da técnica cinematográfica, de uma imagem para outra. Sem falar na pontuação inventiva (ou sua ausência) - os recursos com os travessões e os parênteses. Em suma, o laconismo. Aquele laconismo que tanto exaltou Eisenstein em relação à poesia oriental, no seu famoso ensaio O Princípio Cinematográfico e o Ideograma (cuja tradução já tivemos ocasião de publicar em 1957 - no "Jornal do Brasil" - e relançar no volume A Idéia do Cinema, em 1968).
Dizia ele, em 1944, na sua introdução do volume dos Collected Later Poems: "Deixe o metafísico tomar conta de si mesmo, as artes nada têm a ver com isso. Nada há de sentimental na máquina e: um poema é uma pequena (ou grande) máquina feita de palavras. Quando digo que não existe nada de sentimental num poema, quero dizer que não pode haver, nele, nenhuma parte, como em qualquer outra máquina, que seja redundante. Não é o que se diz que importa como obra de arte e, sim, o que se faz, com tal intensidade de percepção que a obra vive com um movimento intrínseco próprio, a constatar a sua autenticidade. Não há poesia de mérito sem invenção formal, pois é na forma implícita que as obras de arte consumam o seu sentido exato, no qual mais se parecem com a máquina, no sentido de dar à linguagem a sua mais alta dignidade, sua iluminação no âmbito nativo''.


A Phoenix e a Tortoise

O elo entre Barnum e Calas
é a fantasia
contra a qual ruge Rexroth,
a vaca de seis pernas, a mulher sem pernas

pois cada qual apresenta um conceito social
em busca de aprovação, uma sociedade pioneira
e outra moderna sustentando a norma
pela tensão do Minotauro.

É uma genuína manobra,
talvez seja toda arte
e Barnum o nosso gênio (nas artes)
no plano moral: a fantasia

e o atleta: o circo
pelo qual retornamos de Agamemnon
modesto para nossas tarefas - de prazer -
e para nossas mentes. Se assim,

apesar de Rexroth, Barnum
nosso Ésquilo, nós
devíamo-nos mostrar
mais corteses com Calas da Grécia

que veio de Oxford via Paris
para nos iluminar, afetar
menos petulância diante de seu
Confunda Os Sábios:

“Se, num estudo como este, no qual são discutidas as ideias do autos, paramos de repente em questões a respeito da forma, é porque as formas - e espero que isto surja claramente em tudo que até então eu disse - estão para nós fortemente ligadas a ideias e sentimentos. Neste ponto, sou um monista e em oposição aos hábitos positivistas e dualísticos que o último século nos legou. Qualquer erro relativo à forma é, em consequência, um erro fundamental e, quando as ideias são erradas e quando os sentimentos são falsos, então o conformismo explode e aparece na forma.”



Leitura de Miranda

o torso português - conotando
a tortoise de Rexroth, disse que ele:
lerá um, depois o outro,
ambos conceitos morais, curiosamente ligados,

pelo qual, a tempo, podemos
observar, “o sol deita-se onde se ergue
e luas crescem nos olhos das virgens,
o poste germina folhas e torna-se árvore e

morbida a normalidade da fruta”, como na
molécula flutuante; detalhes de
O Maior Espetáculo da Terra - se
sobreviver a mente e eu for um americano.

***
N.T. - Este estranhíssimo poema-ensaio, com um certo molho surrealista, bem evidencia o aspecto anticonvencional da obra de WCW. Comprova-se, no trecho em prosa, a ascendência que confere à forma.



Os telefones Hermafroditas


Chuvas mornas
levam embora os telefones
hermafroditas do inverno

cujas campainhas demoníacas
atravessando o solo
inerte

preencheram com púrpura
circular e verdes
e azuis anêmonas

o radiante nada
da cristalina
primavera.


A tempestade

Um arco-íris perfeito! um amplo
arco baixo no céu norte
abarca o lago negro

turbado por leves ondas
sobre quem o sol
sul da cidade reluz

friamente do monte liso
indiferente ao vendo que
nada pode acordar

mas conduz a fumaça de
algumas finas chaminés estendendo-se
violentamente para o sul


A mente indecisa

Às vezes o rio
torna-se um rio na mente
ou da mente
ou na e da mente.

Suas margens nevam
a maré, caindo uma escura
borda estendida entre
a água e a praia.

E a mente indecisa
mirando o curso
sente
uma semelhança que

há de colher - uma complexa
imagem: qualquer coisa
de sobrancelhas brancas
atadas por uma fita

de um pensamento imerso
além, sim, bem além
dos traços móveis
de ligeiras

águas fluentes, antes
que a maré
mude
e erga-se novamente, talvez.


O poema


Tudo está
no som. Uma toada.
Raramente uma canção. Devia

ser uma canção - feita de
minúcias, vespas,
uma genciana - algo
imediato, tesoura

aberta, olhos
de uma dama - despertando
centrífuga, centrípeta.


Prelúdio ao inverno

A mariposa sob as goteiras
com asas como
a casca de um tronco, estende-se

E o amor é uma curiosa
coisa suavemente alada
imóvel sob as goteiras.

Folha de S.Paulo
17/09/1983

 
G. S. Fraser "The modern writer and his world" - Criterion Books
Jornal do Brasil 18/08/1957

Sophokles – “Women of trachis”
Jornal do Brasil 03/11/1957

Piet Mondrian
Jornal do Brasil 01/12/1957

The Letters Of James Joyce
Jornal do Brasil 12/01/1958

O poema em foco – V / Ezra Pound: Lamento do Guarda da Fronteira
Correio da Manhã 05/10/1958

Erza Pound, crítico
Correio da Manhã 11/04/1959

Uma nova estrutura
Correio da Manhã 31/10/1959

"Revista do Livro", nº 16, Ano IV, dezembro de 1959
Tribuna da Imprensa 13/02/1960

E. E. Cwnmings em Português
Tribuna da Imprensa 04/06/1960

O último livro de Cabral: “Quaderna”
Tribuna da Imprensa 06/08/1960

Cinema e Literatura
Correio da Manhã 07/10/1961

Um poeta esquecido
Correio da Manhã 24/03/1962

A Grande Tradição Metafísica
Correio da Manhã 05/05/1962

Reta, direto e concreto
Correio da Manhã 06/06/1962

A Questão Participante
Correio da Manhã 18/08/1962

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