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As antenas pagãs

Dante e Confúcio esteio presentes nos Cantos do miglior fabbro, nos quais nada acaba ou se define, pois são universos complexos, de difícil tradução, um céu cheio de estrelas.

Ezra Pound dizia que os artistas eram as antenas da raça. Isso tudo devido ao simples caso de saber que a intuição (carregada de informações díspares) dispensa as conclusões (vazadas no
dernier cri de leguleios acadêmicos). Sabia que a mesma intuição não dispensa também o problema da Forma (que é o problema da arte - ou coisa que o valha). A sua grande importância foi a de criar um turning point em tomo do que seria fazer (deus nos livre!) poesia. Basta ler o seu proposital Mauberley (do qual possuímos uma tradução magistral de Augusto de Campos) que era um adeus à poesia puramente refinada em requintes verbais. Pound, então, concentrou-se nos Cantos.
O que são, o que representam esses Cantos? Dizia Hugh Kenner, seu melhor definotólogo: "uma época sem enredo". Mas o que também representava, antes, o nosso Ezra com as suas máscaras? Um saudosismo, instigante saudosismo dos tempos em que era possível concluir alguma coisa. Depois de Einstein- ou da relatividade- impossível brincar com chaves de ouro. Quando vemos "poetas", aqui no Brasil, trotear em versões sobre Tancredo Neves, vem a pura vontade de espirrar; e nada mais - para isso ainda serve o corvo de Poe. Ou Roque Santeiro.
Os Cantos fornecem a mesma sensação de desconforto que a dos filmes de Jean-Luc Godard. Nada acaba; nada se "define", Mas, indagaria o contrafeito bien pensant com o gorro e as ceroulas do acaso: para que tudo isso se não se chega a "claridades"?; a exegese? Deixá-los brincar com as suas borlas. Num velho poema, Décio Pignatari já havia deixado tudo muito claro, ao "finalizar" a peça com o simples arremate: "os seios com que agora". E poderiam sair os sociólogos e estruturalistas da moda atrás do que "com que agora". Alguns, mais objetivos, pensariam numa omissão de revisores e impressores - ainda estão no agora de outrora.

Poeta participante

Os Cantos obedecem a uma concepção de montagem. É a visada do ideograma. Essa, a idéia básica de estrutura. Lá estão, recheando, Homero, Dante, Confúcio e Ovídio. No meio do caminho, os provençais, a história dos Estados Unidos, da China e, em parte, da Itália, da Inglaterra. Os condottieri, Churchill, filólogos, poetas, políticos, pintores, mandarins, meretrizes ou mulheres míticas, deuses etc. Tudo é sadio paganismo. Pound dizia que o Velho Testamento deveria ser substituído pelas Metamorfoses, de Ovídio. Com toda razão: a máquina e a decorrente tecnologia se encarregaram de demonstrar isso.
Fracasso? Ezra tentou uma última afirmação via kulchur: Tentou fazer uma série de poemas capaz de açambarcar uma digamos assim história ideológica da humanidade. Achava que merecia dar o seu plá – daí - seu adeus. Estava de antenas assestadas. Na língua inglesa, ainda viriam Eliot (seu discípulo pelo meio), Cummings, Dylan Thomas, Hart Crane, Wallace Stevens e mais um ou outro. Nesse mesmo Segundo quarto do século atual, no Brasil, aterrissaram Drummond e João Cabral. O resto é literatura. Falamos, bem entendido, na chamada poesia em linguagem simplesmente discursiva, pois a poesia concreta está além da causa. Mas Ezra Pound, com seus
Cantos foi o maior poeta " participante", anticapitalista, do século. Basta ler, por exemplo, os de números 12, 14, 15, 45, 48 ou 51, a fim de constatar a sua vontade de fogo.
Se a técnica, como dizia ele, era o teste da sinceridade, encontra-se no escorrer dos Cantos e, mais ainda, em toda a sua obra, uma multiplicidade de facetas do "melhor artífice". Da linha ao verso, do prosaico ao espacialismo de palavras ou frases ou letras, da escansão à liberdade, registros, relatos, cantares e contares. Difícil a tradução, no vaguear de um universo complexo de referências, seja de nome de pessoas eventuais, lugares, citações etc. Enfim, como dizia o não menos saudoso Fernando Pessoa, "tudo vale a pena se a alma não é pequena".
Continuando Pessoa: "Deus ao mar perigos e abismos deu / mas foi nele que espelhou o céu". Assim são os lances de Pound sobre o mar do poetar: os Cantos: um céu-oceano cheio de estrelas ou, mais certo, como ele gostava de dizer: os punti luminosi.

Folha de S.Paulo
27/10/1985

 
G. S. Fraser "The modern writer and his world" - Criterion Books
Jornal do Brasil 18/08/1957

Sophokles – “Women of trachis”
Jornal do Brasil 03/11/1957

Piet Mondrian
Jornal do Brasil 01/12/1957

The Letters Of James Joyce
Jornal do Brasil 12/01/1958

O poema em foco – V / Ezra Pound: Lamento do Guarda da Fronteira
Correio da Manhã 05/10/1958

Erza Pound, crítico
Correio da Manhã 11/04/1959

Uma nova estrutura
Correio da Manhã 31/10/1959

"Revista do Livro", nº 16, Ano IV, dezembro de 1959
Tribuna da Imprensa 13/02/1960

E. E. Cwnmings em Português
Tribuna da Imprensa 04/06/1960

O último livro de Cabral: “Quaderna”
Tribuna da Imprensa 06/08/1960

Cinema e Literatura
Correio da Manhã 07/10/1961

Um poeta esquecido
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A Grande Tradição Metafísica
Correio da Manhã 05/05/1962

Reta, direto e concreto
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A Questão Participante
Correio da Manhã 18/08/1962

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