Os Lusíadas
Autor: Luís de Camões
Introdução e notas: Alexei Bueno
Editora: Nova Fronteira, 409 pgs.
Essa nova edição de Os Lusíadas, de Luís de Camões, é uma das mais importantes entre aquelas lançadas no Brasil. E isso, logo de saída, em decorrência de um motivo específico: nela, surgem republicadas, em apêndice, as 75 estâncias desprezadas ou omitidas pelo grande poeta e, posteriormente, encontradas por Manuel Faria e Souza. Assim como ocorre em relação a uma parte dos sonetos e uma ou outra seção de sua lírica, essa estrofes foram consideradas apócrifas por alguns estudiosos, entre os quais Wilhelm Storck. Mas a simples leitura das mesmas demonstra que tais assertivas jamais poderiam ser muito convincentes. Basta ler a última entre as catalogadas por Faria e Souza, que se situaria após a estrofe 141 do Canto Décimo e referente a Fernão de Magalhães: "Daqui saindo irá, onde acabada / Sua vida será na fatal ilha: / Mas prosseguindo a venturosa armada / A volta de tão grande maravilha: / Verão a nau Vitória celebrada / Ir tomar porto junto a Sevilha, / Depois de haver cercado o mar profundo, / Dando uma volta em claro a todo o Mundo".
Pelo que sabemos, nenhuma das edições brasileiras de Os Lusíadas (irmãos Laemmert; Itatiaia; Biblioteca do Exército; Silveira Bueno; Melhoramentos) apresentou as partes expurgadas. Só em Portugal foram elas lançadas (edição de 1782, de Thomás Joseph de Aquino; Editora Lello).
Na introdução, Alexei Bueno fala sobre a situação histórico-literária da época. Chama a atenção para a fusão entre o ideal cavalheiresco e religioso da Idade Média e "as virtudes bélicas do herói pagão". E, depois de, com muita justiça, colocar as redondilhas dos "Sóbolos Rios que Vão" como provavelmente "o mais alto poema de nossa língua", entra, firme, na faixa polêmica, ao dizer que todos os reparos feitos Posteriormente ao decassílabo camoniano "são obra da incompreensão poética de metrificadores esteticamente imprestáveis, como Castilho e o famigerado padre José Agostinho de Macedo": "Por obra do primeiro, eguida por parnasianos tão vazios quanto ele, chegaram a antepor o decassílabo bocagiano, com sua uniformidade absolutamente monocórdia, ao de Camões, de riqueza sinfônica". Enfim, Bueno aponta a adjetivação de Camões como dona de expressividade incomparável, "destituída de todo enfeite ou ouropel".
Também constam dessa edição as transcrições do alvará régio da edição de 1572 e o parecer do censor do Santo Ofício, da mesma data. Há uma biografia e, à guisa de intróito, a apresentação de um soneto de Torquato Tasso dedicado a Camões, em texto bilíngüe, com tradução do próprio Bueno. Aqui estão os tercetos finais: "Mas a do bom e culto Luís tão alto / Estende além seu vôo glorioso / Que mais que as tuas naus o longe rende". "Do Pólo austral ao nosso, seu radioso / Eco, onde chega num sonoro salto, / O curso de tua fama alarga e estende."
No mundo inteiro, há longo tempo, muitos louvam e se manifestam a respeito da obra de Camões e, principalmente, Os Lusíadas. Quem foi contrário à poesia épica, como Voltaire, colocou-o no confortável pelourinho entre Dante e Shakespeare. Mas, além de Tasso, aí estão, com a palavra, Montesquieu, Madame de Stael, Chateaubriand, Schlegel e Humboldt, que o classificou como "um grande pintor marítimo". E mais: Ezra Pound, que o chamou de "Rubens do verso", Lorde Byron, Herman Melville e Elizabeth Barrett Browning. Ou, então, Jorge Luís Borges, que assim termina seu soneto a ele oferecido: "Comprendiste humildemente / que todo lo perdido, el Occidente / Y el Oriente, el acero y la bandera, / Perduraria (ajeno a toda humana / Mutación) en tu Eneida lusitana".
Em língua portuguesa, quantos não louvaram Camões, o mago, o mágico, o macro? O próprio Bocage, que tanto endeusavam os detratores, assim dizia: "Invejo-te, Camões, o nome honroso, / Da mente criadora o sacro lume, / Que exprime as fúrias do Lieu raivoso... " E, num impecável soneto classicista, o nosso grande Manuel Bandeira: "Não morrerá sem poetas nem soldados / A língua em que cantaste rudemente / As armas e os barões assinalados".
O Globo
04/07/1993