As editoras redescobriram o romance policial e seu filão de interesse. Falamos em redescobrir porque, na boa maioria dos casos, não estamos diante de autores novos, mas, sim, daqueles que já haviam proporcionado o thriller ou o suspense literário às gerações de leitores nas décadas de 1920, 1930 e 1940. Referimo-nos, em especial, ao romance policial de mistério, alguns com aquela geometria rigorosa, implacável, em torno do centro de interesse: desvendar o assassino.
O prestígio do gênero policial era incalculável, no nível do consumo, à época em que as pessoas se reuniam a fim de discutir, em termos de hipóteses solidamente fundamentadas, a respeito do desfecho de determinado livro. Isso, lá pela década de 1930.
As preferências oscilavam. Uns se concentravam mais no formalismo de Ellery Queen, do qual vários livros traziam, inclusive, a planta dos locais dos crimes. Outros, nos provérbios de Charlie Chan (sempre com assessoramento tumultuado de sua malta de filhos), figura obrigatória das primeiras publicações nacionais de histórias em quadrinhos. Outros, ainda, com maior apreciação pelo aspecto romanesco da trama - o literário -, faziam recair suas predileções sobre Edgar Wallace. Isso sem esquecer o reconhecimento unânime em torno do mestre e precursor, Arthur Conan Doyle (Edgar Allan Poe foi o fabuloso pré-precursor), o criador de Sherlock Holmes e do eterno companheiro Watson e que legou o tom da excentricidade para a maioria dos grandes e famosos detetives.
Van Dine
Nesse sentido, quem merece melhor atenção ainda hoje é S. S. Van Dine, com a sua personagem Philo Yance, detetive amador ultra-requintado, de alto nível intelectual e que, sob a influência de Conan Doyle, leva sempre a tiracolo o narrador na primeira pessoa do segundo plano, como se fosse Watson. Uma obra-mestra, O Bispo Preto, demonstra todos os citados refinamentos, ainda reforçados em notas ao pé de página. Philo Vance, enquanto tenta deslindar uma sequência de crimes precisos, feitos em acompanhamento às quadrinhas infantis de Mother Goose, disserta sobre as altas matemáticas e teoria da relatividade ou dos quanta, a respeito das partidas de xadrez de Capablanca, Lasker ou Rubinstein, literatura alemã ou ópera (em dado momento, vai assistir a Louise, de Charpentier, com Geraldine Farrar, mas observa que prefere a performance de Mary Garden). E, no meio de tantos dados culturais, a sua esquematização lógica e logicista, quanto ao entrecho (crimes em si e movimento dos personagens), evidencia-se linearmente implacável.
Mais uma manifestação de nostalgia? Como diz Heidegger, em O que é o Zaratustra de Nietzsche?, "a nostalgia se consiste na dor que nos causa a proximidade do longínquo".
Última Hora
14/02/1972